terça-feira, agosto 22, 2006

Aldeia das Dez



Alcandorada na encosta Norte do Monte do Colcurinho, Serra do Açor, e sobranceira ao Rio Alvôco. É aí que se situa esta aldeia.
É uma aldeia que, como muitas outras, tem uma igreja, cujo sino toca de hora a hora, e um adro.


Tem uma banda filarmónica que toca nos dias de festa que, quando são religiosas, têm sempre uma procissão, a maior das quais no dia do padroeiro S. Bartolomeu (24 de Agosto).


É uma aldeia em que, como todas as outras por este país, nas festas as mulheres dançam com as mulheres porque os homens preferem o tintol.
É uma aldeia onde é possível ter uma aula de astronomia a céu aberto porque o ar é impoluto.
Uma aldeia rodeada por pinhal e com vistas desafogadas, serenas e bonitas. Uma aldeia que funciona como miradouro, pois é possível avistar o topo do Colcurinho, a Serra da Estrela e outras aldeias serranas.


Uma aldeia onde se fazem e se come cavacas e tijelada.
Esta aldeia podia ser como muitas outras espalhadas por aí. Mas não. Esta é especial. É aqui que estão as minhas origens familiares paternas. Onde passava, quando era miúda, Verões intermináveis e despreocupados. Dias que começavam com o despertar ao som único do sino da igreja. Que eram passados a andar de bicicleta à volta do adro da igreja. A tentar jogar à bola também no adro da igreja. Embora esta missão fosse quase impossível porque havia, para algumas mentes, um conflito entre o sagrado e o profano (!!??). A brincar aos índios e cowboys nos pinhais, onde todos queriamos ser índios para podermos usar os arcos e flechas feitos por nós. A atazanar as galinhas, coelhos e gatos. Dias a tentar convencer, sem efeito, a avó que brincar a seguir ao almoço com 40º dá saúde e faz crescer.
Por todas estas memórias também eu canto a marcha da Aldeia das Dez (1945):

Nossa aldeia terra airosa
Linda alegre e singular
Cada pedra é uma rosa
Enfeitando o lindo altar

(...)
Cantemos à nossa terra
Nosso abençoado lar
Os encantos que ela encerra
São tais que não têm par

Terra que é nosso amor
Outra não vemos melhor
Nem por certo deve haver
De tanta gente lhe querer
Não cansemos de a louvar

quinta-feira, agosto 17, 2006

Caminhar na Quinta do Lago


Habituámo-nos a ouvir falar da Quinta do Lago sempre associada aos “ricos”, “famosos”, “bonitos” pertencentes à designada “alta sociedade portuguesa” e internacional. A Quinta do Lago do golfe, das festas no T-Club, dos banquetes no Gigi, das exuberantes moradias, enfim... do mostrar para ser visto.
A verdade é que a Quinta do Lago é tudo isto. Mas é muito mais. Sendo que este tudo mais é a melhor parte da história. Quem se lembrou de escolher aquelas bandas para lá instalar um recanto exclusivo e recatado para uma elite de ricos e famosos e dele fazer um resort escolheu muito bem. Mas, sorte a nossa, no nosso país ainda não é possível vedar o acesso às frentes do mar aos outros cidadãos não tão ricos e famosos. Pode o parque de estacionamento da praia da Quinta cobrar uma fortuna pelo mero serviço de aí deixar um carro, mesmo que os seus lucros não revertam para a protecção do habitat natural em que se encontra. O certo é que vale a pena engolir o sapo e lá deixar uma nota, aí isso vale.

Dito isto, a Quinta do Lago está situada em plena Ria Formosa.
A Ria Formosa está situada no Algarve e caracteriza-se por ser uma região de sapal e ter um habitat natural específico, ao longo de uma extensão de cerca de 60 km, desde o Ancão, no concelho de Loulé (e onde se encontra localizada a Quinta do Lago), até Manta Rota, no concelho de Vila Real de Santo António, abrangendo ainda os concelhos de Faro, Olhão e Tavira.
Iniciando um “tour” desde o parque de estacionamento da Quinta do Lago, existe a possibilidade de se percorrer a pé 2 trilhos naturais previamente definidos e (bem) sinalizados: o “Quinta do Lago” e o “São Lourenço”. Para além da saudável caminhada, ambos os trilhos têm ainda o valor acrescentado do iminente contacto com a flora e a fauna locais que se desenvolvem ali pertinho dos greens, do lago e do Atlântico, sob o sol algarvio.
O trilho da “Quinta do Lago” tem cerca de 2,3km e características de sapal e lago de água salgada. Por entre os pinheiros mansos, palmeiras anãs e rosmaninho, deparamo-nos com a criação de uma tapada de piscicultura com diversas espécies de peixinhos, como dourada, robalo, linguados, sargos, enguias.
Por seu lado, o trilho de “São Lourenço” desenrola-se ao longo de 3,2 km pelo sapal e pelo lago de água doce. Por este caminho é possível observar-se diversas espécies de aves, bem como o camaleão, um réptil em vias de extinção na Europa mas ainda relativamente fácil de se encontrar neste Parque Natural. No último ponto deste percurso existem umas ruínas romanas onde se poderá observar alguns tanques de salga (de peixe) da época romana do século II dC.


Para além destes 2 percursos “oficiais”, a vontade de descobrir mais sobre esta zona permite-nos percorrer caminhos ao sabor dos nossos próprios pés, seguindo a rota dos aviões que aterram e levantam voo bem ali ao lado, no aeroporto internacional de Faro.
Apesar dos aviões que sobrevoam esta zona constantemente (parece que estamos em Heathrow ou Charles de Gaulle), o rei por aqui é o flamingo. Isto no que diz respeito à natureza, a imperadora destas bandas. Mas não podemos esquecer o princípe, obra do homem – a ponte que liga os terrenos da Quinta do Lago à praia, construída sobre a Ria Formosa. A ponte, pedonal, é na sua simplicidade uma das mais bonitas e encantadoras que já tive oportunidade de ver. É uma passadeira de madeira de cerca de 320 metros, o que faz dela uma das maiores da Europa. Vista ao pôr do sol, reflectida na água juntamente com as cores muito especiais que entretanto o céu, o mar e a terra tomaram, é um privilégio para os nossos olhos. Olhos humanos, todos iguais ali no meio do visual que a natureza nos entendeu dar.

terça-feira, agosto 08, 2006

Aqueduto das Águas Livres

Quantas vezes os lisboetas e quem visita Lisboa passaram pelo Aqueduto das Águas Livres e ficaram deslumbrados? Falando por mim e generalizando pelos outros, muitas. Pois é, sempre que passava pelo Vale de Alcantâra (quase diariamente) pensava “hei-de subir e passear lá por cima”. Demorei mas cumpri.
No meu imaginário estava não só a imponência e monumentalidade do Aqueduto, que faz dele um "ex-libris" de Lisboa, mas também a história, contada em tempos pela minha professora de História, de um homem que se escondia no aqueduto e quando as pessoas iam a passar, roubava-as e deitava-as cá para baixo. Como esse homem acabou por ser enforcado depois de se perceber que não havia uma onda de suicídios mas sim uma de homicídios, lá fui eu descansadamente percorrer a parte mais imponente e visível do aqueduto, aquela que atravessa o Vale de Alcantâra e é composta por 35 arcos, o maior dos quais com 65 metros de altura e 29 de largura.


Este troço, que liga a colina de Monsanto à das Amoreiras, é uma parte dos 18,6 km (58,1 km se contarmos com todos os ramais) que começam em Caneças e terminam em Lisboa, na Mãe d’ Água das Amoreiras.
Esta grande obra hidráulica foi construída, por ordem do “Magnânimo” D. João V, entre 1732 e 1748, quando entrou em funcionamento.
Durante muitos anos o Aqueduto serviu não só como meio de abastecimento de água para Lisboa como ponto de passagem e de acesso à cidade. Actualmente, e após um longo período em que estiveram encerrados por razões de segurança, os dois passeios que se estendem pelos arcos sobre o Vale de Alcantâra servem apenas (e já não é pouco) para se disfrutar e contemplar a cidade de cima, sentir tranquilamente a azáfama que se desenrola cá em baixo e estarmos mais próximos da serenidade do céu.


Vale a pena!

Ciudad del Este

Onte fui ver o Miami Vice ao cinema.
Filme sobre polícias, informadores infiltrados, traficantes.
O demais não vem agora a propósito. Vem, sim, a propósito, o facto de no filme aparecerem imagens aéreas, as vistas de pássaro, das Cataratas de Iguazu. Com água. Água em abundância a acompanhar a exuberância da floresta que envolve aquela falha na terra.
Por estas bandas faz-se a fronteira entre 3 países: Paraguai, Brasil e Argentina, e 3 cidades, respectivamente: Ciudad del Este, Foz de Iguaçu e Puerto de Iguazu.
Destas cidades, apenas a última é encantadora. A argentina Puerto Iguazu é também a mais pequena. A calma constante do chilrear dos pássaros é quebrada apenas pelos visitantes que acorrem ao Parque Nacional (em menor quantidade do que no lado brasileiro, uma vez que apesar das Cataratas ficarem fisicamente em território argentino é no lado brasileiro que fica a vista deslumbrante deste fenómeno da natureza) e aos casinos (que não existem no lado brasileiro). Mesmo assim, as suas ruas de terra batida e a ausência do movimento louco das grandes cidades vizinhas têm tudo a ver com a selva Guarani, tão presente no espírito desta cidade, tão distante do das outras.
Ao invés, Ciudad del Este seria uma cidade para esquecer caso fosse eu da opinião que existem cidades para esquecer. De qualquer forma, de todos os lugares onde já estive, é esta cidade paraguaia (a 2.ª maior do país atrás da capital Assunção) que me fez ficar perto de rever aquela opinião.
O filme Miami Vice mostra-nos, igualmente, imagens de Ciudad del Este. Da sua confusão abarracada, das suas ruas de terra batida, sujas, inundadas de caixotes da mercadoria que por lá se vende. E lá vende-se de tudo. E compra-se de tudo. É a terra, por excelência, da muamba, como diriam os brasileiros. Do contrabando, como dizemos nós, os portugueses.
Ciudad del Este é a 3.ª maior zona de tax free do mundo, só superada por Miami e Hong Kong. Aqui os negociantes fazem, ou julgam fazer, bons negócios, obtendo os produtos, autênticos ou copiados, por uma pechincha. Na curta cena do filme apanha-se bem o espírito da coisa.
Para se chegar à cidade vindo do lado brasileiro, atravessa-se a Ponte da Amizade – de um lado o Brasil, do outro o Paraguai – e a amizade entre os dois é mesmo necessária, pois se de todo o Brasil chegam muambeiros desesperados por arriscar na compra de mercadoria que esperam que lhes garanta a sobrevivência ao poder vir a render muito mais no seu país, pelo lado paraguaio a dependência da economia do vizinho Brasil é quase total.
Atravessar a ponte está mais para experiência de filme do que de vida real. Para evitar o caos absoluto é melhor fazê-lo a pé. Assim, no meio de um caos “apenas” quase absoluto, feito de encontrões e tropeções nas embalagens da mercadoria aberta às pressas e nas muitas personagens que compõem este “outro mundo” do sub-comércio, chega-se ao paraíso do consumo. Nada que ver com o ambiente das grandes feiras de Lisboa e arredores, igualmente feito de empurrões e de pregões que mereciam um roteiro especial. Aqui o cenário é de 3.º mundo mesmo. Antes de poisar por aquelas bandas, não havia visto nada igual e imaginava que semelhante cenário só existia nos filmes. Ontem, ao ver Miami Vice, recordei que, afinal, não existe apenas nos filmes e que estes apenas se limitam a retratar a realidade.

O arrependimento: o deslumbre do caos foi tal que nem houve tempo, coragem, ambição para o documentar em fotos.