terça-feira, fevereiro 13, 2007

Bilbao - Gastronomia e Cultura

Em qualquer texto sobre Bilbao não poderá faltar a menção a pelo menos dois aspectos que mais fielmente caracterizam a cidade: a sua gastronomia e a sua oferta cultural.

Quanto ao primeiro, a gastronomia, confesso que não tivemos nem disponibilidade de tempo nem monetária para nos lançarmos a descobrir os novos e modernos restaurantes da cidade. Optámos, assim, por nos imbuirmos no espírito bem espanhol – e também basco – juntando-nos à barra para pintxear, vulgo tapear.
Na Plaza Nueva encontramos alguns dos bares mais populares no que a esta actividade diz respeito (o Victor Montes e o Café Bar Bilbao são duas boas opções). Os pintxos por aqui são imaginativos, sofisticados e com todos os ingredientes que possamos desejar. O difícil é mesmo chegar até ao balcão, furando entre a multidão, para fazer o pedido. À parte a confusão para se aceder a este ritual, a arte dos pintxos é uma verdadeira cultura, com concursos para se eleger os melhores, livros com um sem número de receitas a eles dedicados e, ainda, rotas dos pintxos sugeridas para que não deixemos nada por saborear.



No que à oferta cultural diz respeito, o Museu Guggenheim é incontornável e pacificamente aceite como o grande e decisivo impulsionador desta nova Bilbao, culturalmente pujante. Lá chegaremos, então, que mais haverá a referir.
Existe um leque variado de museus na cidade, desde o Museu Diocesano de Arte Sacra (do qual só conhecemos os claustros do edifício onde está instalado e onde estava patente uma interessante e patusca exposição de presépios de natal), o Museu Basco, o Museu Taurino e o Museu Marítimo da Ria, até ao Museu de Belas Artes. Para além destes há que não esquecer a programação do Teatro Arriaga (teatro, música, dança), os espectáculos de música, dança, ópera e concertos que têm por cenário o Palácio Euskalduna e, também, as importantes exposições na Sala Rekalde (mais as inúmeras galerias que existem pela cidade).
Os dois museus que visitámos foram o de Belas Artes e o Guggenheim.
O primeiro, não tão falado e alardeado como o segundo, é uma grande surpresa.

O Museo de Bellas Artes de Bilbao expõe obras (pintura, escultura, desenho, gravura, artes decorativas) desde o século XII até aos nossos dias. Possui a segunda maior colecção de arte clássica em Espanha, logo a seguir ao Prado. Entre as inúmeras obras pertencentes ao museu encontram-se trabalhos de artistas como El Greco, Goya, Cezanne, Gauguin. Tenho ainda bem presente a recente entrevista do Presidente da Fundação de Serralves ao Público de domingo passado e concordo quando, a propósito da Colecção Berardo, afirma que não vale tudo ($) para se ter um Picasso quando provavelmente esse Picasso nem será um dos melhores. Não sei se efectivamente o Gauguin do Museu de Bilbao era um dos melhores, ou pelo menos um dos bons, de Gauguin. Sei apenas que só de pensar que um museu tem um Gauguin já fico absolutamente entusiasmada. Daí que a grande desilusão deste museu tenha sido não ter encontrado resposta à pergunta “mas onde raio é que se meteu o Gauguin?”. Ele não estava lá, pronto. Mas estava Vieira da Silva, Bacon, Tàpies, Barceló. Muito boa, interessante e divertida a parte do museu dedicada à arte contemporânea.


O Guggenheim de Bilbao é também um museu dedicado à arte contemporânea.
Talvez, as suas colecções e exposições não sejam o mais importante. Talvez percam para a arquitectura do edifício. Ainda que a sua colecção não seja de desprezar, o Guggenheim de Bilbao é, na verdade, muito mais do que um museu. É desde, logo, uma obra de arte no que respeita à arquitectura do edifício que acolhe outras obras de arte.
Frank O. Gehry, o arquitecto responsável pelo projecto, pôde aqui dar largas à sua imaginação, utilizando os materiais que lhe são queridos, em especial o titânio, e combinando as várias placas, sobrepondo-as às outras, retorcendo-as, dando, enfim, aquela característica tão típica e facilmente identificável das suas obras. Diz que queria que a forma do edifício fizesse lembrar um navio, o que bate certo com a sua implantação – na margem da ria Nérvion e numa cidade conhecida por ser (ter sido) portuária.


Mas o mais fantástico é que esta nova atracção turística é facilmente acessível. Literalmente. Podemos circular em todo o espaço exterior, mirando o edifício de bem próximo, ao nível do solo ou de um plano mais alto (do tabuleiro da Ponte de Salve ou, bem mais distante, do monte de Artxanda ou do Parque de Etxebarria), e tocando-o. Isto em relação à sua fachada. A excelência da sua arquitectura está igualmente presente no interior do edifício, e a entrada no átrio mais não faz do que prolongar o nosso deslumbramento.


A colecção permanente do Guggenheim de Bilbao é, muitas das vezes, acusada de não ser lá essas coisas. Pode ser. Para quem viva em Paris, Nova Iorque, ou numa qualquer cidade alemã. Não é o meu caso. Uma das instalações mais famosas deste Guggenheim é aquela que Richard Serra criou para a inauguração do museu, em 1997, a Serpente, à qual, entretanto, acrescentou outras sete esculturas. A “Matéria do Tempo” ocupa a maior sala do museu e apresenta-se-nos como uma série de esculturas em aço, de tamanho brutal, dispostas em forma de espiral nas quais podemos circular de forma quase infinita até que percamos a noção do tempo – e do espaço. O segundo andar do museu permite-nos uma visão total e abrangente desta instalação / escultura.


Mas onde este museu poderá demonstrar a sua força é na apresentação das exposições temporárias, já que aqui tem a oportunidade de receber mostras que passem por outros Guggenheim no mundo, designadamente na casa mãe de Nova Iorque. Não é o caso, no entanto, da exposição “100% África”, que ao que sei, não esteve até à data em nenhum outro museu desta “marca”.


A exposição “100% África” é apresentada pela Contemporany African Art Collection, conjunto de trabalhos de artistas africanos contemporâneos formada por um empresário suíço de nome Jean Pigozzi. O curioso é que esta exposição se propôs mostrar-nos a arte de cerca de 25 africanos que vivem e trabalham na África subsahariana, abarcando desde fotografia, pintura, escultura até objectos vários recriados através da mistura de despojos que à partida julgaríamos não servir para coisa alguma. Veja-se o exemplo da bicicleta e pássaro gigante de obra de um artista moçambicano.


Em resumo, uma sorte calhar de estar em Bilbao ao mesmo tempo que aí se apresenta uma exposição de arte contemporânea tão rica e, ao mesmo tempo, tão simples na mensagem e nos objectos que utiliza.


No espaço público (passeio) exterior ao museu encontramos ainda dois dos maiores símbolos que, depois do próprio edifício, melhor nos permitem identificar este marco da nossa cultura. Falo do “Puppy”, escultura gigante de um cãozinho coberto de florzinhas, criada pelo americano Jeff Koons, e “Maman”, a aranha em bronze, também gigantesca, criada por Louise Bourgeois.


Tudo em grande, já se vê.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Bilbao - Pontes

Em Bilbao a Ria de Nervion é omnipresente. Nas suas margens têm surgido algumas das maiores transformações que a cidade vem recebendo, nomeadamente a construção do Guggenheim e todo o arranjo do espaço público ribeirinho de Abandoibarra.
Esta Ria vai cortando a cidade de um ponto ao outro, ela que primitivamente se instalou apenas na sua margem direita onde, por exemplo, se encontra o Casco Viejo. Com o passar dos anos, o desenvolvimento do pueblo obrigou a que este se fosse estendendo para o que hoje conhecemos como a área do Abando, a mais recente, cosmopolita e o principal centro de comércio e negócios nos nossos dias.
Neste processo de expansão natural da cidade havia que vencer a barreira da água. Não seria um trabalho difícil, mesmo na época da fundação da cidade, em 1300, uma vez que a ria não tem mais do que 30 a 50 metros de largura.
Percorramos, então, as pontes de Bilbao.

A primeira ponte com que nos deparamos em Bilbao, num sentido leste-oeste, a caminho do Mar Cantábrico, é a Ponte San Antón, a qual se presume ser anterior à própria fundação da cidade. É igualmente conhecida como “Puente Vieja” dado o seu título de mais antiga e, durante muitos anos, única. É um símbolo da cidade e, a prová-lo, a sua imagem faz parte do escudo de Bilbao. Veio, todavia, a ser reedificada em 1937, após a guerra civil.


Segue-se a Ponte de La Ribera e situa-se bem pertinho do Mercado com o mesmo nome. Esta ponte foi construída em 1939 mas neste mesmo lugar existia anteriormente uma ponte colgante (transportadora) desde 1827 (ainda mais antiga do que a famosíssima que vemos hoje em Portugalete).


A próxima que se avista é a Ponte de La Merced, construída em 1886 e reconstruída em 1938. O nome tomou-o de um Convento que no século XVII existia ali bem perto.


Caminhando, ou melhor, navegando rumo ao centro cívico da cidade chegamos à Ponte del Arenal. Esta ponte foi a terceira a ser construída (depois da de San Antón e da ponte colgante que existia onde hoje se situa a de La Ribera), em 1847. Teve como objectivo maior fazer face ao crescimento de que Bilbao vinha tendo e ligou a cidade velha à República de Abando, não sem os protestos dos habitantes desta última que não concordavam com a anexação do seu território por parte dos bilbainos.


Bem junto à Câmara Municipal temos a ponte com o mesmo nome, a del Ayuntamiento. Foi construída em 1934, e reconstruída em 1940, tendo sido, inicialmente, uma ponte levadiça. A partir de finais dos anos 60, com o fim do tráfego mercantil pela Ria, tornou-se apenas fixa e daquelas que se situam no centro é a mais concorrida no que a trânsito automóvel diz respeito.




A ponte seguinte, no sentido que temos vindo a tomar, é um dos ex libris de Bilbao. Da moderna Bilbao. A Ponte Zubizuri, de 1997, projectada por Santiago Calatrava, é exclusivamente pedonal, ligando o Campo de Volantin ao Paseo de Uribitarte, numa área que oferece a todos nós a possibilidade de caminharmos sem preocupações de maior senão a de contemplar a sua fina arquitectura. Cuidado, no entanto, se estiver a chover e quisermos atravessar a ponte. As quedas costumam ser mais que muitas. Enfim… se os materiais usados não previram aquela possibilidade, a originalidade e estética do seu desenho compensam os tombos, mesmo que estes aconteçam à noite, quando a iluminação da ponte nos proporciona um visual quase perfeito.



Segue-se a Ponte Príncipes de Espanha, mais conhecida como La Salve. Foi construída em 1972 para fazer face ao trânsito que inundava esta parte da cidade. Para além do seu colorido verde, tem ainda como marcas características, a torre elevador amarela do seu lado direito (caso o elevador esteja avariado pode-se subir de escadas até à sua plataforma; o que não se pode é perder a possibilidade de se obter uma vista privilegiada do Guggenheim) e a torre que foi posteriormente construída para o lado contrário no sentido de integrar a ponte com o museu. A este propósito, e aproveitando que o museu cumpre em 2007 10 anos de existência, em Dezembro encontravam-se em exposição no Guggenheim as maquetas de três propostas para intervenção artística nesta Ponte, com o objectivo de valorizar ainda mais toda a envolvente. A proposta vencedora propõe-se recriar o arco da Ponte de Salve, passando a sua cor para um vermelho vivo. Para saber mais sobre o assunto é clicar aqui.


Deixados Calatrava e Frank O. Gehry para trás aparece-nos, em seguida, a Ponte Pedro Arrupe. Procura unir o Passeio de Abandoibarra com a Avenida das Universidades. No que a modernidade diz respeito, estão em boa companhia as obras daqueles dois arquitectos, não se pode negar. A última ponte que Bilbao recebeu, em apenas 2003, foi obra do já falecido engenheiro José António Fernandez Ordoñez, que não foi a tempo de constatar o quão fotogénica a sua obra é, principalmente no que ao seu desenho diz respeito se observado por baixo da ponte, bem ao nível da água.


A próxima é a Ponte Deusto. Construída em 1936, começou por ser móvel e veio possibilitar a expansão da zona de Deusto que, assim deixou de ser quase exclusivamente agrária.


Por fim, a Ponte Euskalduna. Tal como a de Calatrava, foi construída em 1997, e da sua plataforma obtêm-se vistas privilegiadas para o Palácio Euskalduna – centro de congressos – e para a área do porto hoje reconvertida em Museu Marítimo.


Já fora de Bilbao, mas ainda parte da sua área metropolitana, encontramos aquela que é, provavelmente, a mais famosa de todas as pontes que aqui estão presentes. É ela a Ponte Colgante (transportadora) que liga as cidades portuárias de Portugalete e Getxo. Foi construída em 1893, por Alberto Palácio, engenheiro basco discípulo de Gustave Eiffel, o que faz dela a mais antiga ponte transportadora do mundo. Tem ainda o privilégio de constar da lista do Património da Humanidade da Unesco.
Como novidade trouxe a possibilidade dos habitantes das duas cidades poderem atravessar a ria sem que isso perturbasse o tráfego marítimo e sem que fosse necessário construir uma estrutura muito alta. Assim, no que se observa hoje em dia, uma espécie de cabine realiza a travessia, presa por cabos metálicos, com capacidade para transportar cerca de 6 carros e dezenas de passageiros em um minuto e meio, com uma frequência quase ininterrupta. Estimativas recentes de 2002 apontam que em 109 anos de história (até essa data) a dita cabine tenha transportado cerca de 650 milhões de pessoas, numa médio de 6 milhões por ano.
Desde 1999 que existe uma passadeira pedonal a 50 metros de altura que permite a visita de quem queira explorar a engenharia da ponte de mais próximo ou aproveitar a vista aérea das cidades portuárias. Não estivesse o tempo chuvoso e nublado e a conclusão desta história poderia ser outra, mais pormenorizada e entusiástica, certamente.
Não obstante, esta ponte, que tem como nome oficial “Puente Vizcaya”, é sem dúvida um marco de engenharia, bem junto a uma cidade pitoresca como é Portugalete, e não falta nem uma canção que lhe presta homenagem “Puente de Portugalete, tu eres el más elegante, Puente de Portugalete, el mejor Puente Colgante…”