sexta-feira, maio 22, 2015

Índia, por Rosselini


"India: Matri Bhumi" é um filme de 1959 do italiano Roberto Rosselini (curiosamente estreado neste ano de 2015 nos nossos cinemas).
É um retrato da Índia de cerca de uma hora e meia, um misto de documentário e ficção seguindo a vida de umas quantas personagens.
De início é nos apresentada Bombaim como a porta de entrada da Índia. Imagem forte é o constante corrupio da multidão, deambulando de um lado para o outro, acartando coisas, caminhando, dormindo, homens e vacas em pleno convívio - nada muito diferente do que se observa ainda hoje, mais de cinquenta anos depois.
Os animais são presença incontornável. As sagradas vacas, sim, mas também os elefantes, os tigres, os macacos amestrados. 
Bonita é a passagem do banho dos elefantes, assim como marcante é o ensinamento de que a chegada dos homens ao terreno dos tigres não ficará impune. Enorme o episódio em que o macaco amestrado segue o seu trabalho (recolhendo as moedas que não sabe para que servem) mesmo após a morte do seu dono às mãos do calor tórrido do sub-continente.
Este filme preocupa-se em mostrar a Índia de um ponto de vista emocional (relações entre marido e mulher e ritos), social e económico (migrações e grandes obras, como construção de barragens e estradas) e arquitectónico - de cujos edifícios Rosselini diz expressarem uma delirante homenagem à vida.
Não obstante, homem e natureza parecem ainda plenamente integrados.
No final, uma volta ao início - a omnipresente multidão, marca indelével da Índia de ontem e de hoje.

sexta-feira, maio 15, 2015

Correr em Madrid

Para a primeira internacionalização juntámos seis corredores. 
A cidade eleita foi a vizinha Madrid e a distância os 21 km da Meia Maratona.
Objectivo confessado: correr; objectivo real: ver a capital espanhola a correr, sim, mas também tapear.
Depois de um inacreditável embarque - fomos tartarugas de manhã e quase ficávamos em casa - o segundo impacte foi uma não menos inacreditável fila de praticamente duas horas para levantar os nossos dorsais nos arredores de Madrid. A visita ao Mercado de São Miguel ficou para o lanche. Queijo e presunto para os três rapazes, mais conhecidos como os rústicos, tapas a atirar para o gourmet com sabores inovadores para as três raparigas, mais conhecidas como as cosmopolitas. À noite partilhamos todos, em verdadeira comunhão, as pequenas porções do Yakitoro da Gran Via. Pelo meio uma caminhada pelo Bairro das Letras e Praça Maior, sem faltar uma paragem na esplanada para uns churros com chocolate quente.
A manhã do decisivo domingo começou cedo. O pequeno-almoço aconteceu num daqueles bares-restaurantes perto da Atocha / Rainha Sofia, lado a lado com os retardatários da noite anterior que seguiam teimosamente na via das copas. Não se calaram a noite toda, num movimento de pessoas e carros completamente louco. Quem diz que os tempos da movida dos anos 80 já eram?
Caminhámos pelo Passeio do Prado até à zona da partida para a meia maratona - nossa prova - e maratona, um pouco antes da Praça Cibeles. Logo encontrámos um representante dos Cágados, o primeiro de muitos portugueses com quem haveríamos de partilhar as calles de Madrid a correr.
A chuva miudinha mal se notava na espera para a partida e nem sequer deu para arrefecer. O boletim meteorológico previa chuva forte e trovoada, por isso dávamo-nos por contentes. O tiro de partida logo veio e com isso as primeiras passadas soltas. Aos rapazes do grupo deixámos de os ver mesmo antes de poder encontrar à direita a Porta de Alcalá. Os Passeios sucediam-se, primeiro o de Recoletos, depois o da Castellana. À passagem pelo Estádio Santiago Bernabéu não se ouviu um pio - nem um singelo Cristiano, nem sequer um dale Madrid ou até dale Atlético. Fosse em Lisboa e os gritos pelos clubes da capital seriam incessantes. 
Mas como não era em Lisboa, e apesar da chuvinha se fazer sentir, as pessoas estavam nas ruas a gritar antes pelos atletas, em maior número sobretudo junto aos pontos de música - este evento faz parte das corridas Rock'n Roll Series.
Até aqui ia desfrutando do cenário, junto com as outras duas meninas, e deu até para observar em pormenor a inclinação das Torres KIO, ou Torres Puerta de Europa, quase que uma debruçada sobre a outra. Um pouco depois destas Torres retornamos. E um pouco depois, também, sem entender muito bem porquê, lá para o quilómetro 11 fiquei cheia de cãibras na barriga e perdi-me do meu grupo, agora acrescido por um dos rapazes. Até ao quilómetro 16 foi um bocado de sofrimento o que senti, tentando correr e sendo obrigada a parar por três vezes. 
Ainda assim, muitas mais sensações ocorreram. Ouvi o grupo alegre que ia cantando a correr, vi o rapaz com a t-shirt da Palestina e pés descalços a passar rapidamente por mim, qual Zola Budd, pude ouvir e ver correr os muitos estrangeiros que partilhavam as ruas comigo. 
O momento mais emocionante de toda a corrida deu-se nesta fase dorida: um pouco antes do quilómetro 14 foi impossível conter uma lágrima quando maratonistas se separaram dos meia-maratonistas sob o aplauso destes últimos, eu incluída. 
Ânimo!, gritava a muita assistência e assim passámos nós a gritar também.
Seguimos pela Calle Ortega Y Gasset, em pleno bairro de Salamanca, eu ainda meio dobrada mas com o cérebro a funcionar e pronto a lembrar as palavras do filósofo "Podemos pretender ser quanto queiramos, mas não é lícito fingir que somos o que não somos" e " Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim".
Eis senão quando, redentoramente retornei à corrida, sem dor, passo largo e "rápido" e quando ao quilómetro 16 começamos a contornar o Parque Retiro não havia chuva nem subidas que me afectassem. Nem sequer me juntei ao coro de "Coño, que carajo de subida é esta?" a menos de dois quilómetros da meta.
Os últimos quilómetros foram, assim, os mais fáceis para mim, fisicamente bem e com o bónus de ver a meta cada vez mais ao alcance. A uns 800 metros do fim, já com um dos companheiros ao meu lado, fomos ultrapassados pelo primeiro maratonista, queniano, pois claro, Ezekiel Kiptoo Chebbi de seu nome. 
Foram 2h 13m a correr, para mim, um minuto menos para ele, mas com o dobro dos quilómetros percorridos.
A chuva e o frio - que parada finalmente notava - fizeram com que a ida para um duche quente no hotel fosse rápida. Até porque mais mercados e tapas nos esperavam pela tarde. O eleito para o almoço foi o Mercado San Ildefonso, na Fuencarral. Tudo óptimo, a pensar numa sesta no entanto. Mas ainda com ânimo para a exposição de Raoul Dufy no Thyseen-Bornemisza e um passeio até à Praça de Santa Ana, provavelmente uma das mais bonitas de Madrid.

sexta-feira, maio 08, 2015

Buçaco

Para quem gosta de sossego aliado a umas caminhadas por entre a natureza, e se a isso puder juntar um bom pedaço de história, cultura e arquitectura, então, poucos lugares serão tão ideais como o Buçaco.
Primeiro o nome: Buçaco ou Bussaco? Já no século X aparecia esta última grafia, juntamente com Buzaco ou Buzacco - só para confundir um pouco mais as coisas. Quando se passou a utilizar "Buçaco", não o sei, mas sei que hoje se opta pelo mais fácil Bussaco para não confundir os estrangeiros. Afinal de contas, quem ajudará a dar a conhecer o seu país quando é perguntado se o bucaco vale a pena a visita? Bu quê? Ai os c's com cedilha, património impenetrável da língua lusa. 
A Mata do Buçaco fica a 549 metros de altitude, bem perto do Luso, no concelho da Mealhada.
São 105 hectares onde coabitam cerca de 250 espécies de árvores e arbustos e mais de 150 espécies de fauna como aves, répteis, peixes, anfíbios e vários exemplares de mamíferos que se soltam na calada da noite.


O microclima da Mata, caraterizado por temperaturas amenas e precipitação elevada, favorece uma grande biodiversidade. 
À chegada ao Buçaco pode ler-se nos folhetos e brochuras as palavras de José Saramago: "A Mata do Bussaco não se descreve, o melhor é perder-nos nela". 
Um aviso: isto não é propaganda. Se arriscarmos adentrar um pouco mais pela mata a recompensa certa é mesmo o perder-nos. A sinalização é medíocre e aqui não há ponta de crítica, pois não custa a entender o difícil que é contar quase em exclusivo com a colaboração de voluntários para esse trabalho. Por outro lado, perder-nos no meio de toda aquela luxúria não é de todo um azar, pelo contrário. 


No domingo de Páscoa saí de manhãzinha sozinha - uma daquelas coisas que gostamos de valorizar, mas que não é muito avisado num ambiente como este, em que se pode cair e não ver ninguém passar por nós durante muito tempo. Foi isto que aconteceu, felizmente apenas a segunda parte da sentença: não havia ninguém pelos trilhos, um silêncio quase absoluto apenas irrompido pelo som de alguns bichos e o ranger das árvores. E os foguetes nas terras ao fundo a anunciar a ressurreição de Cristo, a lembrar que a espécie humana também tem vez pelas cercanias.

E a Mata do Buçaco tal como a temos hoje, apesar de ser um claro ambiente natural, deve muitíssimo à espécie humana, no caso à Ordem das Carmelitas Descalças. A Mata pertencia há muitos séculos ao bispado de Coimbra quando em 1628 foi doada a esta Ordem. Procuravam um lugar de retiro, onde pudessem recolher-se em clausura, sem comodidades, para viver a sua vida eremítica. Este era um local isolado, ideal para os Carmelitas erigirem o seu "Deserto". 
Logo aqui construíram um convento - o Convento de Santa Cruz que hoje, juntamente com o Palace Hotel do Bussaco, representam o núcleo central do lugar.



A arquitectura deste convento, de que iremos encontrar repetidos exemplos ao longo de toda a Mata, designadamente nas portas, ermidas e capelas que aqui abundam, é de uma simplicidade admirável. A provar que o menos é mais, o despojamento e o desprendimento material dos monges, mais dedicados à contemplação, oração e penitência, oferece-nos ainda assim uma arquitectura esteticamente bela. Os edifícios são revestidos a cortiça (material pobre) e como técnica decorativa possuem incrustações (embrechados) feitas com pequenos fragmentos de quartzo, basalto e outros materiais. Com isso procuravam os monges que a arquitectura imitasse a natureza. Por outro lado, os monges dedicaram-se à reflorestação da Mata e com a disposição dos elementos vegetais procuraram que a natureza imitasse, por sua vez, a arquitectura. Ou seja, apesar das espécies autóctones, a vegetação foi por eles transformada no sentido de criarem uma imagem próxima do Monte Carmelo, lugar de origem da ordem.
A partir de 1644 foi decidida a construção da Via Crucis, à imagem de Jerusalém, com a representação dos Passos da Paixão de Cristo, assinalados por capelas e ermidas.



É precisamente este o trilho que é mais fácil de percorrer, por estar relativamente bem assinalado e não existirem cruzamentos que nos façam ficar indecisos no caminho a tomar. Saindo da zona central junto ao Palácio vemos as primeiras capelas sem ter de subir muito. Extremamente pitorescas, na decoração exterior anteriormente relatada, em algumas delas encontramos no interior estatutária relacionada com as cenas da Paixão de Cristo (infelizmente, em umas quantas são visíveis os efeitos do tornado que por aqui passou há pouco tempo). Continuando o trilho da Via Crucis, este pode ficar um pouco (ou muito) mais cansativo de seguir, uma vez que é sempre a subir - querendo, é penar até à Cruz Alta, miradouro donde se alcança toda a paisagem que a nossa vista é capaz de abarcar, diz-se que até Coimbra. Mas podemos quedar-nos um pouco mais abaixo, apenas pelo conjunto de eremidas monumentais de cuja varandinha ficamos com uma vista mais do que privilegiada do Palácio e Mata do Buçaco. Entusiasmante. Vale a pena o esforço, que a mim ficou por menos de 30 minutos de subida.



Embora a Mata do Buçaco tenha muitos quilómetros para entreter os amantes das caminhadas e da natureza, é relativamente fácil para os indivíduos, seja qual for a sua forma física, tomarem contacto com as suas imagens mais idílicas e bonitas.



E nisso o trilho da água - se o conseguirmos acompanhar sem nos perder - é ideal. São várias as fontes que encontramos na Mata, mas a Fonte Fria, uma escadaria imensa a derramar placidamente água, é um luxo. O romantismo atinge aqui o seu auge, a que não falta sequer um lago com cisne no sopé da cascata. 




Daqui, para um lado vamos ter a mais um lago cheio de camélias nas suas margens, para o outro vamos ter ao Vale dos Fetos - lindíssimos farrapos de verde que imagino beijarem o rosto enquanto caminho por tanta beleza. Este será já o trilho da Floresta Relíquia, mas o que interessam as denominações se temos a paisagem?
Dizer, porém, que existe ainda um trilho militar, a lembrar a Batalha do Buçaco, travada em 1810, aquando das invasões napoleónicas.




Umas últimas palavras para um dos elementos que fazem do Buçaco um lugar de sonho: o seu Palácio. Embora seja possível dormir em plena Mata, nas antigas casas florestais hoje transformadas para o efeito, o alojamento que nos vem à mente é o do Palace Hotel.
Em 1834 as ordens religiosas foram extintas em Portugal e tal colocou um fim à presença das Carmelitas por terras do Buçaco. Logo depois, D. Maria Pia pensou construir aqui um palácio real. No entanto, a ideia que viria a vingar foi a da construção de um hotel, uma espécie de palácio do povo. Luigi Manini (o mesmo da Quinta da Regaleira, em Sintra) foi o responsável pela construção do novo palácio, a qual decorreu entre 1888 e 1907. Em estilo neo-manuelino, inspirado na Torre de Belém e no Claustro dos Mosteiro dos Jerónimos, encontramos igualmente aqui influências românticas e renascentistas. Ainda, e se atentarmos à obra de azulejaria expressa nos painéis da varanda de entrada e no hall de entrada e vão da escadaria (grandiosos, estes) - debruçando-se sobre a temática da Guerra Peninsular, da Batalha do Buçaco e da epopeia marítima portuguesa - facilmente constatamos o seu carácter nacionalista e a preocupação com a história do país.




Assim, o Palace Hotel é hoje um dos pontos altos de qualquer visita ao Buçaco. Embora a arquitectura e o ambiente sejam de luxo e a escadaria e seu vitral, o mobiliário, a sala de refeições e o bar sejam elementos encantadores, os quartos estão altamente datados, para usar de simpatia. O melhor será aproveitar a estadia para permanecer o mais possível ou na Mata ou nas zonas comuns do Palace Hotel. Na varanda do restaurante, por exemplo, admirando um céu tão estrelado que nem parece o mesmo que nos guarda na cidade.

sábado, maio 02, 2015

Costa Nova


A Costa Nova é uma porção estreita de areal encravada pelo Atlântico, de um lado, e a Ria, pelo outro. Muita água como envolvente, portanto. 
Mas o que distingue esta terra pertencente ao concelho de Ílhavo são as suas casinhas listadas coloridas. À entrada vêem-se condomínios novos com desenho inspirado na imagem forte pitoresca daquelas. Mero pastiche.




O melhor é caminhar pela longa avenida que bordeja a Ria e aí descobrir as casas típicas, umas mais autênticas do que outras, certamente, quase todas belamente arranjadas e conservadas. Telhados em bico e janelas e varandas decoradas com rendas e flores, estes edifícios são chamados de palheiros e originalmente - quando a zona começou a ser ocupada na sequência da abertura da Barra, no princípio do século XIX - eram utilizados pelos pescadores como armazéns para os materiais relacionados com a pesca. Começaram por levar a cor vermelho ocre e preto, mas hoje encontramos também exemplos de verde, azul e amarelo. Estas cores e as listas terão sido introduzidas pelas famílias burguesas que, mais tarde, para aqui passaram a vir a banhos e transformaram estes palheiros de armazéns de uma só divisão em casas de veraneio capazes de comodamente acomodar toda a família.


Junto a estes palheiros é possível também admirar algumas vilas e saborear excelente peixe fresco no restaurante Tubarão, fazendo do passeio um dia ainda mais memorável.
Mas porque são os palheiros que trouxeram fama à terra, eis aqui alguns exemplos que hoje se podem observar.

Ílhavo e o seu Museu Marítimo

 
Município português que se preze tem rotundas com finalidade que não a de exclusivamente disciplinar o trânsito. Ílhavo dá-nos logo à entrada um belo exemplo, juntamente com o moderno edifício da Câmara Municipal. 
No entanto, dá-nos muito mais do que isso. O seu centro está cuidado e abundam aqui os exemplos de edifícios de arte nova e revestidos a azulejos, como também se observam em Aveiro. Existem ainda belos exemplares de solares e vilas, como aquela que hoje é ocupada pela Junta de Freguesia. Possui um Centro Cultural cuja fachada vista da rua principal é susceptível de nos confundir com um qualquer bloco em vidro de centro comercial. Como aconteceu. Infelizmente terá encantos escondidos, os quais terão de ser comprovados em nova visita.



O que ficou finalmente comprovado nesta visita foi o interior do Museu Marítimo de Ílhavo, depois de aqui há uns anos ter apreciado a sua arquitectura exterior. Só por este edifico e museu vale a pena a visita à sede deste concelho.
O projecto de arquitectura de remodelação do Museu Marítimo de Ílhavo, da autoria da ARX Portugal, foi objecto de merecidos prémios. A sua envolvente não é fantástica, mas o desenho de linhas direitas do edifício é muito interessante e remete-nos para a imagem de um barco. A cor branca domina, em harmonia com uma vivenda de esquina preenchida de azulejos.
O seu interior é amplo, com uns cortes aqui e ali deixando entrever os espaços exteriores, e cheio de luz.
Inaugurado em 2001, tem sido desde aí um sucesso museológico. No ano passado teve um total de 66500 visitantes, um dos museus municipais mais visitados do país e um número nada despiciendo no panorama de todos os museus nacionais.

O Museu Marítimo de Ílhavo dedica-se à missão de contar a história do bacalhau e da faina, bem como mostrar-nos a indissociável vida marítima do município. Provavelmente, o mais popular de todo o espaço é o recente Aquário de Bacalhaus. Para quem está habituada a vê-lo apenas desfiado ou em postas no prato é uma experiência encantadora constatar que é um peixe que também sabe nadar, com cabeça, abanicos a fazer de mãos e cauda.


A cultura do mar é aqui rainha e para um país como o nosso a visita a este museu devia fazer parte do plano de estudos obrigatório.
"Há uma espécie de céu no mar, onde as raias voam como pássaros, as estrelas dormem na areia e as nuvem de espuma enfeitam o espaço azul" - estas são as palavras retiradas do livro "Mar", de Afonso Cruz, que nos dão as boas-vindas à entrada da exposição.


A primeira sala é dedicada à Faina Maior, com a reconstrução de um iate de pesca do bacalhau, onde é possível termos uma pequena ideia do ambiente (duro) em que eram eram vividos os dias passados pelos pescadores em mar alto e os artefatos de que se faziam acompanhar. Terrível ver o barquinho (dóri), "frágil e esguio", onde eram deixados sós e praticamente indefesos na sua labuta de nos trazer os bacalhaus.
Pelo caminho vamos vendo alguns vídeos e lendo citações retiradas do livro "A Campanha do Argus", de Allan Villiers.
Da Pesca: "Pouco depois das quatro da madrugada, o capitão lança ao mar os seus cinquenta e cinco dóris. Arriados os botes, não há meio de comunicar com os pescadores para lhes dizer onde está o peixe. É cada um por si. É preciso muito tempo, doze horas ou mais, para que cada pescador lance e recolha o trol, a fim de encher o dóri e voltar ao navio. Se o primeiro lance não rende, o pescador parte à procura de outro sítio, às vezes a milhas de distância do primeiro. Quando há peixe, o pescador obriga-se a sobrecarregar o dóri. Mas nunca tem por certo o regresso ao navio".
Sobre a Viagem: "Quando se afastam da Costa, homens e navios sentem o vento a soprar mais forte. O mar invade a parte baixa do convés e as ondas quase esmagam as pilhas de dóris. Assim que o mar acalma, distribuem-se os botes. Cada pescador prepara o seu dóri. O navio e a tripulação acomodam-se bem à vida no mar. Aos poucos, adapta-se o navio para acolher e preparar o bacalhau: afastam-se as pilhas de dóris para desimpedir o convés para os trabalhos de limpeza e escala do peixe. A tripulação prepara-se para lidar com grandes quantidades de bacalhau. O navio dirige-se aos banco da Terra Nova."
A pesca do bacalhau pelos portugueses terá tido início no século XVI, precisamente com destino à distante Terra Nova. A aventura real destes homens fez com que se criasse um mito.
Ílhavo forneceu muita mão de obra para estas viagens, para além de aqui terem também surgido algumas companhias de construção dos navios. Não só para a pesca do bacalhau saíram estes homens. Também para o Algarve imigraram em busca da pesca da sardinha. 
Uma homenagem a eles nas palavras de Allan Villiers "Os homens de Ílhavo sempre seguiram o mar. Navios, navios, navios, marinheiros, marinheiros, marinheiros - a história de Ílhavo é a história deles."



Neste museu encontramos ainda uma belíssima colecção de conchas de todos os mares do nosso planeta, uma boa colecção de pintura ligada à temática dos mares e alguns exemplares em tamanho real dos barcos típicos da ria - que não se limitam ao moliceiro.
Mas porque o bacalhau é personagem principal deste museu, fecharemos com mais uma muito curiosa citação: "Já se calculou que, se nenhum acidente impedisse a incubação dos ovos de bacalhau e se cada ovo atingisse a maturidade, só seriam precisos três anos para encher o mar. Assim, seria possível atravessar o Atlântico a pé, caminhando sobre o dorso dos bacalhaus" - Alexandre Dumas, Le Grande Dictionnaire de Cuisine, 1873.