domingo, julho 05, 2015

A cantora, o poeta e as Dores

O dia em Setúbal começou com uma manhã dedicada a nadar a prova aberta do Setúbal Bay no Parque Urbano de Albarquel. Às primeiras braçadas admirava a paisagem e imaginava as praias lindíssimas da Arrábida que estão para lá do Sado. Contornada a primeira bóia ainda conseguia ver as torres de Tróia e pensar que talvez um golfinho me pudesse acompanhar no caminho até ao final da minha prova. Passado isso só me lembro de querer acabar o mais rápido possível e não achar piada nenhuma aos pirulitos com sabor a óleo. A mana tem razão: o melhor das corridas é a chegada.
Para a tarde ficou reservado um passeio pelo centro de Setúbal, sob uns inesperados tórridos 40 graus.


Setúbal é Luisa Todi, é Bocage e é a Dores. 

A extensa avenida principal leva o nome da cantora, o fórum idem, aqui e ali ela está presente. Tal como Bocage, o qual tem ainda uma praça com a sua figura lá bem no alto, lojas diversas com o seu nome e a casa onde habitou visitável. Mas a Dores, a Dores consegue ser ainda mais omnipresente. Entra-se num convento e lá está a lápide a dizer que a Dores o reabriu, entra-se num quartel e lá está a lápide a dizer que a Dores o recuperou, entra-se numa casa da cultura e lá está a lápide a dizer que a Dores a inaugurou, entra-se num palácio e lá está a lápide a dizer que a Dores o restaurou, entra-se numa galeria e lá está a lápide a dizer que a Dores a encontrou. 
A verdade é que Setúbal é uma cidade extremamente agradável, capaz de ser bem vivida sem se ter de passar pela Arrábida ou Vila Fresca de Azeitão, e não duvido que a sua presidente mereça  uma quota parte desse elogio.



O seu centro, tal como o de muitas outras cidades portuguesas, tem demasiados edifícios abandonados às ruínas, mas sente-se que tem gente e vida. Caminhando pela Avenida Luisa Todi, para além do belo edifício em arte-deco do Mercado do Livramentro (obrigatória a entrada para assistir ao movimento e apreciar a sua arquitectura e decoração azulejar), encontramos alguns exemplos de palacetes, hoje entregues a uma qualquer dependência bancária ou transformados em galeria municipal. 



A cultura é marca forte da Setúbal de hoje. Se o Fórum Luisa Todi era já um local incontornável para a apresentação de espectáculos na cidade, muitos espaços mais há dedicados à cultura entendida em termos latos. 


À boleia da Festa da Ilustração, sob o signo do "É preciso fazer um desenho?", pudemos no mês de Junho conhecer ou recordar os trabalhos de artistas como Maria Keil, João Abel Manta, Lima de Freitas, Manuel João Vieira ou André Carrilho, enquanto visitávamos os espaços que acolhiam esses mesmos trabalhos, como a Galeria do Banco de Portugal, o Fórum Municipal Luisa Todi e os Claustros do Palácio Fryxell, a Galeria do 11, a Casa Bocage, a Casa da Cultura e um pouco por toda a cidade.

Para quem gosta de arte urbana dois locais a não perder: a empena do Auditório José Afonso, em plena Avenida Luisa Todi, e a Rua 26 de Setembro (antiga Rua do Feijão), paralela àquela. 


O primeiro é um imenso mural desenhado por Odeith numa homenagem pensada e certeira à cidade. Américo Ribeiro, histórico e prolífico fotógrafo de Setúbal, fotografou em 1933 o miúdo Vicente e sua gaiola de pássaros. O miúdo dos pássaros e o seu fotógrafo estão hoje publicamente imortalizados por Odeith.



A antiga Rua do Feijão é uma estreita e curta rua com edifícios absolutamente deixados aos caídos. O que tem de interessante é que diversos artistas lançaram mãos à obra e recriaram as suas portas, janelas e fachadas.

Para além da arte urbana muito mais há a viver em Setúbal. 




Os bairros da Fonte Nova e do Troino, onde podemos ver a casa colorida onde viveu Luisa Todi, eram por estes dias um conjunto de ruinhas e pracinhas decoradas para as festas populares. Muita gente na rua, petiscando ou jogando, e alguns edifícios que saem da monotonia. 


Do lado oposto da Avenida, onde fica a igreja de São Sebastião e Casa de Bocage, a pacatez é a nota. Imperdível o delicioso miradouro para o Sado.



Pelo meio, no lado interior da Avenida fica o centro cívico da cidade: praças acolhedoras e bem cuidadas, algum comércio de rua, mais igrejas e os paços do concelho. O traçado das ruas é irregular mas facilmente percorrido a pé: se nos perdermos pelas ruelas perpendiculares é um bónus.


E, depois, notícia máxima nacional é a reabertura do Convento de Jesus, encerrado ao público durante 23 anos. Com projecto de recuperação do Arquitecto Carrilho da Graça, este conjunto edificado em estilo gótico-manuelino foi iniciado em 1490 por iniciativa de Dona Justa Rodrigues Pereira, ama de Dom Manuel I. Antes de ser encerrado aqui ficava o Museu de Setúbal. Entretanto, o seu espólio foi sendo espalhado um pouco por toda a cidade, sobretudo pela Galeria Municipal. Hoje, e por enquanto, pouco há a ver no novíssimo Convento de Jesus, embora mereça em absoluto uma visita a mais do que o seu belíssimo exterior. No piso superior podemos encontrar exemplos de obras de arte variada. Mas será no piso térreo que estará um dos maiores encantos deste Monumento Nacional: os seus claustros, dos quais ainda apenas se pode vislumbrar a sua magnificência.

Para uma outra visita fica o choco frito e o moscatel, as outras personagens principais para além das do título deste post. 
Um aviso, porém: