sexta-feira, setembro 29, 2017

Castelo Mendo

Ainda pensei saltar Castelo Mendo e seguir logo para Almeida, concelho de que faz parte, e Castelo Rodrigo, mas felizmente saí da Guarda bem cedo e acompanhada pelas cabras, e só por elas, atravessei a sua porta principal, virada a norte, e pude visitá-la e deixar-me por ela encantar. 




Avistava já uma aldeia muralhada de longe, desde a estrada, esta povoação que deve o nome Mendo a um antigo fidalgo alcaide da praça. Hoje quase na fronteira de Vilar Formoso, ali a um passinho de Espanha, Castelo Mendo fica no cimo de um afloramento granítico onde o rio Côa passa perto. 


D. Sancho I encontrou esta terra despovoada e arrasada em consequência das lutas entre mouros e cristãos e mandou reedificar o castelo. Hoje serão menos de 50 as pessoas que habitam a aldeia intra muralhas.

Diz-se que Castelo Mendo foi o lugar da realização da primeira feira franca do reino, em 1229, e só por aí já se pode medir a sua importância histórica. De mesma data o foral concedido por D. Sancho II. No mais, é uma povoação com características como outras da Idade Média: cercada por muralha, entrada principal ladeada por duas torres (com a piada de ter aqui dois “beirões” de cada lado, isto é, duas estátuas da Idade do Ferro com a cabeça cortada porque diz-se que assim assustavam o gado que passava pela arcada), núcleo central composto por igreja, Pelourinho, tribunal e câmara. 





Algumas das casas possuem pormenores interessantes e mantém-se também aqui em algumas delas a ideia de primeiro piso para loja e segundo piso para habitação com acesso por escada exterior.


Mais interessante, porém, é apreciar parte da muralha com construções que lhe estão adossadas, logo a muralha desempenha aqui ao mesmo tempo também funções de residência.


Mas o lugar mais fantástico de Castelo Mendo e que torna definitivamente a aldeia inesquecível e surpreendente é o seu Castelo, designadamente a ruína da Igreja de Santa Maria do Castelo. 





Implantada num local na rocha mais elevado relativo à povoação e rodeada por uma paisagem fabulosa, esta igreja românica possui um ambiente misterioso. Já perdeu a sua cobertura praticamente toda daí que uma vez lá dentro a percorramos a céu aberto. A sequência de arcos é incrível, assim como os detalhes que ainda subsistem, como pias, púlpitos, mesas de altar, colunas e pedra de armas.
Uma constante na visita a estas “aldeias históricas” despovoadas, algo remotas, em rocha e com ruínas aqui e ali é utilizar-se termos como “viagem no tempo”. Em nenhum outro lugar de nenhuma outra destas aldeias históricas essa viagem foi tão marcante e longínqua como nesta visita à Igreja de Santa Maria do Castelo Mendo.

quarta-feira, setembro 27, 2017

Sortelha

A aldeia da Sortelha, concelho de Sabugal, no distrito da Guarda, é um lugar absolutamente surpreendente. À semelhança de Monsanto, situa-se numa colina e a paisagem ampla ao seu redor é marcada por pedras e penedos de formas irreais. 


Alguém já se lhes referiu mesmo como “magníficos monumentos”. 


Subimos a dita colina plantada a cerca de 760 metros de altitude e após deixarmos o actual núcleo povoado da aldeia adentramos a Porta da Vila e todo um outro mundo se nos oferece. Digo actual núcleo povoado porque este que queremos visitar, o antigo núcleo urbano muralhado, já não tem lá nenhum habitante. É uma aldeia deserta mas com as casas praticamente todas conservadas. Como se os seus habitantes tivessem saído à pressa e não nos esperassem. 






Deambulei pelo seu mundo de pedra sozinha. O único local com quem me cruzei ainda me perguntou, depois do meu bom dia, se andava a visitar as pedras, mas logo corrigiu sorrindo, “são bonitas”. E são mesmo. 
Este mundo encantado é feito de ruas de pedra, casas de pedra, igrejas de pedra, castelo de pedra e uma muralha de pedra que tudo rodeia. As ruas são estreitas e inclinadas. Quem aqui construiu as casas teve também imaginação para vencer o terreno declivoso.


De características medievais, a fortificação e posterior cidadela da Sortelha remonta ao século XII. Em 1181 D. Sancho I começou por povoar o lugar e em 1228 D. Sancho II concedeu-lhe foral e construiu o castelo.

Não se conhece com certeza a origem do topónimo “sortelha”. Várias hipóteses têm sido aventadas, a maior parte delas remetendo para a ideia do traçado oval - forma de anel - do seu aglomerado urbano. Diz-se que as palavras Sortija, Sortília ou Sorteia eram palavras que designavam um jogo medieval em que os cavaleiros usavam um anel onde tentavam colocar a sua lança. Outros dizem que a palavra Sortel significava anel de pedra com poderes especiais que era usado por magos e feiticeiras. Há quem defenda ainda que Sortelha deriva da palavra Sortícula, que significa pequena parcela agrícola. Há muito por onde se escolher, já se vê. 


O que é certo é que a Sortelha é efectivamente um lugar propício para deixar a nossa imaginação fluir. Quando nos aborrecermos de caminhar entre os edifícios de granito cá em baixo, podemos sempre optar por subir à muralha e caminhar pelas suas ameias e outras vistas se nos abrirão. O vasto horizonte da Serra da Malcata e Cova da Beira não nos distraí, porém, do casario simples mas encantador da Sortelha que temos ali aos nossos pés.



O Castelo foi erigido no cimo de num penhasco e é, mais uma vez, uma criação do Homem a expensas da Natureza. O melhor enquadramento visual do formoso Castelo obtém-se do cimo da muralha. As vistas são imbatíveis para onde quer que dirijamos o nosso olhar. Lá de cima do Castelo, então, perdemo-nos em jogos tentando enquadrar de forma mais singular o granito, a telha e as ameias.





A entrada para o Castelo faz-se do Largo do Pelourinho, onde encontramos também a Casa da Câmara e a Cadeia. 



Aqui perto (aqui tudo é perto) fica a Igreja Matriz e a Torre Sineira ou Campanário.
Os edifícios não são muito distintos, mas bem conservados valem a pena ser apreciados. Destaque para a Casa n. 1 (logo à entrada), a casa com janela manuelina e a Casa Árabe. E, claro, para as belas rochas. E os gatinhos, habitantes em maioria na aldeia. Ah, e pudessem as fotos transmitir o cheirinho das figueiras da Sortelha…



segunda-feira, setembro 25, 2017

Monsanto


À aproximação de Monsanto vamos vendo ao longe um cabeço com pontinhos vermelhos. Não fossem as telhas e não diríamos que aí pudesse estar uma povoação.

Este parece ser um lugar improvável para um assentamento habitacional, dada a sua geografia. Mas em tempos que já lá vão, esta encosta de granito altaneira serviu de protecção aos ataques inimigos mouros. As ruínas do Castelo, a quase 800 metros de altitude, lá estão para o provar, planície ampla toda aberta à nossa vista.



No sopé deste Castelo, que até chegou a ser mouro e depois foi dos templários, ergue-se a aldeia de Monsanto com as enormes e formosas rochas como vigia.

Ainda hoje é difícil não recordarmos o título que lhe foi atribuído em 1938 pelo então Secretariado da Propaganda Nacional do Estado Novo, o de “aldeia mais portuguesa de Portugal”.

A verdade é que Monsanto é bonita. É o pela sua localização fabulosa, pelos elementos naturais que lhe fazem companhia, pelo casario bem preservado e pela atmosfera que soube manter e até recriar.







As suas casas de pedra aproveitam os penedos ali presentes na paisagem. Umas casas estão encostadas à rocha, outras fazem uso do interior destas grutas para delas fazerem divisões, alguns pedaços das rochas são mesmo os degraus das casas. Em resumo, as rochas podem ser o chão, a parede ou o telhado das casas de Monsanto. E as rochas deixam caminhos tão estreitos tão estreitos que por vezes parece difícil conseguirmos por lá passar.





A Torre do Relógio, ou Torre de Lucano, é elegante e o seu sino vai-nos informando das horas. O galo de prata que a encima é a réplica do galardão conquistado em 1938.

Não são muitos os habitantes da aldeia de Monsanto, cerca de 80. Mas existem diversos povoados à sua volta que fazem este número subir. De qualquer das formas, para além de poucos junta-se um outro problema, o envelhecimento da população - entre 2014 e 2016 Monsanto esteve sem a escola de ensino básico. Aliás, Idanha-a-Nova, concelho a que pertence Monsanto, tem hoje quase quatro vezes menos habitantes do que tinha em 1950 e é o terceiro concelho do país com menos gente em comparação com a sua dimensão territorial. A desertificação é uma realidade nesta zona do interior de Portugal. 

Ainda assim, há quem contrarie a norma e quem volte. Como um casal jovem dos arredores de Lisboa que ali se estabeleceu para abrir uma pizzaria ou um casal de reformados que retornou à sua terra e se dedica ao artesanato local. Ele faz as cruzes, ela a marafona que as irá revestir. Mas não são os únicos a dedicarem-se à arte da confecção das típicas bonecas de trapo sem olhos e boca, recordação típica da região. Se não há crianças suficientes em Monsanto para uma uma disputa de bola, as rivalidades entre velhinhas que vendem marafonas estão ao rubro, a tal ponto que o desabafo de uma delas surge agreste: “quando ela está para ali mais ninguém vende”.


As tradições locais marcam presença com a Festa das Cruzes, celebrada a 3 Maio (dia de Santa Cruz) ou no domingo seguinte a este. As mulheres sobem até ao Castelo e vão cantando e tocando adufes, um instrumento musical tradicional da Beira Alta revestido de pele de cabra, com pequenas peças de tecidos coloridos nos cantos e com sementes no interior que lhe dão uma sonoridade característica. Das muralhas deitam um pote com flores, recriando um gesto de há séculos quando num dos muitos cercos a que os habitantes de Monsanto estiveram sujeitos nesse mesmo local um dos sitiados deitou um pote com um bezerro para mostrar que estavam bem alimentados, ajudando a que o então cerco fosse levantado.


E Monsanto retém uma aura de mistério. Aqueles penedos estão cheios de lendas. Diz-se que são o lugar de esconderijo de monstros e mouras encantadas.




Num dos penedos para os lados do castelo e para lá da Capela de São Miguel e da Necrópole, por exemplo, fica a Laje das Treze Tigelas ou das Tigelinhas da Fidalga. Aqui encontramos umas covas redondas na rocha que ora são associadas a um ancestral santuário, ora uma lenda nos explica a sua origem atribuindo-a à caridade de uma senhora nobre que aqui vinha servir sopa aos pobres. Mas para nos trazer de volta à realidade, parece que tal se deve na verdade a uma questão natural, qualquer coisa relacionada com a génese magmática da rocha que formou estas irregularidades na rocha granítica. Nada, porém, que nos faça perder o encanto por Monsanto.

E Monsanto será para sempre também o lugar onde Fernando Namora viveu o seu início de carreira como médico. Placas informam-nos a casa onde habitou e a casa onde deu consultas. Os seus livros mostram-nos a marca de outros tempos onde o território marcava indelevelmente não só a paisagem mas também a (dura) vida das pessoas. Uma excelente leitura como complemento desta viagem.