sexta-feira, maio 26, 2017

A Costa do Minho de Caminha a Viana

Por que razão o mar nos inspira? 
Talvez ninguém melhor do que Ramalho Ortigão, na sua obra "As Praias de Portugal - Guia do Banhista e do Viajante", de 1876, para nos explicar:
"O mar torna-nos imaginativos, faz-nos propender para a contemplação, para a ociosidade, para a vaga saudade, para a indefinida melancolia. Este estado poético é dos mais perigosos. Prosta, enfraquece, desarma o carácter. É por isso que as mulheres, à beira-mar, nos dias doces e enervantes do Outono, precisam mais do que nunca de se retemperarem na aplicação, no estudo, na actividade intelectual.”

Eis uma breve viagem fotográfica, com algumas palavras pelo meio, pela costa atlântica de Caminha até Viana do Castelo:




Deixando Caminha nas costas, adentramos pela floresta junto ao Posto Náutico da Ínsua.
A praia do Moledo abre-se-nos como a mais a norte de Portugal. A Galiza ergue-se à direita, para lá da foz do Rio Minho, e a Ínsua balança nas águas pouco calmas deste pedaço do Atlântico. Esta ilha a 200 metros da costa foi construída entre 1649 e 1651. Foi convento e fortaleza militar, com o objectivo de proteger a entrada da barra quer dos espanhóis, com quem estávamos em guerra então, quer dos ataques de corsários.
Sobre o Moledo, recorro às palavras de Raul Brandão, na sua obra "Os Pescadores", "São nove horas. O azul entontece. Perco a linha da paisagem, o verde-escuro do pinheiral que vai até ao mar, e tudo isto se me afigura uma larga concha azul, com uma borda de areal onde alguns velhos moinhos em fila batem as asas para meu encanto. O forte da Senhora da Ínsua fica num extremo da curva, onde a amplidão do azul é infinita, a penedia a desfazer-se em espuma..."


O final da praia do Moledo.


À espera de chegar a Vila Praia de Âncora...




Em tempos, a zona marítima entre Caminha e Vila do Conde era forte na apanha do sargaço. Ainda hoje, Vila Praia de Âncora tem uma muito presente comunidade de pescadores. Junto ao Forte da Lagarteira, construído em 1699, encontramos o porto de abrigo com os barcos e material de pesca e os pontões sinalizando a entrada em terra. 
Vila Praia de Âncora, uma das "praias obscuras" de Ramalho Ortigão, é uma das praias mais procuradas do Alto Minho e a mais importante estância turística da região. 


Praia do Forte do Cão e Vila Praia de Âncora ao fundo.


O Forte do Cão.


E a Gelfa. O Sanatório Marítimo da Gelfa, junto à praia do Forte do Cão, terá sido construído em 1911 / 1912. O seu destino começou por ser o tratamento da tuberculose, mas posteriormente serviu como hospital psiquiátrico. Recentemente conheceu a sua terceira e actual pele como Unidade de Cuidados Continuados do Instituto São João de Deus.




Afife.
O mar revolto e frio, muitas das vezes envolvido por nevoeiro e vento. Do outro lado a encosta com vista privilegiada para o Atlântico.
Afife, terra adoptiva de Pedro Homem de Mello:

"Ai! esta palavra - AFIFE - ! -
(Volto, ao murmurá-la atrás - )
Lento moinho de vento
Feito de espaço e de tempo...
Quanta saudade me faz!
Ó casa das mil janelas,
Minhas noites estreladas
Berço de longas estradas...
Poeta, fiei-me nelas.
Ó abismo da lonjura,
Reflexos de pradaria!
Porque parti à procura
Daquilo que não havia?
Era aqui, aqui somente
Que eu devia ter ficado.
Afife de toda a gente
Que baila e canta a meu lado!"



Fim de dia em Afife.



Já em Viana do Castelo, o Cabedelo visto do alto da Santa Luzia.


Já cá em baixo, mais uma floresta para atravessar para chegar à beira mar.



Cabedelo, centro de alto rendimento do surf.



Última paragem: Castelo do Neiva e a sua praia da Pedra Alta.

terça-feira, maio 23, 2017

Serra d' Arga


Entre Ponte de Lima e Caminha, recortando montes, vales e planaltos, fica a Serra d' Arga. 
Há formas mais rápidas de ligar as duas cidades minhotas, mas seguramente não tão bonitas e surpreendentes como esta, a de atravessar a Serra d' Arga.

As mais famosas serras irmãs da Peneda e do Gerês roubam as atenções, de tal forma que pelo meu breve passeio apenas me cruzei com um casal de bicicleta (haja fôlego!), com um grupo de motocross e não mais do que com uma mão cheia de carros. 


Nesta serra subimos a bom subir até aos 825 metros de altitude. Não segui para a Nossa Senhora do Minho, o ponto mais alto da serra donde se diz avistar uma vista fabulosa de toda a cercania, mas donde se diz também ser uma estrada estreita não recomendada em dias de chuva e a quem tem vertigens. Destas últimas não sofro, mas trombas de água foi coisa que me tocou.




Segui, então, pela trilogia de Argas: Arga de Cima, Arga de Baixo (com cerca de 70 habitantes cada) e São João de Arga.

E paisagens não faltaram, ainda assim. 




Com os contornos dos montes ao longe, junto a nós vamos vendo desfilar uma terra preenchida de vegetação rasteira de cor viva e rochas de granito que parecem ter sido estrategicamente moldadas e lá colocadas. Isto por contraposição à imagem tradicional que nos habituámos a ter do verde Minho.
Mas também por aqui existe uma densa floresta verde de pinheiros.






O Santuário de São João de Arga tem uma implantação de tirar o fôlego. Desde cá de cima vamos vendo um conjunto de edifícios encravado no meio de um vale. Depois de descermos um bom bocado até este lugar quase escondido encontramos uma construção românica que foi um antigo albergue de peregrinos. Alguns visitantes mais velhotes também no local no mesmo momento que eu comentavam como estava bonito este santuário, pelo que presumo que tenha sido (bem) restaurado há pouco. Este lugar é, ainda hoje, alvo da popular romaria minhota de São João de Arga, em Agosto. Em Julho acontece a romaria da Senhora do Minho, o tal ponto elevado de acesso assustador que não visitei, na vertente oposta a este.





De São João de Arga até Caminha é mais uma alegre rota por curvas e novas paisagens que se sucedem. Até que na aproximação a Caminha obtemos esta vista irreal e somos obrigados a parar o carro na estrada e deixarmo-nos ficar ali de boca aberta a ver brilhar a foz do Minho, com a Galiza ao fundo.


Nesta passagem pela Serra d' Arga apenas foi possível apreciar a paisagem. Mas esta Serra é muito mais do que isso. Falámos de romarias mas outras tradições, costumes e lendas têm aqui lugar. A natureza é rainha e está acompanhada pelos autóctones garranos que, infelizmente, não tive oportunidade de encontrar. Na memória fica, então, esta paisagem natural apaziguadora.

sexta-feira, maio 19, 2017

Bertiandos - Lagoas e Solar

A um pequeno desvio da estrada nacional que liga Viana do Castelo a Ponte de Lima, já a chegar a esta última, encontramos um dos segredos mais bem guardados do Minho. Claro que explorar o Minho é, a cada passo, confirmar o óbvio, que esta é a região mais bonita e diversa do nosso país, deixando-nos surpreender por cada detalhe e envergonhar por não nos termos apercebido desse detalhe antes.

A Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro de Arcos é um desses casos. Este pequeno parque inaugurado em 2005 ocupa um espaço partilhado entre as freguesias de Bertiandos, São Pedro de Arcos, Estorãos, Moreira do Lima, Sá e Fontão. Bertiandos e São Pedro de Arcos vão no nome da Paisagem, Estorãos é o nome do afluente do Rio Lima que por aqui corre. 


Após uma curta passagem pelo edifício do seu Centro de Interpretação Ambiental, encerrado naquele domingo, confirmamos o que vínhamos suspeitando desde o desvio da Estrada Nacional: este é um recanto apartado do mundo. 





A densa vegetação rodeia-nos, um manto intenso de verde por todos os lados, incluindo as nossas cabeças - a ramagem das árvores fecha a toda a volta formando túneis irreais. Pôde chover à vontade que nada se sentiu. Disse cabeças? Corrijo: cabeça. Não havia mais ninguém pelo parque para além de mim e vozes apenas se ouviam as das aves e, aqui e ali, o rio a correr. 



A sensação de isolamento é real e é bonita e o sossego absoluto. O cheiro misturado dos pinheiros, eucaliptos e carvalhos preenche-nos. Pura natureza.




São vários os percursos que se podem fazer por aqui. O mais fácil e curto é o Percurso da Lagoa, menos de 2 km à volta da Lagoa de São Pedro de Arcos. Não se pode dizer que a lagoa seja lindíssima. É na verdade um pedaço de água de tonalidade escura, mas a sua implantação é fantástica. Para além da bela vegetação que a envolve vemos não muito ao longe os contornos dos montes das Serras de Arga e da Cabração, formando um passe-partout perfeito neste quadro. Os passadiços de madeira sobrelevados na lagoa ou no lodo estão muito bem conservados e fazem da caminhada um momento feliz. 


Pelo caminho vamos encontrando alguns postos de observação que nos explicam a flora e a fauna existente por aqui, com destaque para a avifauna aquática. Um destes postos de observação é uma torre de madeira escondida no meio da vegetação. Escalamos os apertados degraus desta torre e do alto tudo se avista.



Esta é uma zona húmida não muito comum mas propícia à diversidade. À vista desarmada não foi possível confirmar esta biodiversidade, mas tal não retirou um pingo de alegria à jornada. 
Para além deste percurso juntinho à Lagoa, outros percursos maiores se podem fazer, quer pelas pastagens de gado quer pelas tapadas. Nesta reserva existem casas de abrigo e de hóspedes. 



Na aldeia de Bertiandos é imperdível uma espreitada ao Solar de Bertiandos.


Este é um exemplo superior dos solares minhotos, quer em termos históricos quer arquitectónicos, e uma das primeiras casas eruditas da região. De tal forma é a sua importância histórica que o Pelourinho de Bertiandos encontra-se dentro da propriedade, demonstrativo da estreita evolução da terra junto com o solar. 




Construção datada do século XV, em 1566 foi erigida a torre medieval ameada que ainda hoje admiramos e nos faz confundir o edifício com um castelo. Mas não. Esta torre distinta é antes um símbolo desta residência de famílias nobres. Encontramos aqui três elementos (torre e dois edifícios) que tinham tudo para causar uma ruptura no equilíbrio do conjunto edificado. Mas tal não acontece. A história conta-se de uma penada. Ainda no século XVI o solar foi doado em duas partes aos filhos do então proprietário. Os seus descendentes tornaram-se desavindos durante décadas e décadas e só em 1792 se voltaram a unir por casamento de dois primos. Ao longo desse tempo foram efectuando alterações e acrescentos ao edifício em cada uma das alas da torre, as quais funcionavam como unidades independentes. Assim, ainda hoje podemos observar de forma clara os dois corpos principais, o do lado esquerdo de dois pisos com o térreo em arcadas, o do lado direito de três pisos com uma torre de cada lado. Ambos com varandas e com a torre a separá-los. Ao centro uma escadaria nobre que junta os dois edifícios. O ar monumental é evidente e as influências do barroco e do maneirismo, de diferentes fases, bem como o facto de um dos corpos ser mais baixo e recuado, não quebram a unidade e a harmonia desta casa-torre. 



O ambiente de graciosidade é ainda composto pela paisagem, nomeadamente o relevo e as videiras imediatamente do lado oposto da Estrada Nacional. Sim, este Solar de Bertiandos é impossível de perder até porque está mesmo à beira da dita estrada. Atravessando o seu portão principal (fechado, uma vez que este Solar é propriedade privada ) e a estrada fica a Ecovia que liga Viana do Castelo a Arcos de Valdevez, de um lado, e Viana do Castelo e Ponte da Barca por outro, mais um sinal demonstrativo das muitas opções de caminhadas pela região.

Termino, reforçando, ajudada pelas palavras de Ramalho Ortigão:
"Quem não foi e não veio pela direita e pela esquerda da ribeira, de Viana a Ponte de Lima e de Ponte de Lima a Viana; quem durante alguns dias não viveu e não passeou nesta ridente e amorável região privilegiada das éclogas e das pastorais, não conhece de Portugal a porção de céu e solo mais vibrantemente alegre, mais luminosa e mais cantante."