terça-feira, abril 28, 2015

Bolonha

O extraordinário quadro pintado, em 1972, por Renato Guttuso, Funeral di Togliatti, só podia estar em Bolonha, mais propriamente no Museu de Arte Moderna de Bolonha (MAMbo).
Não porque Guttuso, pintor ligado à ideologia comunista, ou Palmiro Togliatti, político, fundador e líder do Partido Comunista Italiano, tenham nascido em Bolonha. Mas antes por Bolonha, após a 2ª Guerra Mundial, na sequência de ter sido intensamente bombardeada, ter-se tornado no centro italiano do socialismo e comunismo. Por essa razão, mas também pela cor dos edifícios no centro histórico, em tijolo vermelho, tem o cognome La Rossa.
A cidade é conhecida por outros cognomes, como La Dotta, uma referência à sua universidade, considerada a mais antiga do mundo, que ocupa uma área do centro da cidade, dando-lhe uma dinâmica própria e vibrante.
Outro nome pelo qual a cidade é conhecida é La Grassa, uma alusão à sua cozinha, que teve sempre uma forte tradição. Numerosas receitas italianas, que entretanto se expandiram pelo mundo fora, tiveram origem em Bolonha. É o caso do ragù, que convencionalmente e erradamente se chama por todo o mundo esparguete à Bolonhesa, a lasanha, os tortellini, os tortelloni.
Capital da região de Emilia Romagna, economicamente Bolonha é uma cidade forte. Marcas como a Lamborghini e a Maserati foram fundadas em Bolonha. O desenho do logotipo desta última marca foi inspirado no tridente da estátua de Neptuno de Giambologna (1566), a qual adorna a fonte que se localiza numa das principais praças da cidade, a Piazza del Nettuno.
Nessa mesma fonte existem quatro anjos, que representam os ventos, e quatro ninfas, que simbolizam os quatros continentes conhecidos antes de se saber da existência da Oceânia.
A Piazza del Nettuno é contígua à Piazza Maggiore, a principal praça da cidade, que no flanco oeste é balizada pelo Palazzo Comunale, renascentista. Neste imenso palácio encontra-se a Collezioni Comunali d'Arte, que na sua colecção apresenta pintura, escultura e elementos de decoração.
No lado sul desta magnífica praça situa-se a Basílica di San Petronio, nome do patrono da cidade, começada em 1392 e, por razões políticas, nunca terminada. Havia a ambição de que fosse maior que a Basílica de S. Pedro, aspecto que não foi consensual no meio eclesiástico. De construção medieval, o interior, monstruoso, é de origem gótica, composto por uma infinidade de elementos ogivais.
A ladear a basílica fica o Archiginnasio, onde antigamente estava a Universidade e actualmente uma das maiores bibliotecas da região.
No flanco norte da Piazza Maggiore fica o Palazzo del Podestà, à data da nossa visita em obras.
Bolonha, apesar de não ser das cidades mais mediáticas turisticamente, conquistou-me num ápice com a sua personalidade e charme. Tem vida própria e quem a visita não fica com o sentimento que se trata de uma cidade museu, onde só há espaço para a perfeição. Trata-se de uma cidade real, com todas as imperfeições inerentes.
Na área central da cidade, embora nos espaços mais afastadas do centro do centro, quando caminhamos pelas ruas, ou melhor, pelas arcadas, já que a cidade é composta por mais de 40 km de arcadas e pórticos, que lhe dão um toque singular e encantador, cruzamo-nos com alguns tags e grafitis desqualificadores da imagem urbana.

As tais imperfeições de que são feitas as cidades verdadeiras. Contudo, esses aspectos, apesar de não serem belos, mostram o nervo e efervescência da cidade, que recebe e alberga pessoas vindas um pouco de toda a parte. Nota-se que a imigração aqui é grande, provavelmente pela dinâmica económica da região.
Com o seu sistema de arcadas, todas diferentes, a cidade apela e dá conforto a quem caminha e contribui para a dinamização do comércio de rua. Tudo com um toque charmoso e belíssimo.
Numa das arcadas, na Via Piella, existe uma pequena janela que se abre para um pequeno canal, o Canale delle Moline, também conhecido como Little Veneza.
Nas deambulações pela cidade desembocamos com frequência em praças, de estilos e dimensões distintas, mas com um denominador comum, a beleza.
Em direcção ao céu recorta-se o inconfundível perfil criado por duas torres, que crescem a partir da Piazza di Porta Ravegnana e cujas origens remontam ao século XII. Das cerca de 200 torres construídas por famílias importantes de Bolonha, para mostrarem o seu poder e terem funções defensivas, ao longo dos anos subsistiram apenas cerca de duas dezenas, das quais se destacam as Le Due Torri da Piazza di Porta Ravegnana.
A Torre degli Asinelli, a maior, com 97,2 metros de altura, foi construída, pela família com o mesmo nome, em 1109.
Ao seu lado, localiza-se a Torre Garisenda, que foi erguida para disputar o poder com a família Asinelli. Contudo, os Garisenda não tiveram todas as precauções com as fundações e anos depois da sua construção tiveram que, por segurança, encurtar a sua torre, atendendo a que começou a ficar inclinada.
Dante Alighieri, na sua Divina Comédia, faz referência à Garisenda, que actualmente apresenta cerca de 3 metros de inclinação:
 Tal quem, embaixo, para, e no alto mira,
Sob as nuvens em marcha, a Garisenda,
E vê-la desabar crê, e suspira
Assim me pareceu, na ânsia tremenda,
Anteu gigante a tomba…
(Dante Alighieri, Divina Comédia, Inferno, XXXI, 136-140)
 
No campo museológico, destaque para a Pinacoteca Nazionale, a principal galeria de arte de Bolonha, junto à cidade universitária, que alberga um conjunto de trabalhos de artistas bolonheses, e não só, desde o século XIV. No seu acervo existem obras de Giotto e Raphael.
Num espaço mais recente, uma nota positiva para o já referido MAMbo, que para além de acolher arte italiana do período pós 2ª Guerra Mundial até aos dias de hoje, alberga também nas suas instalações o Museu Morandi. Giorgi Morandi, natural de Bolonha, é considerado um dos mais importantes pintores italianos do século XX e um especialista em naturezas mortas.
Mortas, palavra que não se aplica nada a Bolonha. Uma cidade viva e cativante em diversas dimensões.