quarta-feira, agosto 09, 2017

Taipé

A primeira impressão de Taipé ("Taipei", literalmente, "Taiwan do norte") é a de que estamos num pedaço urbano rodeado de montes. Seja numa viagem de autocarro ou de metro à superfície, as montanhas são omnipresentes e poderosas com a sua carapinha verde.
As elevações à volta de Taipé são conhecidas como "As Quatro Bestas": a montanha do Tigre, a montanha do Leopardo, a montanha do Leão e a montanha do Elefante.
Começaremos o nosso périplo por Taipé precisamente por esta última. 


A montanha do Elefante é a mais acessível de todas estas montanhas e é aquela que nos permite viver e perceber a cidade nas suas múltiplas facetas. 
Primeiro contraste: o trilho para a subida rumo a este recanto da natureza tem início perto do Taipei 101, o maior ícone da cidade e símbolo da sua pujança urbana e económica. 




É um jogo divertido ir subindo por entre a mata que nos envolve totalmente para aqui e ali nos deixar ver entre o arvoredo a elegante silhueta do Taipei 101, elemento único na paisagem mas nem por isso dissonante. A vista que se alcança da montanha é o que buscamos em primeiro lugar, mas logo percebemos que muito mais há a receber daqui. Entendêssemos um pouco de flora e muito haveria para descobrir por aqui, tal é também a diversidade de árvores. As sombras não salvam do calor húmido intenso que nos cola a roupa ao corpo, mas isso não chega para nos distrair da chinfrineira dos pássaros e aves diversas. As possibilidades de trilhos são tantas que, tirando o ponto mais concorrido das famosas pedras com vista para o omnipresente Taipei 101, quase não nos cruzamos com ninguém. Natureza pura, melodia cacarejante que nos faz cair na contradição de viver um ruído silencioso e eis que me deparo com um grupo de estudantes que insistem em trocar umas palavras em inglês comigo e em cantar-me uma música. Aceito e lamento que o meu mandarim seja insuficiente para compreender a sua mensagem.

De volta ao sopé da montanha, não perco de vista o Taipei 101 e caminho em sua direcção observando-o de diversos prismas. De um cruzamento, por entre edifícios, desde a Vila 44. 


A Vila 44 foi o bairro onde as tropas nacionalistas se instalaram em 1949 quando os comunistas fundaram a República Popular da China após vencerem a guerra civil aos nacionalistas. As habitações tinham condições precárias e pretendiam-se temporárias, enquanto se acreditava poder re-ganhar a China continental. Hoje este quarteirão está preservado como reconhecimento de parte da história de Taiwan. E se já por si representaria um símbolo do contraste entre velho e novo na cidade, o facto da Vila 44 estar hoje situada no regaço do Taipei 101, vendo-se das traseiras das suas casinhas baixinhas coloridas emergir a enorme torre azul rumo aos céus, esse contraste torna-se então absolutamente poderoso.


O Taipei 101 tem 508 metros e à data da sua construção, no ano de 2004, ganhou o título do edifício mais alto do mundo, até ser destronado em 2009 pelo Burj Khalifa do Dubai. Não é, porém, apenas mais um arranha-céus. Na paisagem de Taipé reina imperial e praticamente sozinho, mas este é em edifício singular na sua estética. Visto da montanha do Elefante até se pode assemelhar a um foguetão preparado para ser lançado para o espaço, mas de qualquer lado donde o vamos avistando nos apercebemos das suas semelhanças com um pagode ou um ramo de bambu. Muito cá da casa, portanto. 


Gostei muito da arquitectura deste Taipei 101, mas não sei até hoje se gostei de subir no seu elevador até ao posto de observação no 89.° andar. É uma experiência e tanto, daquelas que não se devem perder, mas que podem não ser, ainda assim, totalmente positivas. Explicando melhor, esta viagem dura exactos 37 segundos a uma velocidade de 1010 milhas por minuto numa caixa partilhada por mais de uma dezena de pessoas cujos ouvidos irão, na sua maioria, bloquear. Soa desconfortável? É mesmo. 




Do 89.° e do 90.° andares do Taipei 101 consegue-se alcançar perfeitamente a situação geográfica de Taipé. Localizada num planalto, a capital da província de Taiwan desde 1886 parece não cessar a sua ânsia de se estender.



Voltando a assentar os pés na terra, tirando este seu ícone não existem muitos mais edifícios que possamos identificar facilmente com Taipé. Os memoriais em homenagem a Chiang Kai-shek e Sun Yat-Sen serão duas excepções. A enormidade de ambos os edifícios é certamente proporcional à admiração pelas duas figuras históricas, embora a do generalíssimo já tivesse visto melhores dias. Também pelo simbolismo que representa, uma palavra para um dos primeiros edifícios modernos da cidade, o Zhongshan Hall, lugar onde os japoneses fizeram a cerimónia de rendição da II Grande Guerra Mundial.


Em termos urbanísticos, na Taipé de hoje identificamos três períodos distintos: o da era da dinastia chinesa Qing, o do tempo colonial japonês e o tempo moderno.







Uma caminhada pela rua Dihua transporta-nos para tempos que pareciam esquecidos. Antiga rua central de comércio por excelência, aqui abundavam - e abundam - as lojas de medicina chinesa. Com muita confusão e muito movimento, esta rua e as suas vizinhas que a acompanham de forma irregular são estreitas e possuem alguns edifícios singulares.


A uma boa caminhada dali encontramos a actual centralidade da cidade. Zhongzheng possui também alguns resquícios da era Qing, mas os japoneses acrescentaram-lhe edifícios governamentais, espaços públicos e grandes avenidas planeadas ao estilo francês dos boulevards. Ruas estreitas lado a lado com ruas largas, edifícios clássicos, neoclássicos e modernistas, todos num alegre convívio. 



Não falta sequer a meca local da cultura jovem consumista: o bairro de Ximending. Aqui é onde Taipé é mais Tóquio. Há uma rua inteira só com cinemas, comércio de tudo e mais alguma coisa, incluindo uma loja exclusivamente dedicada à série de manga One Piece, bares e restaurantes, lojas de tatoos, diversas obras de arte urbana, o que imaginarmos deve haver por aqui.



A versatilidade e modernidade de Taipé é nos ainda revelada pela sua capacidade em regenerar e reconverter espaços. Três exemplos: a Red House (primeiro mercado público da cidade, hoje centro cultural), o Songshan Culture e Creative Park (antiga fábrica de tabaco, hoje centro cultural) e o Huashan 1914 Creative Park (antiga fábrica de vinho, hoje... adivinhem?). 


Pegando na ideia deste último, o de maior sucesso, os diversos edifícios da antiga fábrica que fechou nos anos oitenta foram reconvertidos na década de noventa em lojas, cafés, restaurantes, galerias, espaços musicais e expositivos. É hoje um espaço totalmente aberto à criatividade onde os visitantes têm de fazer fila à porta de cada uma das divisões a visitar.



Taipé vem referida como uma das cidades asiáticas mais vibrantes. Moderna e com laivos de tradição, pejada de templos e com o seu Museu Nacional de classe mundial, é hoje um dos lugares para se ir no que se refere a comida, seja num restaurante ou numa banca de um dos seus inúmeros mercados de rua.