sexta-feira, novembro 02, 2007

18 de Setembro – La Paz – Copacabana

Chegámos mesmo em cima da hora ao terminal de autocarros e foi uma sorte termos conseguido seguir viagem para Copacabana. No entanto, não encontrámos lugares juntas. À Sofia tocou a companhia de um brasileiro; a mim a de um holandês. Boas companhias, diga-se. Ambos viajavam sozinhos e, é impressionante, a cada dia que passa vamos conhecendo cada vez mais pessoas nestas condições.
A viagem de La Paz até Copacabana vai atravessando a Cordilheira Real e a paisagem é fantástica, principalmente quando somos brindadas com a perspectiva justaposta da terra, lago e montanha nevada, com alguns picos a ascenderem o 6000 metros.



Copacabana, a cerca de 160km de La Paz e a 3812m de altitude, é uma cidade instalada à beira do Lago Titicaca, já perto da fronteira com o Peru, formando uma pequena baia. O seu vocábulo deriva, precisamente, das palavras “kota” – lago – e “kahuana” – mirador.
A cidade em si não tem grande encanto e no que a praias diz respeito é difícil fugir à tentação de não recordar a sua homónima carioca mais famosa. No entanto, dizem que foi esta Copacabana a inspirar a princesinha do mar. A Copacabana boliviana é também uma praia muito concorrida, talvez por ser a única praia pública de que os bolivianos dispõem, mas os banhos na água gelada do Titicaca não devem ser uma grande ideia. Todavia, é precisamente o mítico Titicaca que lhe traz a fama e o algum encanto. Ajudam, também, os montes fotogénicos que vão recortando a paisagem.



Precisamente, é do topo desses montes, designadamente o Niño Calvário e o Cerro Calvário, que alcançamos uma vista fabulosa – para o lago, claro, mas também para a cidade com as suas casas de tijolo.
No Niño Calvário, depois de o subirmos absolutamente sozinhas com alguma dificuldade, fomos guiadas no seu topo por um rapazito de 10 anos que sonha ser guia quando crescer e, tal como o irmão mais velho o faz hoje, acompanhar os turistas com as suas explicações pela não muito distante cidade Inca de Macchu Picchu. O rapazito teve bastante arte para envolver as turistas com as histórias e argumentos para as estranhas formações das rochas que se vêem no topo deste Cerro. Por aqui fica a Huerca del Inca, um género de porta que servia como observatório astronómico pré-inca, contando a lenda que se durante o solstício de verão o sol passar por entre o seu arco o ano será bom para a agricultura. Por curiosidade perguntámos o que se havia passado nesse ano e a resposta não foi positiva. Será que o ano que já se vive irá ser mesmo prejudicial para a agricultura da região?



Na descrição da subida ao Cerro Calvário não consigo, uma vez mais, fugir à tentação de fazer uma analogia com o seu nome. Foi literalmente um autêntico calvário alcançar o topo do monte. Até essa data (repetiria a experiência uns dias depois na subida ao Chacaltaya) nunca me tinha visto obrigada a um esforço físico tão duro e, qual criatura em completa baixa de forma (o que não era manifestamente o caso), não tive outra solução senão, para além de parar de subir os degraus, sentar-me um pouco neles para recuperar o fôlego.
Estamos aqui a mais de 4000 m de altitude, daí a dificuldade de subir qualquer meia dúzia de metros sob um sol impiedoso. O que impressiona é que os antigos tenham não só escolhido este local para romaria como o lograssem alcançar e aqui construíssem um altar com cruzes enormes. A devoção e a fé, de facto, podem (quase) tudo.





Vimos aqui o pôr do sol a cair na imensidão das águas do Lago e bem cá em cima é ainda mais evidente a sensação de que estamos frente a frente com o mar.
No entanto, não é o mar que nos cerca e ilumina. É antes um lago, o mais alto (a 3812m acima do nível do mar) navegável comercialmente, com uma extensão de cerca de 9000km2.
O nome Titicaca provém da junção do ayamara “titi” (puma) com o quechua “carka” (rocha).
Diz uma das lendas sobre o Lago que este se formou pelas lágrimas do deus Sol quando viu os pumas devorarem os seus filhos por ordem dos apus, os deuses dos montes. Outra lenda diz-nos que este é para os incas o lugar onde o Sol (Inti) nasceu. Outra lenda ainda conta-nos que para os pré-incas o deus Viracocha se terá dirigido ao Lago e ordenado que desde as suas águas fossem criados o Sol, a Lua e as Estrelas para que irrompessem pelo céu trazendo a luz.
Como se vê, lendas sobre o Lago Titicaca não faltam. No entanto, todas nos transmitem a mesma conclusão: este é um lugar mítico e místico para muitas civilizações. Para nós, que hoje temos a oportunidade de aqui chegar não é diferente. A sensação de infinitude e serenidade é incontornável.



Voltando a Copacabana, esta cidade é também famosa por ser um centro de peregrinação religiosa (desde antes do império inca por aqui ter reinado), tanto para os indígenas como para os católicos, atraindo pessoas de toda a Bolívia e Peru. Existe por cá um santuário enorme, visível de qualquer ponto da cidade – a Catedral de Nossa Senhora de Copacabana, construção do século XVI, de arquitectura mourisca, possuindo igualmente alguns azulejos com uma clara influência portuguesa (o mesmo é dizer, mais uma vez, moura). Tão importante é este santuário que a “Virgem da Candelária, Nossa Senhora de Copacabana” é, mesmo, a padroeira da Bolívia.






A nossa noite foi passada no Hotel La Cúpula (http://www.hotelcupula.com/), por mais do que atraentes 25 dólares (ainda por cima com o dólar em baixa). Situado numa parte alta da cidade, com vista quer para a cidade como para o lago, o apartamento (sim, não era apenas um quarto) que nos tocou tinha, para além de um piso térreo espaçoso com duas camas, uma mezanine com mais duas camas lá em cima. Será que esperavam que trouxéssemos convidados? Não foi o caso, apesar do bom ambiente no hotel, onde jantámos (o frio não convidava a ir muito longe) e conhecemos a história de um reformado suíço que estava a retomar uma viagem de uma vida que havia ficado interrompida há 33 anos: do Alasca a Ushuaia. Pinochet não lhe permitiu, então, a conclusão da viagem e o cárcere fê-lo quedar-se em Santiago. Agora, em 2007, deixou a mulher na Suiça e veio concluir a sua viagem em 3 meses.
É por estas e por outras que me custa sequer pensar que apenas me permito viajar por 2 semanas. Pouco, muito pouco quando tanto há para conhecer, aprender e conviver.