terça-feira, fevereiro 03, 2015

Alcatrão, Luís Brito


Alcatrão, publicado pela editora Abysmo, em 2013, é um relato pessoal de estadias e viagens de Luís Brito por vários cantos do mundo.
De entrada, já em casa de volta dos seus périplos, diz logo ao que vem: "Caminhar, poder andar a pé, é um privilégio e não um sacrifício".
Este não é um livro de viagens comum. Não há descrição das paisagens e dos sítios, mas abundam as descrições do outro que se vai encontrando pelo caminho e com quem se vai partilhando experiências, rituais e aventuras. 
Há uma constante procura do brincar com as palavras e produzir textos de inspiração pessoal. "Porque é que fico tão feliz quando me faço de sem abrigo?" - mostra a simplicidade que coloca no acto de viajar. "Se a vida é um negócio, eu estou a ganhar. Recebo tanto e pago tão pouco." - o optimismo sempre presente. "De tanto conhecer homens e mulheres diferentes de mim, de tanto ver neles espelhos novos, de tanto me espelhar e reflectir, noto agora como me vou despersonalizando, me vou esvaziando aos poucos dos meus caprichos e me vou tornando numa espécie de espião, que vê muito, vê sempre, mas participa pouco" - o eu tornado outro.
Entre tantas histórias caseiras vividas e contadas recordo, porque não me é também estranha, a dos caminhos-de-ferro na Índia. "Quem vem à Índia passa a ver com outros olhos os caminhos-de-ferro. Porque aqui eles parecem caminhos de ferrugem: os comboios não chegam a horas ou partem antes da hora, às vezes não param onde prometeram e os bilhetes, mesmo se adquiridos nas bilheteiras oficiais, podem ser falsos, por terem sido vendidos a turistas ingénuos. As estações são assustadoramente caóticas. Casas para uns ou leito de morte para outros, ou ponto de passagem de um povo que não pára no mesmo sítio, sempre a visitar familiares distantes, sempre a fazer negócio e a fazer pela vida." 
Recordo ainda os postais "chorir", leia-se, chorar a rir, também da Índia.
Mas não é a Índia a monopolizadora das histórias. Encontramos muito alcatrão pisado e vivido na Argentina e Chile, voluntariado em Moçambique, pedaladas na Turquia e o surf em background na Indonésia.
Em resumo, uma série de experiências vividas em conjunto com os indivíduos dos locais visitados, possibilitando um melhor conhecimento da psique local, tornadas histórias que nos são relatadas com uma intimidade que nos torna, a nós leitores, cúmplices destes caminhos percorridos. 
Obrigada por esta procura de si próprio, Luís.