sexta-feira, agosto 21, 2015

A Costa do Montenegro

De Dubrovnik, na Croácia, a Kotor, no Montenegro, são cerca de duas horas de autocarro, sem demora na fronteira. O Mar Adriático é partilhado, assim como o são as belas montanhas. A zona costeira montenegrina, em especial a sul, onde fica Budva e o Golfo de Kotor, é a mais turística e uma das regiões mais belas do país.

Optámos por fazer de Kotor a nossa base e depois de visitarmos a sua vizinhança temos a certeza de que foi a melhor escolha. 

Quando desce da Croácia e entra no Montenegro, o Adriático a certa altura vê a terra fazer um corte e resolve meter para dentro criando o Golfo de Kotor. Há quem se lhe refira como um fiorde, o mais a sul da Europa, o único do Mediterrâneo, mas fiorde ou não o certo é que a paisagem é superlativa de elogios. A estrada segue junto à baía com a montanha a subir abruptamente num enquadramento magistral. Antes de chegarmos a Kotor temos aquele que é um dos momentos altos da paisagem montenegrina: a vila de Perast com as suas duas ilhas no meio da baía. Já lá iremos.
Kotor é uma cidade medieval do século XV de influência veneziana. O leão na Porta do Mar, símbolo de Veneza, não deixa dúvidas. Aliás, esta influência está presente em toda a costa do Montenegro até se chegar a Ulcinj, onde é a vez da influência turca dizer presente e a vizinhança da Albânia a ter mais poder.


Kotor é encantadora e a sua localização não podia ser melhor. No fim do Golfo de mesmo nome, fica numa encosta estendida para o mar e abraçada pelas montanhas cinzentas pintadas de vegetação aqui e ali. A cidade, em forma triangular, como se observa bem do alto da sua fortaleza, é muralhada, com ruas estreitas e praças acolhedoras. A torre do relógio será o seu maior símbolo, mas as suas praças são rainhas e tem nomes deliciosos como Praça da Salada (onde ficava o nosso apartamento temporário) e Praça do Leite.


Kotor foi um histórico porto marítimo, pertenceu aos romanos, aos ilírios, aos sarracenos, aos búlgaros, aos sérvios, aos otomamos, aos venezianos, aos habsburgos e hoje recebe as centenas de turistas que diariamente aqui param nos barcos de cruzeiro. Assim, se durante o dia as ruas estão cheias de pessoas, ao fim da tarde a coisa melhora e o acto de nos deixarmos perder pelas ruinhas de Kotor toma outro encanto.


As manhãs, essas, tiveram para mim um sentido especial. Junto ao nosso apartamento ficava uma das inúmeras igrejas de Kotor e acordar ao som das badaladas do seu sino, ainda por cima praticamente iguais às da aldeia da avó, puxa a recordações distantes mas queridas e só enriquece as boas recordações que daqui levo.



A não perder uma caminhada extenuante pelas muralhas da fortaleza de Kotor, sempre a subir. Estas muralhas foram pensadas logo no século IX pelos bizantinos para proteger a cidade. O que vemos foi praticamente concluído no século XV. Passamos primeiro por uma igreja e parece que já estamos a cair para o lado, mas ainda falta bastante para chegar ao castelo, no topo. No final, a vista é soberba e compensadora. Como se preciso fosse, confirmamos a magnificência da baía e a sua água espelho azul cobalto. 


A propósito de água e mergulhos, não faltam opções para encontrar um espaço para cair na água e dar umas braçadas, que a temperatura do ar e da própria água a isso convida. Escolhemos um local, que nos parecia menos povoado, com uma atmosfera muito boa, com casas apalaçadas com a montanha que não me canso de gabar por guarda-costas.


O polo aquático é um dos desportos principais do Montenegro, de tal forma que quando procurávamos uma camisola da selecção de futebol local só encontrávamos disponível a do polo. Esta piscina transformada em campo de polo aquático deve ser a mais inspiradora do mundo.



A estrada que liga Kotor ao Monte Lovcen (o tal que deu nome ao Montenegro), curva surpreendente após curva surpreendente, deu-me uma das vistas mais incríveis que já tive oportunidade de ser testemunha. Sem palavras, apenas fotografias.


A cerca de vinte minutos de autocarro fica Perast, um dos momentos altos de qualquer viagem ao Montenegro. Concentradas num pequeno espaço encontramos casas barrocas, palácios de estilo veneziano gótico, igrejas e uma frente de mar lindíssima. Este foi um povoado pujante que teve o seu apogeu no século XVIII e fazia frente àqueles que o queriam invadir, tendo existido aqui uma importante escola náutica que formou muita gente de fora como marinheiros, cartógrafos e engenheiros que para aqui vinham aprender com os locais. Os seus heróis marítimos estão devidamente recordados em muitos cantos da vila.




À frente de Perast ficam duas ilhas belíssimas. O facto de serem artificiais, construídas no século XV, não retira nenhuma da sua fantástica atmosfera. Pacatez e serenidade é o que se vive por aqui, daí que talvez o epíteto de Sereníssima caísse tão bem a Perast como à Veneza que tanto a influenciou. Uma das ilhas é a Nossa Senhora da Rocha, para onde se vai de barco em apenas 10 minutinhos ou a nado (não calhou). Aqui fica uma igreja e nada mais, mas o prazer de aqui aportar já tem tudo em si. A sua vizinha é a ilha de São Jorge, a qual alberga um mosteiro beneditino rodeado de ciprestes. Lindíssima.



A 40 minutos de autocarro desde Kotor fica Budva, considerada por muitos o top da zona. A caminho vimos uns quantos cartazes com anúncios de nomes grandes da música que tocaram ou iriam lá tocar. As expectativas eram elevadas. Mas de Budva seguem apenas umas fotos e um pequeno comentário: a cidade medieval de estilo veneziano é muitíssimo pitoresca e muitíssimo agradável de se passear (foi quase totalmente reconstruída após o terramoto de 1979 que também afectou Kotor). O problema é olhar e estar para além da cidade antiga. Urbanisticamente falando, é tudo muito mau no maior centro turístico do país. Talvez as suas noites loucas sejam divertidas, mas não é isso que me faz viajar. O primo tinha dito que Budva era o Algarve em bom, mas ou Budva mudou muito nos últimos cinco anos ou o primo não conhece o Algarve. De fugir.

Poderíamos ter fugido para a vizinha Jazz, considerada este ano uma das praias mais bonitas do mundo, mas a vista desde cima apenas nos deu a ideia de um imenso abarracamento de toldos e chapéus, de tal forma que já nem conseguimos admitir que, sim senhora, o seu enquadramento é fantástico. Talvez num dia de sol de Novembro.


Mas também perto de Budva ficam mais praias bem bonitas, em especial Sveti Stefan, por isso a fuga até nem foi má. Sveti Stefan é uma ilha, um rochedo rodeado de ciprestes ligado ao mundo real por um pequeno istmo. Depois da II Grande Guerra Mundial os seus habitantes, praticamente todos eles pescadores, abandonaram Sveti Stefan e Tito, o todo poderoso da então Jugoslávia, acabou por a nacionalizar e mais tarde reconverte-la em casas de luxo. As estrelas de Hollywood eram visita habitual nos anos 50 e agora toda ela é um resort.

Escolhemos fazer uma tarde de praia aqui, no lado esquerdo da vista para a cénica ilha, que o do direito é exclusivo dos hóspedes do resort ou daqueles que queiram pagar 75 euros para pisar este lado da "areia". Mas atenção: o pagamento dá direito a champanhe.



Já perto da Albânia fica Ulcinj, a cidade costeira do Montenegro que rompe a influência veneziana das vizinhas mais a norte para tomar características turcas. O ar que aqui se respira é albanês, com as diversas mesquitas a dominarem a paisagem, mais pronunciado ainda no verão pela quantidade de kosovares que para aqui vêem passar férias, muitos deles emigrados na Alemanha (vê-se pelas matrículas do seus veículos). Por outro lado, com os problemas no Kosovo, em 1999 esta cidade tornou-se ainda mais um refúgio para os seus habitantes. 

Esta cidade costeira é realmente diferente das que havíamos visitado anteriormente. Embora não  tivéssemos feito dela o nosso poiso, existe por aqui até uma praia exclusiva para mulheres, atendendo a que a maioria dos frequentadores da região serão muçulmanos. 

Historicamente centro de comércio de escravos e terra de corsários e piratas que adoptaram o estilo albanês, Ulcinj inicialmente não era território do Montenegro. Uma constante porém: a soberba localização e a cidade velha dentro de muralhas. A sua praia principal tinha demasiada gente e estava demasiada suja. O ar de festa de aldeia predominava à noite e até uma balança para pesar as pessoas se via na sua promenade. 



Na cidade velha encontrámos, no entanto, um lugar calmo e quase sem ninguém, fantástico para testemunhar o pôr-do-sol. O pior foi depois, ao jantar, quando pedimos o prato de marisco que estava na fotografia da ementa e recebemos uma massa com outra coisa qualquer. Quando reclamámos, o jovem dono do lugar disse que a culpa era do designer e que o Montenegro nem sequer marisco tinha.

Na verdade, o bom serviço não abundou na costa montenegrina, a região mais turística do país. Em Kotor foram muitos os problemas em restaurantes para tão poucos dias. Desde mexilhões fechados com o empregado a assumir que ele não os comeria mas havia quem comesse e por isso não os iria substituir, até à vinda para a mesa de um esparguete com molho de natas quanto o pedido era molho de tomate, facilmente resolvido acrescentando o desejado molho vermelho ao branco. As paisagens são bonitas, mas o turismo não pode ser de qualidade quando os que nos recebem têm comportamentos destes e reacções arrogantes e bruscas. 
A ida para outras paragens do país, nomeadamente o centro e norte, mudaria todavia a imagem dos locais que levámos da costa.