A entrada no Cambodja fez-se navegando calmamente pelo Rio Mekong.
À medida que nos íamos aproximando da fronteira, as casas assentes em palafitas sobre a água iam ficando mais esparsas, mas os búfalos e as crianças, esses, continuavam a aproveitar a água do rio para se divertirem.
À chegada à fronteira trocámos de barco e todos optámos pelo “slow boat” que demoraria cerca de 4 horas até à capital Phnom Penh. Éramos 15 a destilar dentro de um teco teco que insistia em manter-se à tona da água. Por todos nós, homens ou mulheres, ocidentais ou orientais, escorriam abundantes gotas de suor. Até hoje, posso afirmar sem medo de errar, nunca suei tanto na minha vida. E estava sentadinha num banco, à larga, sem mexer o que quer que fosse que pudesse acelerar a queda dos pingos.
Depois de deixarmos o barco fizemos mais cerca de 1 hora de viagem de carro até Phnom Penh, numa condução louca e barulhenta numa espécie de auto-estrada. Quanto a isto, nada de muito diferente para as cidades do Vietname.
O que pareceu diferente a olhos vistos foi a pobreza e a sujidade nas ruas de Phnom Penh. A acrescer a isto a pouca iluminação quando o sol cai e muitos pedintes e estropiados na marginal, deveremos concluir ser Phnom Penh para esquecer e passar rapidamente a Angkor, este sim, o grande monumento que faz a esmagadora maioria dos turistas visitar o Cambodja? Longe disso, muito longe mesmo.
Apesar de toda a caracterização negativa de Phnom Penh feita acima, esta é uma cidade bem interessante e, lá está, carismática, daí que se goste de deambular pelas suas ruas, caminhar junto ao rio, observar a arquitectura dos seus edifícios, entrar pelos seus mercados, juntarmo-nos ao rebuliço dos seus habitantes e dos seus
tuc tucs.
Para além disso, há que conferir todo o desconto ao Cambodja e, em especial, a Phnom Penh.
Outrora lar de uma civilização brilhante que temos a sorte de nos ter legado – praticamente intacta – o complexo de Angkor, o Cambodja foi desde sempre alvo de invasões e domínio de estrangeiros.
Mais recentemente calhou-lhe viver atrocidades brutais e inimagináveis impostas por alguns dos seus próprios cidadãos, sob o comando do
Khmer Vermelho de Pol Pot. E este recentemente é mesmo muito recente – só em Janeiro de 1979 os arqui-rivais Vietname vieram para derrubar o regime de Pol Pot no vizinho Cambodja, com quem estavam em guerra, mas o Khmer Vermelho fugiu para o interior do país e continuou activo – vide as inúmeras minas espalhadas pelo país até hoje – até à cedência definitiva apenas em 1998.
Esta história começou em 1975 e apesar de ter durado pouco mais de 3 anos deixou marcas profundas – para toda a humanidade, há que dizê-lo. Só para se ter uma pequena ideia (todo o mal desta triste história é-nos impossível de entrar na cabeça), Phnom Penh – que tem hoje cerca de 1,2 milhões de habitantes – chegou a ter nessa altura apenas 50 mil, dadas as politicas absurdas de levar os cidadãos em massa para o campo com o objectivo de montar uma sociedade exclusivamente agrária com todos trabalhando no cultivo. Dinheiro e propriedade privada foram conceitos totalmente abolidos e a repressão, violência e tortura eram rainhas.
Uma pequena parte de todo este horror é-nos dado a conhecer no
Museu Tuol Sleng, instalado numa antiga escola que no tempo de Pol Pot foi transformada numa prisão conhecida como Prisão de Segurança 21 – S-21. A sua visita é muitas vezes descrita como uma experiência deprimente. É-o. Mas é também imprescindível. Até para se constatar in loco um outro aspecto a juntar a toda esta falta de sentido. O local onde a antiga prisão (antiga escola, hoje museu) está instalada é uma zona residencial. As celas (antigas salas de aula) onde hoje se encontram expostos alguns objectos de tortura e fotografias das vítimas têm à sua entrada um aviso solicitando que os visitante sejam contidos e não se riam. No entanto, da janela de uma das celas, foi impossível evitar esboçar um sorriso depois de bater com o olhar numa varanda do prédio do outro lado da estreita rua onde duas crianças dançavam inocente e freneticamente ao som de uma música ritmada em altos berros.
Mas Phnom Penh não é só esta má experiência. Aliás, tendo a sua história recente em mente, mais valor se dá à cidade e aos seus habitantes no esforço que tem sido colocado na sua recuperação.
E parecem ser muitos os estrangeiros que têm escolhido aqui viver. Neste ponto a doutrina cá de casa divide-se – a mana acha que são todos turistas os muitos ocidentais que por lá se vêem; já eu acho que são estrangeiros ocidentais que escolheram viver numa das capitais do sudeste asiático que, segundo se diz, oferece melhor vida nocturna e boas compras sempre aliadas ao exotismo do oriente. E digo isto por ver esses ditos a caminhar pelas ruas de forma descontraída e cómoda como só aqueles que se sentem em casa sabem caminhar, com sacos de comprar diárias na mão. E por ter lido umas quantas histórias de executivos que aqui escolheram viver (aí as oportunidades de negócio em países em desenvolvimento…), muitos deles numa constante ponte aérea com a mais estável e bem próxima Banguecoque.
E este facto faz com que os extremos se toquem – a pobreza dos autóctones e o luxo e boa vida dos estrangeiros.
E boa vida é o que se pode levar em Phnom Penh, principalmente na sua frente de rio, onde encontramos os melhores hotéis, restaurantes e bares, com um design tão familiar ao gosto ocidental que parece que estamos em casa. Felizmente não estamos e por isso é que paredes meias com aqueles podemos ver maravilhados edifícios em arquitectura khmer como o
Palácio Real e o Pagode de Prata e o
Museu Nacional.
Outros ícones da cidade que são estranhos a nossa arquitectura ocidentalizada são os Wats. No
Wat Phnom, instalado numa colina (Phnom significa, precisamente, colina), no meio de um concorrido parque que é um hino ao kitsh, com um elefante às voltinhas, namoradinhos, crentes, vendedores e, coisa esquisita, senhores com gaiolas de pássaros na mão à espera que alguém (e ainda são uns quantos) lhes dê uns trocos para soltar os ditos passarinhos (confesso que não captei bem o significado da coisa, mas parece que é um costume por aqui).
E os mercados, como não podia deixar de ser, são outro ponto de paragem obrigatório. Desde logo o
Psar Thmei, edifício muitíssimo interessante em arquitectura Art Deco, cortesia dos franceses. Mas para as melhores compras, o local a escolher é o Psar Tuol Tom Pong, também conhecido como Mercado Russo, onde se encontram um sem número de produtos falsificados.
Mas não há volta a dar, a minha preferência vai toda para a vida intensa da cidade, do seu movimento. E nada melhor do que ir dar novamente à
frente do rio junto ao Palácio Real. Na confluência dos rios Tonlé Sap e Tonlé Bassac, ambos braços do Mekong, vemos toda a gente a passear ao fim da tarde, pobres, remediados, ricos, monges, turistas. Vários grupos de homens na casa dos 30 / 40 anos jogam uma espécie de badminton com os pés, executando autênticos malabarismos que não deixariam o nosso Cristiano Ronaldo envergonhado. Uns miúdos com 8 / 10 anos exibem todo o seu talento nos saltos para o rio, esmerando-se ainda mais sempre que passa um barco carregadinho de turistas. Pela manhã bem cedinho, por volta das 6:00 (ou devo dizer madrugada?), é a vez da ginástica matinal, tanta gente, mas tanta gente, como não vemos nem por volta das 12:00 de domingo num qualquer parque público do nosso país.
Esta é, pois, uma forma simples e inesquecível de passar uns momentos em Phnom Penh, apenas sentando-nos a observar relaxadamente a vida neste pedaço do Oriente.