terça-feira, dezembro 26, 2006

Lago dos Cisnes


A ver: O Lago dos Cisnes em Lisboa, no Teatro Camões, cortesia da Companhia Nacional de Bailado.
A primeira vez que fui ao bailado foi, precisamente, para ver o Lago dos Cisnes. E fi-lo a turismo.
Passo a explicar. Qualquer visita Moscovo não ficará completa sem uma ida ao ballet ou à ópera. E não existe lugar mais clássico para o fazer se não no mítico Teatro Bolshoi.
Ora, o Lago dos Cisnes, composição musical de Tchaikovsky, foi pela primeira vez apresentado no Bolshoi, em 1877. Parece, por isso, previsível que a nossa escolha tenha recaído nesta obra e neste monumento. Sim, monumento, uma vez que o edifício onde a companhia está sedeada é de uma imponência e, ao mesmo tempo, elegância que respeita toda a tradição cultural russa. Curiosamente, a fachada do nosso Teatro D. Maria II é muito parecida com a do Bolshoi.
No entanto, a compra de bilhetes para se assistir às suas apresentações não se compara em dificuldade. Em Moscovo havia-nos sido sugerido que adquiríssemos os bilhetes num quiosque perto do Teatro. Bem o tentámos, num daqueles com cartazes a decorar os seus vidros, nos quais apenas se reconheciam algumas figuras, uma vez que o alfabeto em cirílico é só para entendidos. Os entraves ao sucesso da nossa missão começaram por se revelar aqui: o que escolher? a que é que estes bonecos correspondem? como se pede um bilhete? porque o sr abana a cabeça? o que querem dizer aquelas palavras e aqueles gestos? não há peças nesta temporada? os bilhetes já se acabaram? temos mesmo que nos dirigir à bilheteira do teatro?
Sim. Tivemos. Mas aqui a história repetiu-se. Daí que não nos restou outra se não a opção que não desejávamos: recorrer aos serviços do hotel, os quais para turistas arranjam sempre bilhetes para o teatro, ballet, ópera ou qualquer outro evento cultural. Detalhe: aqui os preços mais do quadruplicam. Na verdade, até nem parece nada mal que existam preços muito acessíveis para os russos, uma vez que estes sempre fizeram gala e uso do acesso generalizado dos seus cidadãos à cultura. O que não parece nada bem é aproveitarem-se dos legítimos desejos dos turistas em beberem da cultura russa e cobrarem cerca de 45 euros por um lugar no 3.º andar do Teatro e nem sequer acompanharem o mágico bilhete de uns simples binóculos.
Ok.
O ballet foi deslumbrante.
E agora Lisboa.
Cliente recentemente assídua das apresentações da Companhia Nacional de Bailado, o nosso Lago dos Cisnes foi também belíssimo. Mais “moderno”, numa adaptação com final feliz, talvez para ir ao encontro da época natalícia. Assim, a princesa Odete, aquela que foi transformada em cisne pelo barão para que a desviasse do caminho e do amor do príncipe Siegfried, acaba, nesta versão do bailado, por viver feliz para sempre nos braços deste último, cabendo ao mau da fita a morte. Pelo contrário, na versão original o par romântico não tinha um final feliz mas antes trágico.
Destaque nesta apresentação para os cenários – sempre lindíssimos, cheios de cor e vida – e para os bailarinos, a sempre presente Ana Lacerda e o emprestado cubano Carlos Acosta.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Músicas

Por vezes passam-se meses sem que tenha oportunidade de fazer umas das coisas de que mais gosto (a par de viajar): ir ouvir música. Os meses de Novembro / Dezembro foram generosos nisso:
Gotan Project (que havia “perdido” em Julho por estar de férias), Lloyd Cole, Lisa Germano, Lambchop.
Nada mau.

Gotan Project, num Coliseu dos Recreios cheio, cheio, não desiludiu. Pura energia e psicadelismo electrónico misturado no tango. Em comparação com o Bajofundo Tango Club perdeu no intimismo que o Coliseu não permite e que a exiguidade do Teatro Variedades nos dá. Como bónus, ainda uma sessão de Sam The Kid.

De Lloyd Cole já havia escrito anteriormente. Nunca desilude nas suas cantigas / baladas melancólicas e o seu concerto só veio foi tarde, no que à minha estreia diz respeito.

Lisa Germano no Santiago Alquimista. Apenas a conhecia de ouvir 1 música na Radar. Depois de “After Monday” não restou outra solução se não ir ouvir mais do seu novo álbum, "In The Maybe World". A curiosidade de ir descobrir o Santiago Alquimista fez o resto – concerto numa sala a condizer com a música suave da americana que parecia que cantava para os amigos. Estes pediam uma música e Lisa obedecia. Se não o fazia era porque já não se lembrava da música ou da letra, respondia. É pá, peraí! Não lembrava? Então quer dizer que a rapariga não é nenhuma miúda? E tem músicas antigas? Lá tive que ir ouvir o seu historial completo (e foram mais 6 álbuns desde 1991).


Por fim, Lambchop. Talvez a minha banda preferida da actualidade e, por isso, não podia faltar. O lugar? As cadeiras duras para o rabo e desconfortáveis para os joelhos da Aula Magna. A banda é composta por mais de uma dezena de elementos, com Kurt Wagner, um ex-ladrilhador, como vocalista, e nessa noite ainda acompanhada pelos Hands of Cuba, também de Nashville, Tennessee. Há quem classifique a sua música na categoria de alternative country. Talvez sim, mas é também rock e electrónica ou soul e lounge. O certo é que são sussurros saídos da voz muito característica de Kurt, não muitos fáceis de acompanhar cantando mas deliciosos para os meus ouvidos. Concerto excelente. A repetir. Curiosos dois momentos da noite: um 1.º quando uma “maluquinha” saiu da plateia e foi colocar-se entre os muitos elementos da banda, limitando-se a abanar o corpo convenientemente ao som da música para logo voltar para o seu lugar quando esta terminou; um 2.º quando Kurt Wagner, no final, deixou algo esbaforido a sala pela porta que o comum dos mortais utiliza para momentos depois o encontrarmos no hall do edifício a distribuir autógrafos a quem quisesse.

Que o ano de 2007 nos continue a brindar com boas músicas e bandas ao vivo, são os nossos votos.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Que 10 años no es nada

Faz agora 10 anos – 1 década (!) – que pisei pela primeira vez a Argentina.
Por essa altura tinha inequivocamente um destino favorito, o Brasil, e uma cidade que julgava insubstituível, o Rio de Janeiro. Hoje o Brasil foi sem dúvida substituído pela vizinha Argentina. O Rio de Janeiro, esse, continua rei e senhor do meu destino, a tal ponto que, mesmo não conhecendo a maior parte do mundo, ficarei sempre na dúvida se me propuserem uma visita a uma cidade / país desconhecido ou ao Rio. Essa dúvida aumentará ainda mais se for obrigada a escolher entre o Rio e Buenos Aires.
Há 10 anos, então, aproveitando que a minha cidade – Lisboa – iria ficar semi parada pela visita de Bill Clinton e que os feriados de 1 e 8 de Dezembro calhavam num domingo – o único dia de trabalho, na altura, fora da vida de estudante – decidi comunicar aos meus pais que eu e a minha irmã iríamos viajar até à Argentina. Seria a primeira viagem que faríamos sozinhas, sem os pais ou sem alguém no destino que olhasse por nós.
Porquê a Argentina? Não faço ideia, mas a esta distância penso que Gabriel Batistuta e Gabriela Sabatini tiveram alguma influência sobre a decisão. Afinal de contas, o desporto sempre havia estado presente na minha vida e, assim, não seria estranho que, por exemplo, Borges, Gardel ou Che nada tivessem a ver com o assunto.
A viagem até nem começou nada bem. À chegada a São Paulo, e enquanto esperávamos o avião que nos levaria para Buenos Aires, descobrimos que a nossa bagagem havia ficado em Lisboa e que, com boa vontade, estaria em nosso poder cerca de 2/3 dias depois, uma vez que ficaríamos apenas 1 dia em Buenos Aires (depois regressaríamos) e iríamos imediatamente para Puerto Iguazu. Assim foi. De propósito, para irmos buscar os nossos pertences, tivemos que atravessar a fronteira Argentina / Brasil até ao aeroporto de Foz de Iguaçu, a melhor garantia para termos as malas mais rapidamente.
Antes disso, porém, escolhemos pernoitar em Buenos Aires num hotel de nome “Lisboa”. Está visto o porquê da escolha, não? O hotel era na verdade de 2 estrelas, apesar de vir descrito nos panfletos como sendo de 3 estrelas. Pedimos um quarto para 2 pessoas mas quanto o abrimos descobrimos que daria para 3 pessoas. Estranho. Quando saímos para a rua chegámos à conclusão que para a recepcionista não deveria ser nada estranho, afinal a rua do hotel tinha um cinema tipo “Olímpia” ou “Cine-Bolso” mesmo em frente e talvez a senhorita tenha pensado que as duas chicas solitas iriam em busca ou esperariam por companhia.
O dia da chegada a Buenos Aires foi a um domingo. No caminho do aeroporto para o centro o que mais impressionou – pela positiva – foram os magotes de pessoas que se encontravam à beira da auto-estrada a fazer piqueniques, aproveitando o verde da relva e os raios de sol. Depois, já no centro, nas ruas nas traseiras da Av. 9 de Julho (famosa pelos recordes de mais larga do mundo e por acolher o obelisco) o que mais impressionou – pela negativa – foi a quantidade enorme de lixo armazenado em sacos às portas dos edifícios.
A ausência de malas, a escolha do hotel e as ruas sujas e semi desertas de domingo tinham tudo para produzir um impacto não muito simpático e acolhedor da cidade mas… aquelas primeiras impressões esfumaram-se num ápice.
Para a memória da estadia em Buenos Aires fica a inclemente chuvada que caiu apanhando-nos desprevenidas na rua. Mas fica também a simpática oferta de uma boleia no chapéu-de-chuva que um guapo argentino nos ofereceu enquanto se encontrava parado, tal como nós, à espera de atravessar a rua. Fica ainda a recepção mais do que amigável, diria até paternal, que o poeta argentino Alberto Mosquera Montaña e sua senhora nos conferiram na nossa ida ao Café Tortoni, um dos mais mítico da cidade.
Fica também a ida ao Café La Biella, mais descontraído e moderno, e o estranho que foi ver as pessoas ali acomodadas a ler o jornal ou a conversar, com apenas uma bebida em cima da mesa, sem pressas, quer pela sua parte como pela parte dos funcionários. E os gelados Freddo! Tudo isto na Recoleta, famosa pelo seu cemitério. Também aqui, pela primeira vez, entrámos voluntariamente num cemitério e, desde aí, procuramos incluir uma visita a estes recantos de repouso nas nossas viagens. Ficará, ainda, na memória o preço exorbitante das coisas, bebidas a 400 escudos, refeições no Hard Rock Café (também o primeiro que visitei) a quase 2000 escudos. Uma loucura que teve o seu crash em 2001.
Nunca mais voltei a Buenos Aires, apesar de sempre pensar em fazê-lo. Em 1998, no entanto, voltei à Argentina mas dessa vez fui apenas a Bariloche, em trânsito vinda do Chile.
10 anos se passaram, quem diria?

quarta-feira, dezembro 06, 2006

A Conversa

- Where are you from?
- (silêncio)
- France, Italian?
- (silêncio)
- Spain?
- Não, Portugal!
- Oh! Figo! Cristiano Ronaldo!

9 em cada 10 conversas pelas ruas da Turquia mais ocidentalizada (porque não tive oportunidade ainda de conhecer outra) começam desta forma.
São uns chatos, estes turcos. Não nos largam até conseguirem satistazer a curiosidade de saber de onde vimos. Talvez para escolherem mais acertadamente a táctica para nos convidarem a entrar na sua loja, beber um chá, ver uns tapetes e uns kilims.
Não, nada chatos estes turcos. Se não quisermos comprar, não compramos, é o aviso prévio que nos fazem saber. Temos pelo menos é de dar uma olhada pela sua mercadoria e, mais importante, dar dois dedos de conversa.
Afinal, uns queridos, estes turcos.
Numas das conversas travadas com os turcos – sempre homens, porque os negócios por aqui são coisa deles – o rapaz começou por confessar não aguentar mais a curiosidade de nos ver passar para lá e para cá pela sua rua sem que lhe deitassemos um olhar (à sua loja, entenda-se) ou lhe respondessemos à sua pergunta (where are you from?). Satisfeita a sua curiosidade da proveniência das portuguesas, ficou encantando por obter réplica à afirmação de que a sua cidade natal era Van. Perguntámos-lhe: Van, a do Lago Van? Respondeu-nos: mas conhecem-na, sabem pelo menos onde fica? Sim, apenas sabemos onde fica no mapa, com esperança de em algum momento nesta vida nos aventurarmos Médio Oriente afora. Falou-nos então dos gatos de Van, de pêlo branquinho, com um olho de cada cor (um amarelo, um azul) e de quem se diz que adoram nadar no Lago. Mas Van, tal como a maioria do sudeste da Anatólia, é território Curdo e o rapazinho migrado para a Costa do Egeu, do outro lado do país, não perdeu a oportunidade de “passar a palavra”. Que os Curdos são discriminados no seu próprio país e que, ao contrário do que se diz, não querem a independência da Turquia. Apenas desejam que a esta minoria de cerca de 20 milhões (!) de cidadãos lhes seja concedida a possibilidade de ler jornais e de ver canais de televisão na sua própria linguagem. Que mude a mentalidade dos restantes turcos em relação aos curdos e que mude também a imagem que o resto do mundo deles tem. Quanto a mim, se já não levava preconceitos à partida (e os dias que antecederam a minha viagem foram dominados com notícias de novos atentados em alguns pontos da Turquia), depois de conhecer este simpático comerciante lembrar-me-ei de não permitir que eles possam vir a ser criados. Longe de ficar apoiante da causa, fiquei, sim, ainda mais apoiante de um mundo multicultural.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Tumbas no Castelo de Algodão

Para o fim da viagem ficou a visita a outro dos sítios na Turquia considerado património mundial pela UNESCO: Pamukkale – Hierapolis.
A cerca de 3 horas de Selçuk / Éfeso, e já com poucos dias disponíveis na contagem decrescente do regresso a casa, colocava-se o problema dos meios de transporte para o local. Existem autocarros para Denizli, a cidade mais próxima, a 30 minutos, o que implicaria ter de mudar de transporte. Ou seja, com a viagem de ida e volta num só dia, mais o tempo para se passear entre as ruínas, para além de cansativa a jornada previa-se apertada.
Optámos, assim, por aderir a uma excursão com início em Selçuk. Afinal de contas, ainda não havíamos enfiado o barrete da ordem nestas férias e havia que arriscar. Logo à partida deparámo-nos com o entusiasmo do operador turístico em anunciar-nos que antes de chegarmos propriamente a Pamukkale teríamos um tempo reservado para tomar banho numa piscina de um hotel de 5 estrelas. A que se seguiria um almoço bufete no dito hotel de 5 estrelas.
Uau! É mesmo o meu sonho de consumo.
Enfim, tempo morto de 1 hora gasto apressadamente num mergulho aqui, barrando-nos com “lama”, e um mergulho ali, numa água quentinha.
Pamukkale esperava-nos.
As imagens que havíamos visto indiciavam um lugar fantástico, surreal mesmo, daqueles que parecem não existir num planeta como o nosso.
O fenómeno a que se assiste neste local deve-se a uma formação geológica única, em que as águas ricas em cálcio caiem em cascata pela encosta criando as “travertines” brancas que hoje são cartão postal da Turquia.
A acompanhar a criação destas “travertines” temos ainda diversas formas que tomaram as rochas – prateleiras, piscinas, estalactites – que tornavam ainda mais prazerosa a utilização destas águas que possuem propriedades termais.
E digo “tornavam” porque o acesso às ditas “travertines” está hoje vedado. O boom do turismo nos anos 80 e 90 fez com que se construíssem dezenas de hotéis no topo deste sítio, destruindo não só alguns dos vestígios das ruínas de Hierapolis, como também desviando a água que corria em cascata para as suas próprias piscinas e necessidades. Outros abusos cometidos passaram igualmente pelo uso que as pessoas (os visitantes) faziam do local – aproveitar as águas para se lavarem, andar calçadas pelas “travertines” e, mesmo, de bicicleta ou mota.
Há uns anos, e na tentativa de reverter a situação, os hotéis foram demolidos mas, infelizmente, continua a correr pouca água em cascata, o que leva a crer que o problema estará também nos equipamentos que se situam abaixo de Pamukkale. Ou seja, o mal está feito e, dizendo em bom português, o que não tem remédio remediado está!
A impossibilidade de passear sobre as “travertines” e o facto da pouca água que corre hoje tornar menos exuberante o local não nos faz perder a viagem. Pelo contrário, o cenário continua deslumbrante e podemos, ainda assim, caminhar uns bons 2 km sobre este “Castelo de Algodão”, o significado de Pamukkale em turco, com os sapatos na mão, tentando não escorregar no chão branco carregado de cálcio.
Nunca um nome terá sido atribuído com tanta propriedade.

Aproveitando estas condições minerais dadas pela Natureza e a fama dos poderes curativos das suas águas, os romanos construíram aqui uma cidade, um imenso “spa”, à qual acorriam pessoas vindas de todos os cantos. Hierapolis é o nome da cidade que foi fundada no século II A.c.
Aqui podem ser encontradas as ruínas de uma igreja bizantina e as fundações do Templo de Apolo, entre outros monumentos comuns às cidades romanas, como a Agora e os banhos, e, como não podia deixar de ser, o Teatro.
O Teatro romano está implantado logo acima das “travertines” (ainda que não se consiga ter uma vista especial delas) e comportava cerca de 12000 espectadores.

Mas o ponto alto da visita a Hierapolis é a imensa necrópole que por aqui existe. Pois, nem todos os que ali acorriam terão ficado curados, daí que faça todo o sentido a construção de um cemitério para que não perdessem de todo a viagem. Existem, assim, inúmeros túmulos, sarcófagos, tumbas, alguns deles enormes e de todas as formas e feitios imagináveis.

Para turista ver, entre o Teatro romano de Hierapolis e as “travertines” de Pamukkale, existe ainda uma piscina com fragmentos de mármore submersos onde, diz a lenda (ou serão os prospectos turísticos?), Cleópatra se terá banhado. Na impossibilidade de se banhar nas águas do Castelo de Algodão ou nas águas das piscinas dos hotéis de 5 estrelas, resta então ao turista este banho “histórico”.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Pelas Ruínas

Sabia que a Turquia tem mais ruínas gregas e romanas do que a Grécia ou a Itália?
Não?
Então onde ficam Tróia, Pérgamo, Éfeso, Hierapolis, Afrodisias, Priene, Miletos e Didyma ou Xanthos-Letoon? À beira do Mar Egeu ou do Mar Mediterrâneo, mas todas em território turco.
De Tróia todos nós já ouvimos falar, quer seja pela Ilíada de Homero quer seja, mais recentemente, pelo filme.
De Pérgamo, mesmo que não tenhamos visitado o local na Turquia, se tivermos estado em Berlim temos grandes hipóteses de ter visitado o seu “Grande Altar” em solo alemão. Pelos museus do mundo afora, Alemanha, Inglaterra, Itália, Rússia, não é difícil encontrarmos objectos ou até edifícios inteiros levados destas antigas cidades que, na sua maioria, foram estudadas e escavadas por arqueólogos estrangeiros.
De todas as referidas, apenas visitei Éfeso e Hierapólis, ainda que Afrodisias seja, a par de Éfeso, uma das mais recomendadas para este périplo das pedras.

Uma visita a Éfeso seria, à partida, o ponto alto de qualquer viagem. E não desilude, pese embora a quantidade astronómica de turistas com quem temos que dividir o espaço.
É considerada uma das mais bem conservadas cidades clássicas e uma das quais onde é possível sentir uma atmosfera próxima do que era a vida numa cidade romana daqueles tempos.
Antes da chegada de Lysimachus, um dos generais de Alexandre o Grande, já havia uma cidade onde hoje se encontra Éfeso (estudos dizem-nos que já era ocupada em 1000 A.c. pelos Jónios), mas esta havia sido inundada pela subida do mar. Então, no século III A.c. o general reconstruiu a cidade, trazendo pessoas de cidades anteriormente por si arrasadas e fixando-as na nova Éfeso para que a pudessem povoar.
A cidade foi crescendo a tal ponto que no século I A.c. chegou a ser considerada a capital da Ásia Menor, para o que muito contribuiu o facto de se encontrar situada num local perto do mar, favorável às actividades ligadas ao comércio, e de ter o Templo de Ártemis mesmo à mão, lugar santo dedicado ao culto da deusa Ártemis para os gregos, Diana para os romanos. Éfeso terá mesmo chegado a atingir os 400.000 habitantes, o que a tornou a maior cidade da Ásia Romana e uma das maiores cidades dos seus tempos.


Éfeso é facilmente reconhecida pelo seu “Teatro Grande”, capaz de acolher 25000 espectadores (ainda hoje se celebram aí espectáculos), com uma vista soberba do topo das suas filas para o que em tempos foi o porto da cidade. Com esforço consegue-se hoje imaginar que se avista o mar que os tempos afastaram da cidade e levaram, em parte, ao seu declínio. Para se imaginar a grandeza da cidade, acrescente-se que dispunha ainda de um outro teatro, o “Odeon”, capaz de servir cerca de 1400 pessoas. Digamos que mesmo a lotação deste pequenito podia perfeitamente servir para entreter os habitantes de uma cidade média dos tempos modernos.

A “Via Curetes” é deslumbrante, cerca de 500 metros de comprimento tentando afastar do caminho algo estreito os turistas vindos de um dos muitos cruzeiros que passam por ali perto e que aproveitam para visitar as ruínas. Aqui ficam alguns dos edifícios que melhor representam a magnificência da antiga cidade cujas reminiscências ainda hoje nos permitem entender a sua disposição e utilidade.
A “Porta de Hércules”, onde todos se amontoam para tirar uma fotografia;
O “Templo de Adriano”, com a cabeça de Medusa no topo de um dos arcos para manter os maus espíritos afastados;
Os “Banhos de Varius”, embora existissem outros complexos deste tipo, uma vez que a cidade tinha um dos mais avançados sistemas de transporte de água (aqueduto) dos tempos antigos;
A “Latrina”, ou seja, as casas de banho públicas, o que mostra bem a preocupação com a higiene que os antigos efesianos possuíam;
A “Fonte de Trajano”;
As casas dos ricos.
Para se visitar estas últimas, no entanto, ter-se-á de adquirir um bilhete à parte, não incluído na entrada geral para o sítio de Éfeso. Com isso afasta-se a esmagadora maioria dos turistas da possibilidade de confirmar os excelentes trabalhos dos técnicos que no local ainda vão pondo a descoberto mais e mais vestígios e recriando as casas antigas. Diz-se que a seguir a Pompeia este é o melhor local para se poder admirar o luxo em que os romanos ricos viviam, com as paredes das suas casas abundantemente decoradas com frescos e o chão com mosaicos. A não perder, uma vez que apesar da longa jornada e do muito que há para visitar e aprender em Éfeso não se encontra nada semelhante a este local.

No final da “Via Curetes” fica a “Biblioteca de Celsus” que divide com o “Grande Teatro” o título do mais reconhecido edifício de Éfeso, os dois grandes postais da cidade antiga. No entanto, o título de mais fotogénico vai direitinho para a Biblioteca. O monumental edifício foi mandado erigir pelo Cônsul Julius Aquila em honra do seu pai Cônsul Julius Celsus e serviria para sua tumba. Mais tarde viria a ser utilizada como biblioteca e chegou a acolher cerca de 12000 títulos, naquele tempo só superada pela Biblioteca de Alexandria. A sua fachada, após a subida de uns degraus, é suportada por umas colunas e capiteis cuja dimensão não se consegue perceber em fotografias. Por trás de cada par de colunas encontram-se estátuas representando as virtudes: sabedoria (Sophia), pensamento (Ennoia), conhecimento (Episteme) e bondade (Arete).

Concluindo o passeio, fácil é perceber que esta cidade poderia bem competir com as dos tempos modernos, quer em organização quer em riqueza. E a sua riqueza passa não só pelo seu poder a nível monetário mas também a nível social e cultural. A preocupação na construção de banhos para os seus habitantes e, principalmente, a existência de teatros, biblioteca e templos dedicados ao culto dos vários deuses revelam a ambição dos seus líderes e população em cuidar do intelecto e atingir o conhecimento.

Entre Éfeso e Selçuk, fica o Templo de Ártemis (Diana, para os gregos), deusa grega. Este Templo foi considerado uma das 7 maravilhas do mundo e, à semelhança de todos os outros (com excepção das Pirâmides de Gize), hoje já nada resta dele (daí que nos tenha passado completamente ao lado). Ou praticamente nada, já que os poucos destroços que chegaram até aos nossos dias não são suficientes para nos dar a mais pequena ideia do que foi em tempos. E com “esses tempos” quer-se dizer o século VI A.c., quando foi construído. Era o maior templo da antiguidade, maior até que o Partenon, em Atenas. No século IV A.c. foi destruído pelo fogo e reconstruído na época em que Alexandre o Grande passava por estas terras. Diz a história que, impressionado com o templo, o nosso herói ofereceu-se para pagar a sua reconstrução em troca de o novo templo ser-lhe dedicado, proposta esta que viria a ser recusada pelas “autoridades locais”, mantendo-se firmes em continuar a dedicar o templo a Ártemis, a deusa da caça.

Outro dos monumentos carregados de história que chegaram até aos nossos dias é a Basílica de São João, em Selçuk, bem defronte do hotel por nós escolhido, o Hotel Bella, acolhedor e com um magnífico terraço com vista larga e plena para a Basílica.
Mais uma vez, diz a história que São João terá vindo para Éfeso no fim da sua vida, onde escreveu o seu Evangelho. No século VI o Imperador Justiniano decidiu construir uma Basílica no lugar onde se acreditava encontrar-se os restos mortais de São João e onde no século IV já havia sido construído, primeiro, um monumento e, depois, uma igreja. Tudo o que vemos hoje foi reconstruído (e encontra-se ainda a sê-lo) graças, especialmente, aos inúmeros terramotos.
Um lugar de peregrinação, não só para os cristãos mas também para os muçulmanos, é a “Casa da Virgem Maria”, a cerca de 9 km de Éfeso. Acredita-se que a Virgem Maria tenha vindo para aqui, após a morte de Jesus Cristo, acompanhada por São João. No fim do século XIX, após a visão da Virgem em Éfeso por parte de uma freira alemã, e guiados pelas suas descrições, um grupo de clérigos descobriu as ruínas de uma casa, tendo chegado à conclusão de que nesta teria passado Maria o fim dos seus dias. O Papa Paulo VI autenticou este local na sua visita em 1967 e, depois disso, o Papa João Paulo II e, agora, o Papa Bento XVI também por lá passaram. Hoje existe no topo do monte uma capela para assinalar a história e todo o 15 de Agosto é celebrada uma missa em honra da Virgem Maria, em que acorrem peregrinos vindos de todo o mundo.
Nós é que decidimos não acorrer lá, com muita pena da minha mãezinha, especialmente depois de ver na televisão o actual Papa neste santuário.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Em Izmir, em Trânsito

As costas do Mar Egeu e do Mar Mediterrâneo são muito procuradas pelos turistas em busca de sol e praia.
Com vista para o primeiro fica Izmir, a terceira maior cidade turca, com cerca de 2 milhões de habitantes. Os seus arredores parecem tirados de uma qualquer metrópole da América Latina: aproveitamento praticamente total dos morros para os ocupar com casas feitas à pressa e com os materiais que se encontrem mais à mão. O cenário que fica é de caos urbanístico e o trânsito é, uma vez mais, uma loucura. Mas o centro de Izmir é moderno e a avenida que se espraia pela baia por cerca de 4 km cumpre alguns dos preceitos do urbanismo da moda: o lugar para o passeio público, possibilitando a utilização da frente ribeirinha por todos os cidadãos e para quase todas as actividades que pretendam, desde passear o cão a andar de bicicleta ou, tão só, sentar a ver os barcos passar.
Estes km de jornada são, por isso, bem agradáveis num percurso que vai desde a zona do ascensor, na parte sudoeste da cidade, a fazer lembrar algo de Lisboa pelo desnível acentuado das suas ruas, no topo do qual se alcança uma boa panorâmica de parte de Izmir, até à zona de Alsancak no outro extremo do centro da cidade, onde ficam as lojas mais caras e da moda.
Pelo meio, e afastando-nos uns metros do mar, fica a zona do Bazar, um cheirinho da enorme confusão que se encontra em Istambul.
Aí perto, na Konak Meydani, uma praça pedestre de grandes dimensões, que acolhe um centro comercial, sente-se o vai e vem das pessoas a meio caminho entre o seu emprego ou o seu almoço. Nesta praça fica um dos mais famosos postais da cidade, a Torre do Relógio, e existe ainda uma pequena mesquita para uma paragem rápida para uma das inúmeras rezas obrigatórias do dia.
Muitas das vezes, nos pacotes de viagens para a Turquia, encontramos Izmir como uma das possibilidades de destino. Na verdade, a maior parte dos turistas apenas utiliza a cidade como ponto de passagem para qualquer outro destino nas redondezas ou, quanto muito, para base de uma noite.
A nós serviu-nos para fazer uma pausa vindas da Capadócia em trânsito para as ruínas de Éfeso, tendo optado por Selçuk como local de poiso.

Selçuk, com cerca de 20000 habitantes, vive quase em exclusivo do facto de Éfeso estar a 2km, do Templo de Artemisa nem isso distar e da Basílica de São João estar praticamente no seu centro. Tudo ruínas com muita história e milénios de vida. À conta disso, as suas ruas têm uma série de restaurantes e lojinhas que servem de apoio para os magotes de turistas, ainda que as camionetas de excursões que por lá passam deixem os passageiros directamente à porta dos monumentos a visitar, sem pouco espaço para deambularem pelas imediações.

À distância de uma curta viagem de Dolmus (o nome indígena dos mini autocarros) pela serra adentro fica Sirince, aldeia com menos de 1000 habitantes que mantém ainda muitas das casas típicas do estilo greco-otomano. Conta-se que os gregos ocuparam a área por volta do século XV e decidiram dar-lhe o nome de “Çirkince”, que na sua língua quer dizer qualquer coisa como “feiosa”, no sentido de evitar que outros pudessem ter também a ideia de para lá se dirigir. Foi apenas no século passado que as autoridades locais decidiram mudar o nome para o actual “Sirince”, algo como “agradável”, mais condizente com a realidade. E, assim, hoje é conhecida como uma das “aldeias mais turcas da Turquia”, epíteto análogo aos casos das nossas Monsanto ou Alte, as “aldeias mais portuguesas de Portugal”. O certo é que a aldeiazinha turca recebe imensos turistas, a maioria vindos de um dos muitos cruzeiros que atracam aqui por estas bandas e não se cansam de picar o ponto em todos estes recantos recomendados.

Kusadasi é a cidade que recebe os tais cruzeiros com turistas em trânsito para Éfeso, Selçuk (Basílica de São João), Sirince e, menos frequentemente, Priene, Miletos e Dydima e Pamukkale.
Como caracterizar Kusadasi sem ser injusta? Talvez começar por dizer que na temporada alta parece constituir uma preparação ou uma continuação daquilo que nos (os) espera no cruzeiro. São lojas e mais lojas que vendem produtos supostamente originais a 30% do seu preço de mercado. Não consigo dizer mais nada a respeito a não ser que, repito, na temporada alta, é uma cidade que tem um porto para cruzeiros. Ou melhor. Consigo acrescentar que nas suas redondezas dizem que ficam algumas praias que se poderão considerar interessantes. Como para nós o objectivo desta viagem não era fazer sequer um pouco de praia, passávamos bem sem este episódio. Mas acabámos por decidir ir relaxar umas horinhas durante uma tarde numa dessas praias. Levávamos a indicação de que Pamucak seria “a” praia, mas um “inquérito” no dia anterior levou-nos a optar pela Ladies Beach. Bom… a praia do Barbas na Costa da Caparica não anda muito longe do ambiente desta… Sem mais comentários. O que valeu foi que acabámos por visualizar Pamucak de cima e não pareceu ser assim tão deslumbrante como a queriam fazer passar, ainda que parecesse andar a léguas do “Barbas de saias”. Como consolo fica a ideia que já levava da minha terrinha: tirando uma viagem à Polinésia ou outros locais ditos idílicos em que a civilização e o betão ainda não chegaram, praia é mesmo para ser feita no nosso país.
Uma sugestão então: se o objectivo não for ver passar o pessoal dos cruzeiros, nem fazer compras de produtos (bem) falsificados, talvez seja de arriscar optar por um passeio até à Península de Dilek, a alternativa que no nosso caso não vingou e que, por isso, não se poderá avaliar.

Em resumo, tirando o passeio até Éfeso e Pamukkale, esta primeira visita à costa do Egeu soube a pouco.

O mergulho no Mar Egeu deu-se aqui, na Ladies Beach, bem democrática, como se pode ver.

terça-feira, novembro 28, 2006

A Sobrevoar a Capadócia

Pois é, a Capadócia não pára de surpreender. Depois de a percorrermos pelo solo e por baixo, agora chegou a vez de a sobrevoarmos.
Há opções para todos os gostos. Mas a sugestão é experimentar todas as opções.
Observar as paisagens únicas da Capadócia por cima dá uma magia maior a todo aquele cenário já de si mágico e maravilhoso.
E o que dizer se essa observação for feita através de uma viagem de balão? Perfeito.
Uma viagem de balão na Capadócia é um momento imperdível, recomendado em todos os guias turísticos. Apesar de não ser uma experiência barata, somos recompensados por um cenário fantástico.
Há diversas empresas que efectuam passeios de balão. A responsável pelo nosso voo foi a Sultan Balloons.
A jornada começa antes do sol raiar, pelas 6h00 da manhã, com a preparação do balão.

Depois de todos os preparativos e já depois de o sol ter levantado um pouco inicia-se a viagem. A palavra para descrever o passeio de balão é serenidade. Lá em cima tudo é calmo, tranquilo.

Flutuamos serenamente sobre aquela atmosfera que, efeito dos processos erosivos ao longo dos anos, se apresenta de uma forma agreste mas absurdamente impressionante.
Temos cerca de uma hora para desfrutar deste visual único, para estudar toda a morfologia do terreno, para sentir o ar fresco da manhã misturado com o calor que o balão emana, para quase tocarmos o chão e logo no momento seguinte calmamente voltarmos a subir, para percebermos como o nosso Planeta está em plena mutação há biliões de anos, para sentirmos a força da natureza, para concluirmos como somos privilegiados por podermos estar ali, naquela terra mágica.

Depois da aterragem, no local onde as condições do vento permitirem, resta-nos apenas fazer um brinde, com champagne, a estes momentos que fazem com que a vida seja bela.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Debaixo da Capadócia

Existem diversas cidades subterrâneas na Capadócia (estima-se que rondem as 36, ainda que nem todas tenham sido escavadas).
Não se sabe ao certo em que época estes pontos de refúgio foram criados mas crê-se que, pelo menos, os Hittites já faziam uso deles, cerca de 4000 a.C. Certo é que durante o período bizantino estas cidades se desenvolveram. Entre os séculos VII e XII, esta região, que constituía uma importante passagem do ocidente para o oriente, era habitualmente assolada por inúmeras invasões estrangeiras. Para se poderem proteger dos ataques, os seus habitantes criaram estas extensas cidades subterrâneas que hoje podemos visitar.
As mais conhecidas são as de Kaymakli e Derinkuyu, descobertas por acaso na década de 60 do século passado.
Depois de alguma leitura e de conversações com colegas de viagem conhecidos no dia anterior e no próprio dia, optamos por visitar Derinkuyu. (um aparte: a Capadócia não é muito extensa, serão uns 80 por 80 km, daí que os turistas teimem em reencontrar-se ao virar da esquina). A melhor forma de nos deslocarmos entre os vários pontos de interesse, excluindo a “última solução” viagem organizada, é através de transportes públicos, nem sempre muito certos, no entanto. A ideia era visitar a cidade subterrânea por nós. À entrada encontramos uma série de guias locais que tentam de tudo para nos afastar aquela ideia. Um deles conseguiu. Juntando um grupo de 3 portuguesas, 2 francesas, 1 neozelandês e 1 irlandesa, lá nos safamos com as explicações a preço de saldo.
E são bem úteis, estas interpretações in loco do labirinto misterioso que nos espera.
Derinkuyu tem cerca de 18 pisos subterrâneos, ainda que só possam ser visitados os 8 superiores e cerca de 10% da sua totalidade. Estima-se que pudessem refugiar-se ali cerca de 20000 pessoas. Nestas caves subterrâneas existiam lugares reservados não só para dormitórios, cozinhas e refeitórios, como também igrejas e até uma escola missionária. Existiam igualmente lagares, celeiros e estábulos. Pois é, guardava-se tudo, não só as pessoas como também os animais e comida suficiente para abastecer todos por cerca de 6 meses. Vê-se ainda um túnel vertical de cerca de 55m que era utilizado para ventilar o espaço e também para espreitar e, se preciso fosse, atacar (em resposta) os invasores em cima do solo.
Existe ainda um outro túnel, escavado com o propósito de ligar a cidade subterrânea de Kaymakli, com cerca de 8 km de comprimento.
A Capadócia não pára de surpreender. Ao lado da sua mítica e inigualável paisagem que a natureza nos proporciona, quem diria que os nossos antepassados nos proporcionariam milénios mais tarde uma aula prática de história cultural acerca dos costumes e vivências dos trogloditas?

domingo, novembro 26, 2006

A Pé pela Capadócia

Para além das “chaminés de fadas”, existem muitas mais formas esquisitas e irreais de rochas, umas parecem cogumelos ou castelos, outras não têm pura e simplesmente representação possível. O certo é que este conjunto nos faz transportar para paisagens que parecem copiadas da lua (pelo menos segundo o nosso imaginário). A par destas inúmeras formas, a erosão deixou-nos também diferentes cores.
Existem pelo menos duas maneiras soberbas para se apreciar as várias formas das rochas da Capadócia na sua plenitude: andando por entre elas ou sobrevoando-as. Deixando esta segunda para mais tarde, foquemo-nos agora nas caminhadas.

A Capadócia, e em especial a área à volta de Goreme, é um paraíso para aqueles que gostam de longas caminhadas em terrenos praticamente intactos pela acção do Homem – se excluirmos a ocupação natural das rochas que lhes foi dada pelos nossos antepassados.
Partindo de Goreme temos inúmeros vales para percorrer. Uns mais curtos, como o Zemi Valley, em português qualquer coisa como o “Vale do Amor”. A escolha do nome terá certamente algo que ver com as formas que por aqui se encontram.

Outro relativamente fácil de percorrer, não fora o sol abrasador, é o Kilçlar (Vale das Espadas), um dos mais acessíveis, já que fica situado junto à estrada que vai de Goreme para o seu “Museu ao Ar Livre”.

Ainda que não o tenha feito, cheguei depois à conclusão de que não será assim tão difícil ou complicado ir de Goreme a Uçhisar a pé, atravessando o Guvercinlik (Vale dos Pombos). Optei por ir e vir de autocarro mas na volta quase que desisti de o esperar, não fora a noite que já tinha acabado de cair. Não deverá levar mais de 1h30m / 2h de caminhada, passando pelos trechos da Capadócia onde, provavelmente, melhor se observa a acção das bicadas dos pombinhos na rochas. Alguns dos buracos por eles feitos mais parecem escavados pelo Homem, de tão grandes que são.
De Uçhisar, outro bom ponto de assentamento para os turistas, e especialmente do seu castelo a vista é fabulosa e alcança tudo o que os nossos olhos abarcam. Todos os vales, toda a geografia da região. O castelo, em si, visto de baixo para cima, é uma montanha de rocha absolutamente esquisita mas, ao mesmo tempo, absolutamente esmagadora e encantadora. Subi-lo até ao topo constitui outra boa caminhada.

Outros percursos, um pouco mais afastados de Goreme, podem ser feitos através do Gulludere (Vale Rosa), do Kizik (Vale Encarnado) e do Devrent (Vale da Imaginação). Não os percorri por inteiro a pé mas foi por aqui que o balão de ar quente sobrevoou grande parte da sua viagem e onde “aterrou”. Como o nome do último indica, aqui podemos observar formas ainda mais diferentes daquelas que havíamos presenciado anteriormente e tentar imaginar o que representarão.



Um último poiso, em Pasabagi onde se pode caminhar por entre “chaminés de fadas” com 3 “cabeças” com os campos de vinhas por vizinhos. Provavelmente o ponto mais fotogénico da Capadócia.

Bem mais longe de Goreme, a cerca de 80 km, fica o Vale de Ihlara (outra opção muito recomendada, também algo distante de Goreme, é percorrer os Vales de Soganli mas, afinal, o tempo não chega para tudo). Aqui a paisagem não tem nada que ver com as anteriormente descritas. É um canyon (garganta), onde o verde abunda e a caminhada desenrola-se lá em baixo, a cerca de 100 metros, no vale criado pela fissura feita na terra, com um rio a ladear o nosso caminho. O percurso total chega a cerca de 14 km, mas nós fizemos apenas metade. Percurso agradável, sem dificuldades de maior, a não ser nas subidas até às igrejas escavadas nas rochas, lá bem em cima. Também este local sofreu uma forte influência bizantina e aqui voltamos a encontrar diversas igrejas com frescos muito bem conservados.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Casas e Vilas da Capadócia

Os longínquos habitantes da Capadócia usaram as rochas para aí escavarem as suas casas, mesmo que para isso tivessem que escalar umas dezenas de metros. O que hoje, aos nossos olhos, parece uma missão impossível e pouco prática para se montar uma residência tinha, na verdade, um propósito mais largo: a segurança contra os invasores e inimigos, bem como um aproveitamento das condições naturais dos materiais rochosos que, assim, asseguravam uma boa insolação – mais quente no Inverno e mais fresco no Verão, tendo em conta que ambas as estações são rigorosas nesta região.

(habitações em Uchisar)

Nos dias que correm, muitas destas casas, conhecidas por caves, são aproveitadas pelos habitantes nossos contemporâneos, com a diferença de que hoje dispõem de condições pelo menos muito próximas daquilo que consideramos “conforto”. Parte delas foram transformadas, inclusivamente, em pensões ou hotéis para receber os turistas.
Ficámos num deste em Goreme e, mais uma vez, graças ao guia Lonely Planet, acertamos em cheio na sua escolha. O “Kelebek Hotel” tem uma situação geográfica fantástica, num plano mais elevado, permitindo contemplar grande parte da Capadócia ao mesmo tempo que nos sentamos ou deitamos a beber um chá numas das almofadas típicas e confortáveis que se vêem um pouco por toda a Turquia. A decoração dos quartos faz-nos pensar que somos personagens de uma das histórias das mil e uma noites – o site do hotel permite-nos conhecer e escolher antecipadamente os quartos (escolhemos o n.º 13 para podermos dormir viradas para os tapetes plantados no tecto). E os donos e funcionários do hotel são uns amores, disponíveis e prestáveis no que diz respeito a dicas para passeios pela região, quer organizados quer a solo.
Só por isso já valia a pena ter ficado mais dias na Capadócia e no seu Kelebek (uma raça de pombo). Aqui permiti-me fazer algo a que não estou habituada nas minhas curtas viagens, sempre aproveitadas ao máximo: chegar antes do entardecer ao hotel e sentar, relaxar, contemplar o espaço à minha volta.

(um dos pátios do Hotel Kelebek, com a vista do castelo de Uchisar ao fundo)

Goreme é uma vila situada na Capadócia, a mais usada como poiso para os turistas. Não tem mais de 2000 habitantes, com a curiosidade da coordenadora do guia Lonely Planet “Turkey” ter ela própria uma casa por aqui. A vila dispõe de todas as condições – hotéis, restaurantes, agências de viagem – e é um ponto de paragem de autocarros vindos das redondezas, bem como de cidades bem mais afastadas (Istambul está à distância de cerca de 11 horas, Ankara de 4 horas e Kayseri, o aeroporto mais próximo, a 1 hora).
Não obstante este ar de ponto de acolhimento turístico, com toda a artificialidade a isso subjacente, conserva algo daquilo que caracterizaríamos como “parado no tempo”. Os seus habitantes dedicam-se à agricultura e à cultura da vinha e a muitos deles encontramo-los sentados, à porta das suas casas, dedicados ao artesanato. Quando passamos, aproveitam para nos convidar a entrar, a conhecer as suas casas centenárias, a sua vida. O convite é autêntico, apesar de sabermos bem que por trás de toda esta hospitalidade está a intenção de nos vender os seus trabalhos.
Em Goreme fica o chamado “Museu ao Ar Livre”, declarado pela Unesco património da humanidade. Uma concentração de igrejas bizantinas e um bom primeiro contacto com as formas rochosas e casas escavadas na rocha que iremos encontrar pela região. Em Zelve, não muito longe dali, encontraremos um outro “Museu ao Ar Livre”.

(castelo romano em Goreme)

Se alugarmos um carro por um dia conseguiremos dar uma saltada a várias das vilas / aldeias próximas a Goreme e que com ela têm em comum o facto de por lá existirem as rochas / casas típicas da Capadócia.
Uçhisar com o seu castelo, Çavusin com frescos no meio de um amontoado de rochas escavadas pelo Homem e pelos pombos, mais se assemelhando a uma cidade fantasma que todos tiveram pressa de abandonar, Ortahisar também com o seu castelo, Mustafapasa a recuperar as suas caves para receber os turistas e Urgup, a maior em número de habitantes nas imediações, a cidade que todos na Turquia conhecem, uma vez que as suas ruas são palco das filmagens de uma das séries de televisão de maior audiência no país. Avanos não têm piada de maior a não ser para se percorrer as suas lojas de artesanato. Não se pode dizer que sejam uma autêntica pechincha mas para o trabalho – todo à mão – que os artesãos realizam anda perto disso. A maioria das peças são lindas e ainda ganhamos o direito a uma explicação detalhada por parte do artista acerca da maneira como o trabalho é feito e, se desejarmos, podemos nós próprios moldar algumas peças e brincarmos aos oleiros. A cidade de Nevshehir, a maior da região (sem contar com Kayseri, a do aeroporto), serve apenas de passagem, para se mudar de autocarro, nomeadamente para seguir até às cidades subterrâneas de Derinkuyu e Kaymakli.

(o parque de estacionamento de Urgup)

Feita a apresentação das vilas / aldeias / lugares, resta dizer que se é certo que ninguém vem até à Capadócia à espera de encontrar centros urbanos densificados é também certo que aqui se dispõe de todas as condições básicas para permanecermos o tempo que desejarmos. E esse básico é, para mim, a possibilidade de se tomar um bom banho e uma boa refeição. Não há compras (tirando as almofadas e os tapetes), mas existe um computador disponível em quase qualquer canto (muito útil para descarregar as fotografias).
É o suficiente para fazermos uma pausa na vida do nosso mundo ocidentalizado e globalizado e nos alhearmos um pouco da realidade.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Ready to be Heartbroken

No dia seguinte ao José Cid fui ouvir Lloyd Cole na Aula Magna.
Pela primeira vez ao vivo, também.
“Neva em Nova Iorque” transformou-se em “NYC Sunshine”.
Outra diferença – enorme – é que desde há muito esperava por este concerto e deste artista conhecia todas as músicas. Nada de estranhar, afinal de contas Lloyd é o meu cantor preferido e aquele que encabeça a minha lista da pergunta clássica “que músicas levaria para uma ilha deserta”.
Seria emocionante só por esse motivo. O concerto foi certinho, Lloyd sabe algumas palavras básicas em português (o que bate certo com a sua apregoada proximidade com o nosso país, bem como com a grande legião de fãs que por cá (man)tem), cantou muitos dos seus mais recentes temas (ainda que só 2 ou 3 do último álbum) e alguns antigos grandes sucessos. Músicas curtas, num registo acústico, sem muitos arranjos, o próprio tempo total não terá passado da 1h 10 m.
Creio que não surpreendo ninguém, nem sequer a mim, se disser que o concerto não chegou a empolgar a assistência. As coisas são como são. Lloyd é inglês, a sua música melancólica, mais dada a ser trauteada em tom baixo do que gritada a plenos pulmões.
Dito isto, sim Lloyd, I was ready to be heartbroken mas foi o macaco e as favas do Cid que me deixaram louca!

Ontem, Hoje e Amanhã

Se há uns (poucos) tempos alguém me dissesse que me tinha visto num concerto de José Cid diria que essa pessoa estava maluca. Afinal, depois do dia 20 de Novembro, a maluca sou eu.
As coisas mudam. Não sei bem o que mudou em mim, mas o certo é que fiquei com vontade de ir ao Casino de Lisboa ver o José Cid.
E com que me deparei? Centenas de pessoas – a maioria da minha geração (30 anos) e mais velhas – em delírio. Num agradável e bem disposto delírio. Algumas empunhando cartazes “Gosto mais de ti do que o macaco de banana”, “És a mãe do rock português”, “D. Sebastião está vivo”, “Dá-me favas”. A princípio não entendi o significado de nenhum deles. Quer dizer, o do macaco não me era de todo estranho, achava que já tinha ouvido ou lido qualquer coisa a respeito. Depois de ouvir a música confirmei que só podia ter lido algo sobre ela, pois a melodia era-me de todo estranha.
Será possível? Onde passei a minha juventude, que músicas ouvi, com quem me dei? Parecia que tinha caído naquele lugar de para-quedas (o que não andará muito longe da verdade). Não fazia ideia de que “Cai neve em Nova Iorque / Há sol no meu país / Faz-me falta Lisboa / Para me sentir feliz” e que há uma “Cabana Junto à Praia”. Quanto às “favas”, estava curiosíssima para saber que raio era aquilo que TODOS à minha volta pediam. Certamente nenhum dos restaurantes do Casino se dedicam a este exemplar da nossa gastronomia. Mas o bom do Cid não ligava nenhuma aos insistentes apelos às favas. Até que, já se ia embora, deu meia volta, deve se ter arrependido, cedeu e começou as primeiras palavras que enlouqueceram ainda mais o seu público. O meu novo herói não foi capaz de cantar o “não sei viver sem ti amor, diz-me o que hei-de fazer / faz-me favas com chouriço, o meu prato favorito” – o público cantou por ele –, mas confessou que não fazia ideia “o que é que vocês vêem de jeito nesta música”.
Como é que esta música e esta história saborosamente romântica me pode ter passado ao lado?
Em compensação tive direito a ouvir e cantar a plenos pulmões, e por 2 vezes, uma conhecida minha: “Vem, viver a vida, amor / Que o tempo que passou / Não volta mais / Sonhos que o tempo apagou / Mas para nós ficou / Esta canção”.
Enfim, uma noite apoteótica, na primeira vez em que ouvi alguém conseguir enfiar a palavra “ladrilhar” numa letra para música. Kitsch, numa palavra.
Um “Bem Hajam” para José Cid, sua banda e técnicos.

Apesar dos pedidos, desta vez Cid não tirou a roupa

Pausa na Capadócia para um regresso à actualidade

terça-feira, novembro 21, 2006

Capadócia em 11 Passos

Nesta região da Anatólia Central é difícil fugir aos lugares comuns para descrever a sua paisagem.
Lunar, deslumbrante, magnifica, mágica, especial, tudo palavras que servem para descrever a Capadócia mas também muitos outros lugares igualmente especiais do nosso planeta. Mas esta zona do globo está longe de se assemelhar ou sequer se aproximar a qualquer outra. Não! Nada se compara ao cenário que se nos apresenta aqui.
As suas rochas, com um desenho muito característico, só aqui se encontram.
A sua origem deve-se às erupções vulcânicas que deixaram a área sob uma camada de tufo, uma rocha macia formada pela compreensão das cinzas, misturadas com penedos de duro basalto. Depois vieram a ser moldadas pela conjugação de diversos factores naturais para além das erupções vulcânicas, como a lava, a chuva, o vento, os rios, em estreita colaboração com a temperatura e o degelo, e ainda hoje continuam em constante mudança – um milímetro para aqui, um milímetro para ali, em cada década ou par de décadas, tudo impossivelmente imperceptível à vista desarmada mas que deixará aos nossos descendentes umas formas diferentes das que se vêem actualmente. Tudo isto graças à erosão, mas também à acção do Homem, que faz questão de deixar a sua marca naquilo que a Natureza nos lega. Ainda para mais o turismo ataca em força por estas bandas e ainda está só no começo.
À parte o turismo, e por mais estranho que possa parecer, o pó vulcânico aqui presente é bastante fértil e por todo o lado se vêem pomares, hortas e vinhas, o que permite aos seus habitantes não depender exclusivamente da indústria do novo século.

4 dias podem ser mais do que suficientes para explorar a Capadócia mas não são de mais.
Uma pequena ideia do que podemos encontrar nesta terra, cujas imagem de marca – as rochas – são as "chaminés de fadas":

- igrejas rupestres, marca do cristianismo que em tempos por aqui imperou (ver post anterior);

- mosteiros com cenário de tal forma irreal que servem de set de filmagem para Guerra das Estrelas (Selime);
- cidades subterrâneas, usadas pelos nossos antepassados como esconderijos imensamente extensos, quer em comprimento quer em altura;

- cidades fantasma como Çavusin;

- compras de lindas e exclusivas peças de artesanato / olaria em Avanos;

- caminhadas sob o sol impiedoso pelos vales de rochas estranhas;

- caminhadas sob as copas das árvores do Vale de Ilhara;

- o pôr do sol visto do topo do castelo de Uçhisar;
- o nascer do sol visto de um dos inúmeros balões de ar quente que todas as manhãs sobrevoam a Capadócia;

- um pequeno almoço no Kelebek Hotel de frente para o cenário irreal de formas de rochas e caves, com os gatinhos e abelhinhas por companhia;

- uma sentada, como os locais, pelos campos ou à beira da estrada.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Capadócia e Cristianismo

Não tenho a certeza de qual a primeira vez em que terei ouvido falar da Capadócia.
De tão mítica que é, fácil se torna que pertença ao nosso imaginário, por este ou aquele motivo. O difícil é saber porquê e donde vem a dita imagem.
O certo é que cantarolava a música “Jorge da Capadócia” sem nunca ter prestado grande atenção à sua letra. Jorge Ben Jor é o seu autor (inspirou-se na “Oração de São Jorge”), mas conhecia-a melhor ouvida pela voz de Caetano Veloso ou pela de Fernanda Abreu, que a recriou de uma forma muito funk.

“Jorge sentou praça na cavalaria
e eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
para que meus inimigos tenham olhos, e não me vejam
e nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal

armas de fogo, meu corpo não alcançará
facas, lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar
cordas, correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar
pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge

Jorge eh da Capadócia, viva Jorge”

Talvez pensasse que o “Jorge da Capadócia” pudesse ser o próprio Jorge Ben Jor.
Mas, nada como uma ida ao próprio local para rever teses julgadas acertadas.
O dito Jorge não é mais do que o Jorge do Dragão. O São Jorge, patrono de Inglaterra, Portugal, Geórgia, Lituânia e até dos escoteiros. A lenda conta-nos que o nosso herói, guerreiro vindo da Capadócia, salvou uma princesa das garras de um dragão com a sua famosa espada.


E pela Capadócia, região no coração da Turquia muçulmana, em pleno Médio Oriente, continente asiático, não faltam pequenas igrejas escavadas nas rochas com frescos e pinturas representando a vida de São Jorge e, em especial, esta passagem, prestando-lhe, assim, homenagem que chega praticamente intacta até aos dias de hoje, tal é o grau de boa conservação de muitas dessas pinturas.
A essa boa conservação das pinturas muito contribui a escassa luz que dispõem estas pequenas igrejas rupestres, a maioria do século X, que muitas das vezes não chegam a ter mais de 10 m2. Daí que seja quase uma aventura conseguir entrar nas salinhas se se tiver o azar de apanhar com um dos imensos grupos de turistas que viajam pelo mundo e, por maioria de razão, pela Capadócia.


O Museu ao Ar Livre de Goreme é um bom local para se explorar estes exemplares. Considerado Património Mundial pela Unesco, neste local existem mais de uma dezena de igrejas, mosteiros, aos quais não faltam refeitórios, e crê-se que terá sido um dos principais centros religiosos do século XI. Estas igrejas são do período bizantino, marcadamente cristão, durante o qual a Capadócia se terá tornado um local de refúgio para os cristãos. Com a chegada dos Seljuks e dos Otomanos, um século mais tarde, a que correspondeu o natural declínio do cristianismo, este foi, ainda assim, tolerado pelos novos invasores.
Foi apenas em 1907 que um padre francês redescobriu estas igrejas e, umas quantas décadas depois, nos anos 80, deu-se o boom do turismo na Capadócia, ainda que não por motivos religiosos.
Fica, no entanto, à parte a vertente geológica, o registo da história do ponto de vista religioso daquele que é considerado como um dos mais antigos berços do cristianismo oriental.

Umas das muitas igrejas / caves nas formações geológicas do Museu ao Ar Livre de Goreme, Capadócia

quarta-feira, novembro 15, 2006

Toca a Bazar

O Grande Bazar é descrito e internacionalmente reconhecido como “o” local a não perder em Istambul. Que a visita à cidade não ficará completa sem uma paragem aqui. Que não conheceremos a alma turca sem aqui pararmos. Que é impossível não perder a cabeça nas mais de 58 ruas e 4000 lojas deste mercado coberto, um dos maiores do mundo, mas fácil de perder o peso da carteira.
Bom… perder a cabeça, não sei, mas que é muito fácil desorientarmo-nos por lá, isso é verdade. Nem adianta muito que o Grande Bazar esteja mais ou menos compartimentado por zonas – a da peles, a das malas, a da joalharia, a do ouro, a das pratas, a das antiguidades, a dos adereços, candeerinhos e roupinha baratucha e, talvez a mais famosa, a das carpetes. As suas ruas parecem não ter uma orientação lógica, são becos sem saída ou com saída para alguma loja onde já estivemos. Ou onde nos parece que já teremos estado. São todas a mesma coisa. Baralha e dá de novo. Por isso, não, para a minha carteira não foi nada fácil ficar menos pesada.
Como explicar que reservei uma manhã inteirinha – a última da viagem – para visitar e explorar o Grande Bazar e consegui sair de lá sem nada mais do que entrei? Como explicar que não consegui deslumbrar-me com quase nada do que vi? Que me saturei rápido do que me pareceu um vastíssimo centro comercial para turista ver?
Difícil? Talvez não. Basta recordar que existem outros exemplos bem melhores da cultura de comerciantes natos que os turcos carregam. As ruas que circundam o Grande Bazar, essas sim, dão-nos uma ideia autêntica do comércio em grande escala, da confusão de uma grande metrópole, onde tudo se vende, onde as mercadorias invadem os passeios, não se limitando ao confinamento das quatro paredes de uma loja de bairro. E aqui os turistas – poucos – passam despercebidos no meio das constantes idas e vindas dos turcos negociantes.

Mas bazares pela Turquia há muitos. Não tão grandes ou famosos como este – “Kapalıçarşı” em turco, com direito a página na Internet e tudo – mas, talvez, mais interessantes e marcantes. Aqui mesmo, em Istambul, e para aqueles que como eu lhes basta entrar num El Corte Inglês ou, tão só, numa Zara para ficar logo com a cabeça à roda e o corpo a estremecer com o único objectivo de encontrar a saída mais próxima, dizia, aqui em Istambul talvez seja boa ideia começar por dar um passeio ao Bazar das Cavalariças (Arasta), bem mais pequeno e de fácil orientação, com diversos exemplares de objectos que se encontram também no Grande Bazar.

Para uma exposição – para venda – de carpetes e kilims, uma ida ao Haseki Hamam, junto à Aya Sofia, é um bom ponto de partida e chegada. Ainda para mais, com esta adaptação a loja(s) de um antigo edifício de banhos consegue-se aliar estas duas ricas tradições turcas: carpetes com banhos.

Bem colado ao Grande Bazar fica o Velho Bazar dos Livros, este sim imperdível. No entanto, também não consegui comprar aqui nada, ainda que por razão diversa. As gravuras pertencentes a antigos livros são um deslumbre; as quantias que por elas pedem uma machadada no coração e um ataque aos nossos bolsos. Bem sei que é suposto serem autênticas, originais e únicas. Mas… não podiam fazer um desconto maior? Nem com o tradicional regateio lá vamos, uma vez que o preço por uma folhinha menor que um A5 não baixa muito mais do que 70 euros. A acrescer a isso vem ainda o facto de, caso queiramos mesmo adquirir alguma peça, sermos obrigados a acreditar na boa fé do vendedor que nos garante a sua autenticidade. Não obstante, vale a pena perdermo-nos pelas páginas destes livros, sejam soltas ou não.


E, para último, fica o melhor. O mais saboroso, para ser mais correcta. O Bazar das Especiarias, junto à Mesquita Nova (Yeni Cami). Que deleite! A hospitalidade turca atinge aqui o seu ponto alto. São lojas e mais lojas dedicadas não só a chás e ervas que nunca ouvíramos falar ou sequer imagináramos, mas também a doçaria tradicional turca. Saborosíssima (se arrependimento matasse não ousaria arriscar trazer apenas uma caixa cheia de docinhos). E os seus donos fazem questão de, porta sim porta sim, nos oferecerem os seus produtos para provarmos. Para além da barriga ficar plenamente satisfeita, também os olhos se encantam com o colorido das várias especiarias expostas nas bancas. E os cheiros… uma delícia. Aqui, no Bazar das Especiarias, os nossos sentidos unem-se de prazer e guardam na memória esta Turquia felizmente ainda tão pouco europeia.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Cagaloglu Hamami

O New York Times apresenta uma ida ao Cagaloglu Hamami (banho turco) como um dos 1000 lugares a ir antes de morrer.
Pois bem, estando em Istambul e depois de um dia esgotante, a percorrer esta maravilhosa cidade, sentimo-nos para morrer. Morrer? Ups… Então é urgente uma ida à Yerebatan Caddesi, onde se situa o Cagaloglu Hamami. Não só para cumprir a dica do NYT, mas também para adiar o final terreno. Pois, após uma sessão de banho turco, relaxamento e rejuvenescimento são sentimentos garantidos.
Os hamam, ou banhos turcos, descendem dos banhos romanos, que foram adoptados pelos Bizantinos e mais tarde pelos Otomanos. Se inicialmente eram um compromisso entre a higiene e o prazer corporal, actualmente, em que a maioria das casas turcas têm instalações sanitárias, os banhos são sobretudo uma instituição social.
Isso percebe-se quando se entra nos Cagaloglu Hamami, que foram construídos em 1741 pelo Sultão Mehmet I.
O primeiro passo ao entrar é escolher o serviço, que varia entre a opção de self-service e a luxuosa ensaboadela. A escolha pode não ser fácil se a vergonha e a ansiedade pelo desconhecido imperarem. Porém os acanhados que optarem pelo self-service irão perder a parte mais intensa e prazerosa de uma ida a um hamam.
Escolhido um serviço é fornecido um pestemal (pano), o qual serve para tapar o corpo após tirarmos a roupa, e umas tamancas. Esta operação de mudança de roupa é feita nas cabinas que circundam a camekan, um pátio interno onde é possível beber um chá e conviver após o banho.
Já enroladinhos com o pestemal e de tamanca nos pés, passa-se pela sogukluk (sala intermédia), onde no final são dadas toalhas secas, e encaminhamo-nos para a hararet (sala quente), que é a principal sala de banhos turcos e onde nos sentamos a suar no vapor o tempo que desejarmos.

Quem optar pelo self-service terá direito ao banho de vapor e a banhar-se com água, ora fria ora quente, que sai de um género de fonte. Já quem optar por um serviço completo tem direito a tudo o descrito em cima, mais a uma ensaboadela vigorosa, que retira a sujidade que nem sequer suspeitávamos ter, e a uma massagem na gobeck tasi (pedra de mármore aquecida), que fica no centro da sala quente. A massagem é feita de uma forma completa (pés, pernas, barriga, costas, braços, cabeça) e vigorosa, o que faz com que seja revitalizadora e divinal.
Toda a experiência da ida a Cagaloglu Hamami é extraordinária, não só pela sensação relaxante mas também pelo espaço que, para além de ser histórico, é de uma beleza arquitectónica fantástica.

sábado, novembro 04, 2006

Istambul Velha

Subindo desde a zona do porto de Eminonu, desembocamos no bairro de Sultanahmet, conhecido como a “Velha Istambul” e classificado pela Unesco como Património Mundial, primeiro local onde os antigos Bizantinos se instalaram. Aqui fica concentrada, provavelmente, a maior quantidade de monumentos extraordinários por m2 em todo o mundo. Exemplos? Aya Sofia, Mesquita Azul, Palácio Topkapi, Cisterna da Basílica. Ufa! Sem falar de um sem número de outras mesquitas e edifícios que se vão encontrando pelo caminho.

Começando pela Aya Sofia, dedicada não a uma santa qualquer mas antes à santa sabedoria (Hagia Sophia, a Divina Sabedoria em grego). Mas como começar pela grandiosa, a imponente, Aya Sofia se ela se encontra cara a cara com a Mesquita Azul, a belíssima, a extraordinária, a maior de todas as mesquitas, construída para rivalizar com a sua vizinha da frente?


Como antiguidade ainda é um posto, comecemos, então, pela Aya Sofia. E pela curiosidade de esta ser uma das 21 “finalistas” em disputa por um dos 7 lugares das “Novas 7 Maravilhas do Mundo”, em votação online. Foi construída no século VI por decisão do Imperador Justiniano, no sentido de recuperar a grandeza do Império Romano e se tornar o maior templo de toda a cristandade. Em 537 ficou concluída – o que quer dizer que tem praticamente 1500 anos (!) – e começou por ser, por influência da época, uma igreja cristã. Em 1453 foi convertida em mesquita e assim permaneceu até 1935, quando Ataturk, “o Pai dos Turcos”, fundador da Turquia moderna, decidiu que deveria converter-se em museu, talvez como parte do seu programa de separar o Estado da religião. O seu interior, com uma cúpula de cerca de 56 metros, apesar dos medalhões gigantes com inscrições em caligrafia árabe, conserva inúmeros mosaicos com motivos cristãos, os quais haviam sido cobertos durante a influência muçulmana. Hoje é visível uma plena convivência de motivos das 2 religiões.
Não obstante todo este esforço para legar Aya Sofia à história, existe quem não se deixe convencer com toda esta grandeza. Mark Twain (o pai de Tom Sawyer) defendia que a igreja / mesquita não passava do “mais velho e bafiento palheiro de todas essas terras de pagãos”. Está certo que o exterior da Aya Sofia pode discutidamente ser considerado monstruoso também no mau sentido da palavra. Mas daí a palheiro e bafiento? Afinal parece que a cruzada americana contra os “pagãos” do Médio Oriente já vem de longe.


A Mesquita Azul, bem visível das janelas da galeria da Aya Sofia, foi construída bem mais tarde, entre 1609 e 1616 (um milénio após a Aya Sofia mas, ainda assim, com a bonita idade de cerca de 400 anitos). Foi projectada em grandíssima escala pelos arquitectos muçulmanos propositadamente para rivalizar com a vizinha cristã. Causou polémica na altura por o projecto desta mesquita conter 6 minaretes – o que até aí apenas a mesquita Kaaba, em Meca, o mais sagrado lugar do islão, dispunha. A questão resolveu-se com o acrescento de um sétimo minarete a esta última.
Os turistas, como curiosos que são, e não crentes, têm uma porta especial de entrada na Mesquita Azul, nos fundos, mas podem assistir à oração. Para tal têm de cumprir as regras: calçado à porta e lenço na cabeça para elas, bem como braços e joelhos devidamente cobertos (regras comuns, aliás, à entrada em qualquer mesquita, esteja ou não em hora de oração). Quanto ao azul do nome da mesquita, este deve-se à decoração do seu interior, em azulejos de Iznik (ainda que hoje a cor azul não seja assim tão dominante, uma vez que originalmente não seria esta a decoração, pelo que tem vindo a ser reposta a antecedente). O chão da mesquita é todo ele coberto de carpetes.


Não obstante todas as grandiosas mesquitas de Istambul, a que podemos ainda acrescentar os nomes da Suleymaniye (situada imponentemente num dos pontos mais altos da cidade), da Yeni (“Nova”, apesar de ter cerca de 400 anos), da Fatih (perto do Aqueduto), a mais encantadora será a Rustem Pasa. Encontra-se escondida entre o bazar das especiarias e o imenso bazar que são as ruas que lhe servem de fronteira. Pequena mas intensamente decorada de azulejos predominantemente azuis no seu interior (esta, sim, mereceria o título de “Mesquita Azul”). A entrada é feita por um vão de escada, onde se vendem óculos e bugigangas, que vai dar a um páteo sossegado. Um mimo.


Do outro lado da rua que atravessa a Aya Sofia e a Mesquita Azul fica a Cisterna da Basilica. Já tinha sido avisada e, de facto, confirmei – apesar da concorrência feroz em Istambul, nenhum dos outros pontos fica a dever nada à Cisterna em termos de imponência, arquitectura, engenharia e deslumbre. Uma autêntica surpresa que esmaga o incauto turista, que não esperaria encontrar um exemplo desta magnitude sob a cidade. A enorme Cisterna foi construída por Justiniano para abastecer o Grande Palácio que na época ocupava quase toda a área do que hoje conhecemos por Sultanahmet. A existência ou, melhor, a redescoberta da Cisterna só aconteceu por volta de 1545, bem depois da tomada do poder da cidade pelos Otomanos, quando estudiosos mais atentos viram locais sair dali com baldes de água e alguns, até, abastecidos com pescaria. Ainda hoje, aliás, se podem vir peixinhos, peixes e peixões a nadar nas águas da Cisterna, sob os efeitos da luz que confere ao local uma atmosfera especial, quase mística, composta por cerca de 336 colunas de mármore com mais de 8 metros. No entanto, apenas 2/3 da estrutura original se encontra visível.


A não perder as cabeças de medusa em duas colunas num dos cantos do percurso.


Ali perto, nas traseiras da Aya Sofia, fica o Palácio Topkapi. Tão lindo, tão lindo que nos 4 dias em Istambul fomos lá por duas vezes, em dois dias diferentes. Está bem que o “bis” não foi nem planeado nem propositado. Quem manda comprar guias e obter documentação e depois não a ler com atenção? Assim falhou a informação de que à terça-feira o Harém está fechado. Resultado: volta ao Topkapi, praticamente colado ao nosso hotel, exclusivamente para fazer os caminhos que outrora sultões e suas concubinas fizeram.


E este é, de facto, um local que é obrigatório não se perder. A visita é necessariamente guiada e, neste caso, valeu bem a pena andar em conjunto com o rebanho. Curioso. O Harém (proibido, em Árabe) já foi o edifício mais inacessível do mundo e hoje recebe enchentes de turistas que tentam ganhar posição em cada uma das imensas salas visitáveis. A competição continua por estas bandas já que antes eram as mulheres do Harém – chegaram a ser mais de 1000 as concubinas que aqui viviam – que tentavam disputar um lugar para serem consideradas a preferida do sultão. O tour permite-nos ter uma ideia do que era a vida luxuosa dos sultões, passando pelos ricos quartos privados do sultão, salão imperial, sala de jantar de Ahmet III e pavilhões gémeos, inteiramente decorados com azulejos. E dá-nos, igualmente, uma ideia da vida das concubinas, passando e passeando pelo pátio e pelos alojamentos que em tempos foi seu, bem em frente dos pavilhões gémeos, construídos para o príncipe herdeiro (para se ir habitando a ficar perto das suas inúmeras futuras mulheres?).

Para além do Harém, muito há a admirar no Palácio Topkapi. Uma manhã exclusivamente dedicada à sua visita não é demais, pelo contrário. Construído entre 1459 e 1465, logo após os Otomanos terem conquistado Constantinopla, foi a principal residência dos sultões até 1853, quando estes decidiram mudar-se para o Palácio Dolmabahçe. São pátios e mais pátios, jardins e mais jardins, pavilhões e mais pavilhões, todos debruçados sobre uma vista maravilhosa para o Bósforo.


A chegada ao terraço que dispõe de uma “janela” aberta para este estreito é deslumbrante.


Do lado oposto, no terraço de mármore com a piscina, a vista para o Corno de Ouro e Beyoglu é também imperdível. Mas aqui é principalmente o espaço que pisamos que deslumbra. A arquitectura e os pormenores dos edifícios é puro trabalho e requinte. Este é o designado 4.º pátio que, para além da piscina, acolhe a sala da circuncisão e o pavilhão de Bagdade. Igualmente, no 3.º pátio, a sala das audiências, com os imponentes trono e divãs, é inesquecível.
Uma palavra para o mobiliário que nos oferece este museu: uma colecção de coches imperiais; cerâmica, vidro e prata e uma colecção riquíssima de porcelanas chinesas; armas e armaduras; fatos imperiais; manuscritos; uma impressionante colecção de vários objectos pertencentes ao designado “tesouro”.