domingo, julho 29, 2012

O tuc-tuc


Em Khajuraho pretendiamos visitar os templos a pé, indo de um para o outro, numa jornada com poucos quilómetros.
Até que apareceu um insistente rapaz que fez questão de nos levar na sua máquina nova em folha.
E para nos receber bem ainda nos ofereceu uma banda sonora para o passeio.
Ao ver o video, atenção ao detalhe da buzina do tuc-tuc para que as vacas se desviassem.

domingo, julho 22, 2012

The Best Exotic Marigold Hotel


Nem de propósito.
Anda agora aí um filme, "The Best Exotic Marigold Hotel", baseado num livro, que relata a aventura de uns reformados ingleses que por um ou outro motivo resolvem ir para a Índia e instalar-se no dito hotel.
Dá nos uma boa imagem da reacção que nós, ocidentais, temos quando nos confrontamos com a mítica mas real Índia.
A certa altura diz-se no filme "estou no inferno" e "no início assusta".
Mas ouve-se também "pode haver outro lugar no mundo que assalte de tal forma os sentidos?" ou "escândalo de ruído e cor".
Vê se também o abanar típico da cabeça para dizer sim, mas que nos deixa na dúvida se é efectivamente um sim ou um não. Ou um talvez.
Mas o que mais dá gosto de ouvir e de acreditar é o "na India costumamos dizer no fim, tudo dá certo, portanto, se não deu certo é porque não chegou ao fim".


A Índia e Eu


À partida para a minha primeira viagem à Índia, desconfiava que não seria fácil. Hoje, já de volta, posso confirmar que foi o local mais difícil onde já estive. Difícil no sentido de uma não imediata adaptação.

Chegámos a Delhi pela hora do almoço, depois de uma longa viagem com uma noite passada no avião. Sem tempo para qualquer repouso, saímos para o acto de comer logo num dos mais típicos restaurantes da Velha Delhi, o Karim's. A comida era o que mais receava. Também se confirmou fazer sentido esse receio. Com o calor de mais de 40 graus há lugar à vontade de comer tudo menos comidas quentes e condimentadas. Mas não vimos grande saída neste primeiro dia. O mais incrível é que, de forma racional ou inconscientemente, não deu vontade de comer (uma semana depois, já totalmente adaptadas, dava vontade de comer todas as saborosas comidas que nos punham à frente).

Aqui temos pois as duas grandes dificuldades: calor e comida.

E quanto ao demais?

A comunicação é fácil, uma vez que praticamente todos trocamos umas palavras de inglês. O pior é quando perguntamos algo e nos respondem "yes" ao mesmo tempo que abanam a cabeça de uma forma singular que estamos mais perto de assumir como um talvez. Do género, "Tem quartos? Yes"  Então porque continuas a abanar a cabeça para baixo para a esquerda para cima para a direita?

Na estrada, ou nos passeios que não existem, a confusão é total. Não bastasse já a falta de hábito de conduzir e ser conduzida à esquerda, mais parece que o sentido único é ocupar qualquer espaço da estrada. Atravessar as estradas é um acto familiar e não muito complicado depois de se tentar, primeiro, atravessar as ruas de Roma - brincadeira de crianças -, depois, tentar chegar ao outro lado nas ruas das cidades do Vietname - missão impossível ao inicio, sensação de que tudo se pode ao final. Na Índia que visitamos é mais tentar perceber o que se deve contornar primeiro, se o carro, o auto-riquexó, o táxi bicicleta ou a vaca. O segredo, em qualquer dos casos, é entrar na estrada de forma determinada e esperar que sejam os outros a contornarem-nos. E resulta.

Verdadeiramente pior é a experiência de ser conduzida num auto-riquexó (vulgo tuc-tuc). Pior ainda só ir num táxi bicicleta. Aqui, aos sustos permanentes de que algo motorizado, ou uma vaca, irá contra nós, temos de nos debater com o sentimento muito pouco humano de vermos um da nossa espécie a alancar fisicamente connosco. Às duas ao mesmo tempo. Mas até podem ser mais, que a troco de umas poucas rupias tudo se consegue.

Contrariadas, aproveitamos a pujança física de um moço local para nos transportar por cerca de 3 / 4 quilómetros, quando 3 / 4 auto-riquexos nos recusaram transporte, sem que encontre explicação até hoje para tal atitude a não ser o querer evitar o trânsito caótico no caminho que pretendíamos tomar (e aqui a bicicleta deu mesmo jeito, pela forma laboriosa como se esgueirava pelas ruelas mais libertas).

Em relação aos indianos, para além de já ter tido oportunidade de referir que os acho bonitos, são também de trato fácil. Há que acrescentar, todavia, que quando respondi a um taxista que eles eram friendly (amigáveis), não mais cessamos de ser aldrabadas. Por exemplo, apesar de estarmos a menos de 1 km de distância das lojas de comércio do governo em Delhi, levamos mais de um dia a chegar lá, pois antes tivemos de visitar umas quantas lojas amigas do amigável taxista indian.

Outro exemplo, no dia seguinte tínhamos encontro marcado com o Raj Gath, jardim talvez friendly, não ficamos a saber. Outro amigável taxista contrariou por uma vez a pressa que todos metem quando toca a pisar o pé no acelerador e fez de tudo para pisar ovos e nos fazer chegar ao jardim mesmo à hora do seu encerramento. Só para, vejam que amigo, ter o prazer de nos conduzir de volta por outros recantos da cidade e receber mais umas quantas rupias pela jornada. Foi aqui que decidimos que voltaríamos ao hotel de qualquer forma menos com ele. Estávamos dispostas a caminhar mais de 5 kms por vias rápidas, já que os tais 3 / 4 taxistas nos deram a nega. Foi então que apareceu o moço da bicicleta e o nosso humanismo foi-se.

É inevitável enfiar um barrete sempre que se viaja. Mas o mais provável é que o barrete a enfiar tenha algo a ver com taxistas. O mundo é um só.

Mas friendly, friendly eram os lagartos do quarto do hotel de Agra que tinha reservado com antecedência. Parece que eles ficam só no tecto e nas paredes e não vêem ter connosco. Ok. Até consigo acreditar. Mas ter que sofrer a humilhação de ouvir que "isto é a Índia" dói.

Eu já suspeitava que não ia ser fácil. Tinha mesmo que confrontar esta que se acha uma viajante experiente e independente com essa realidade?



PS: não consegui acreditar que os friendly lagartos não viriam ter comigo durante a noite, acompanhados de outros amigos voadores, ainda para mais numa cama sem qualquer lençol para me cobrir. Paguei a noite reservada através da escolha budget da minha bíblia Lonely Planet e fui direitinha para um 5 estrelas para não ter de pensar em bichos. Uma falta de adaptação à realidade do outro que foi mais ou menos de 12 euros a 120 euros num espaço de poucos quilómetros.

Em compensação, uma conquista: numa rua estreita de Varanasi uma vaca estava estacionada languidamente e a babar-se toda a tentar, como nós, vencer o calor. Ao seu lado, no único espaço que restava, uma mega bosta. E a verdade, pasme-se, é que eu consegui seguir adiante por esta mesma rua.

terça-feira, julho 17, 2012

A Nova Delhi


Uma semana depois, voltamos a Delhi.

Delhi, Nova Delhi ou uma das 9 cidades que surgiram nesta área deste há milhares de anos, é brutal, enorme, difícil de compreender em meros quatro dias.

Inevitavelmente, acabamos por nos centrar numa pequena área, correspondente ao que poderemos designar por centro. Centro político administrativo, neste caso. Quer seja a Velha Delhi, centro do então império Mughal, que seja a Nova Delhi, criada pelos britânicos.

Delhi nem sempre foi a capital, mas sempre desempenhou um papel importante, principalmente em termos comerciais dada a sua localização, no norte da Índia, na rota do caminho entre a Ásia Central e o Sudeste Asiático.

Foi só no princípio do século XX que o Raj britânico decidiu transferir a capital do seu império na Índia de Calcutá para Delhi, tendo encarregado o arquitecto inglês Edwin Lutyens para construir a nova cidade, o que demorou cerca de 20 anos, por volta de 1914 e 1931, data da sua inauguração oficial.

A arquitectura adoptada pretendia mesclar um estilo clássico ocidental com motivos decorativos indianos. Poucos anos depois o império foi-se e Nova Delhi ficou a ser a capital do novo país independente. Com a partição entre a Índia e o Paquistão viu chegarem-lhe uma série de novos habitantes, os quais não têm cessado de se lhe dirigir desde então, perfazendo hoje um total de mais de 12 milhões de habitantes.
















O coração administrativo desta Nova Delhi projectada pelos britânicos é Vijay Chowk, a Praça da Vitória. A dimensão desta zona é inimaginável para os nossos padrões ocidentais (Rússia à parte). Uma avenida interminável ladeada por edifícios imponentes que albergam ministérios e outros serviços públicos leva até à India Gate.

Nesta zona plena de espaço e verde fica o Rashtrapati Bhavan (a residência do Presidente da Índia), os edifícios do Secretariat norte e Sul, o Sansad Bhavan (o Parlamento). Nas imediações ficam os bungalows dos funcionários e não muito longe a área das embaixadas e consulados.
















A India Gate é a parte mais animada e movimentada. E este é um dos postais de Delhi, uma porta monumental em arco de cerca de 42 metros de altura que pretende ser um memorial pelas vítimas indianas da Primeira Grande Guerra Mundial. Toda esta zona enche-se de gente, mesmo à noite, sendo os jardins laterais da avenida usados ou para se sentar descansadamente ou para jogar cricket.

E por falar em áreas de dimensões brutais, uma palavra para a Connaught Place, aí perto para os padrões delianos. É uma espécie de rotunda em três círculos, dividida em blocos, com muitos restaurantes e lojas, principalmente o círculo interior, onde ficam também uma série de mercados. É a zona comercial por excelência do centro de Delhi.






Aqui perto fica o Jantar Mantar, um observatório construído em 1724, cujas estruturas de observação solar e outros cálculos astronómicos mais parecem obras escultóricas abstractas. O contraste entre o vermelho destes equipamentos grandiosos com o verde do jardim que os envolve torna o espaço especial, um recanto encravado no meio de arranha-céus.

Continuando na Delhi moderna, dois exemplos arquitectónicos que muito apreciámos: o India Habitat Centre e o India International Centre. Ambos projectados pelo arquitecto Joseph Allen Stein e ambos localizados na zona Lodi.
















O India Habitat Centre é mais recente, de 1993, e é um centro cultural que alberga também alguns serviços públicos, em especial ligados ao urbanismo e território. Ocupa uma grande área, três blocos de edifícios unidos por pátios comuns com esculturas e aspectos decorativos. E, sobretudo, com muita vegetação, quase a lembrar uma estufa. É um espaço deveras agradável, onde não se sente o peso da construção em grande escala. Destaque ainda para uma espécie de tecto com placas, que nos faz duvidar se estamos num espaço aberto ou não.
















O India International Centre é de 1962, em estilo modernista, um local que pode receber convenções e, sobretudo, a inteligência local. Tem um género de lago onde cai em permanência um jacto de água em arco e uma cafetaria que parece ser um mimo.
















Aqui perto fica o Jardim do Lodi. Um espaço de alheamento total da confusão da cidade. Muitos caminhos há que percorrer por aqui, sempre agradáveis, seja a fazer jogging ou apenas um passeio. No meio encontramos um lago, uma mesquita e alguns mausoléus. Em cada recanto dos mausoléus ou da mesquita, um parzinho a namorar.

Esta é uma zona da cidade com avenidas espaçosas, muito verde, edifícios modernistas de baixa escala, construção de baixa densidade. Mas o mais curioso é que paredes meias pode surgir uma zona completamente diferente, cheia de confusão e gente amontoada. É o que acontece com o Lodi e o vizinho Nizamuddin. E logo a norte deste vem outra vez a pacatez com o bairro de Sunder Nagar.
















Perto deste fica Purana Qila. Ou Forte Antigo. É o que resta daquela que foi a sexta cidade em Delhi, a Dinpanhah, criada por Sher Shah, rei que afegão que governava por aqui no século XVI. A esta antiga cidade muralhada, com edifícios ainda muito bem conservados e que impressionam, nomeadamente as suas portas enormes em pedra vermelha, foram ainda acrescentadas mais construções pelo segundo imperador Mughal, Humayun. À volta das muralhas existe um lago onde é possível passear de barquinho. Mas o idílio vê-se também dentro das muralhas, com muitos pares de namorados espalhados pelo parque / jardim.
















Um pouco mais a sul, os fabulosos jardins de uma das grandes atracções de Delhi são tomados pelos turistas. O mausoléu de Humayun, mandado construir pela sua viúva em 1565, constitui o primeiro exemplo de mausoléu jardim de grandes proporções e serviu de inspiração para o Taj Mahal. Alia um estilo persa a uma mistura de pedra vermelha com mármore branco, uma opção arquitectónica tipicamente local. A enorme cúpula em mármore do mausoléu principal, precisamente o de Humayun, é absolutamente vistosa, mas encontramos um pouco por todo o lado pormenores decorativos encantadores. À volta deste mausoléu, numa combinação perfeita, acompanham-no uns enormes jardins. Mas existem ainda mais mausoléus e jardins neste complexo.
















Ainda não largando de vez os exemplos de grandiosos mausoléus que se parece encontrar um pouco por toda a cidade, o de Safdarjang, de 1754, é um dos últimos legados da arquitectura Mughal, embora a sua envolvente não esteja tão bem conservada.

Já mais afastados do centro, a uma boa dezena de quilómetros que levam bastante mais do que o esperado a percorrer dado o trânsito caótico de Delhi, ficam pelos menos dois lugares que merecem uma visita.

O lugar de Mehrauli, uma das primeiras cidades de Delhi, constituiu por volta de 1193 o centro do sultanato de Delhi, o primeiro reino muçulmano no norte da Índia. As construções que ainda hoje vemos, como mesquita, mausoléu e outros edifícios, estavam no coração da cidade muçulmana, mas o destaque maior vai para o Qutab Minar.















Este é o minarete isolado mais alto da Índia, com 72,5 metros de altura, apenas menos 5 pés do que o Taj Mahal. Baseado num estilo afegão, a sua construção foi iniciada em 1202 e apresenta cinco níveis distintos, onde se vêem diferenças arquitectónicas, resultado dos diversos acrescentos que lhe foram efectuados pelos sucessivos reinantes. Registo ainda para a existência aqui de um pilar em ferro que os cientistas de hoje ainda não descobriram muito bem como foi possível não oxidar ao longo destes séculos todos.
















O outro local a visitar é o Templo Baha, também conhecido como Templo de Lotus, dado o edifício tomar a forma, precisamente, de uma flor de lótus. Os Baha, uma das religiões mais recentes, nascida na Pérsia no século XVIII, são conhecidos pela sua tolerância religiosa e por defenderem que existe apenas um deus, uma raça, um mundo. Todos estão convidados a visitarem este templo que, preceitos e preconceitos religiosos à parte, é mesmo uma obra de arte da arquitectura moderna. Construído em 1986 pelo arquitecto canadiano-iraniano Fariborz Sahba, o edifício com as nove pétalas brancas da flor de lótus é acompanhado exemplarmente por nove pequenas piscinas às quais se chega depois de uma escadaria que poderia constituir um anfiteatro.

Este templo é visitado por centenas de pessoas por hora, a maior parte delas parecem locais, ou seja, indianos. Mas não só o templo é uma atracção. Para nós, longe de sermos umas modelos ou umas estampas, foi difícil caminhar sem sermos constantemente abordadas para tirarmos umas fotografias. Um pouco por toda a Delhi, e também em Agra, sucedia isto. Mas aqui neste templo foi verdadeiramente incrível e um pouco incompreensível até, há que assumi-lo, ver as próprias mulheres a sugerirem e empurrarem os seus maridos para tirarem fotografias com as exóticas estrangeiras. Inesquecível e ainda mais inacreditável será, porém, lembrar a miúda loura que na India Gate aceitou tirar uma foto com uns poucos rapazes e logo no momento seguinte foi engolida por, sem exagero, umas três ou quatro dezenas deles.

Fora este fait-divers, Delhi revelou ser uma cidade enorme, sim, caótica, sim, mas surpreendentemente larga e com muitas zonas verdes, sem esmagar o visitante. Provavelmente teremos esta ideia por não termos passado para os seus arredores ou subúrbios, pois que os seus 12 milhões de habitantes em algum lado terão de estar, e certamente algo amontoados.