quinta-feira, outubro 26, 2006

Istambul Vista do Ar e do Mar

Na curta passagem por Istambul, uma subida à Torre Galata pode compensar alguma coisa. Mais ainda se for realizada ao pôr do sol. Daqui, naquele que em tempos foi o ponto mais alto da cidade, vislumbra-se nitidamente a paisagem de Istambul, com o seu céu cortado, aqui e ali, pelos minaretes das mesquitas que preenchem a cidade. Com o alaranjado do sol a esconder-se, então, o cenário é indescritível, um daqueles que apenas imaginamos possível em fotografias bem trabalhadas de photoshop.


Lá de cima percebe-se, igualmente, o trânsito autómovel alucinante de uma cidade que não pára de receber turcos e árabes de todos os sítios e que hoje acolhe cerca de 12 milhões de habitantes. Do alto confirmamos ainda que Istambul se encontra cercada de água – o Mar de Mármara, o Corno de Ouro e o Bósforo. Na chegada à cidade, vinda do aeroporto, madrugada fora, tinha ficado com a ideia de que passava de carro rumo ao hotel ladeada por barcos e mais barcos. Agora, confirmo que não é apenas o trânsito automóvel que é uma loucura. Também os barcos não cessam de passar. Na verdade, o estreito do Bósforo, para além do simbolismo que representa (divide a Europa da Ásia), é também um importante curso de navegação internacional, pois é através dele que é efectuada a ligação entre o Mar Mediterrâneo (Mar Egeu e estreito de Dardanelles) e o Mar Negro, via Mar de Mármara.
Um passeio de barco pelo Bósforo acima é praticamente obrigatório numa visita a Istambul. A cidade estende-se pelas margens adentro do estreito, uma imensidão de km em direcção ao Mar Negro. A melhor forma de se passar um dia (ou metade de um dia) navegando pelo Bósforo é fazê-lo num dos ferries públicos que saem do porto de Eminonu.
Antes de iniciar viagem passamos por mais uma das zonas da cidade onde o caos impera (haverá algum local em que não seja assim?). No rebuliço do porto, inúmeros pescadores junto à Ponte Galata.


Junto aos ferries, diversas bancas de comes e bebes onde é possível provar-se a especialidade de sandes de peixe. Do outro lado da rua, a Mesquita Nova espreita a água, com o bazar das especiarias bem vigilante. Ficarão para mais tarde. Agora é tempo de “furar” Istambul, sentindo a Europa de um lado e a Ásia do outro. Na realidade, tal só se sente no mapa porque alguém traçou a divisória entre os dois continentes a régua e esquadro. Infelizmente não tive a oportunidade de pisar a parte asiática de Istambul, ainda que tanto Uskudar como Kadikoy (bairros da outra margem) estejam a uma breve viagem de ferry. Mas, diz quem sabe, pouca – ou nenhuma – diferença existe, em termos culturais, entre as “duas” Istambul. Na verdade são uma só, multicultural e moderna.

Saindo do porto, o primeiro olhar vai para o enorme Palácio Dolmabache, com os seus jardins bem ali junto ao estreito. Foi para aqui que o sultão se mudou em 1856 quando se fartou do magnífico Palácio Topkapi, que se avista daqui.


Atravessando o Bósforo, especialmente se o dia estiver bonito, com a luz natural a espelhar na água, as casas otomanas que inundam as suas margens, quase sempre bem conservadas, ganham ainda mais cor.
De regresso, após paragem para almoço na última “estação”, Anadolu Kavagi, com vista para o Mar Negro, e após a recolha de alguns figos que se encontravam pelo caminho, a saída em Besiktas. Este bairro residencial é um dos mais modernos e melhor conservados de Istambul. Caminhando em direcção à Taksim, uma praça sem graça mas com grande simbolismo e história para os seus habitantes (uma espécie de Praça do Marquês de Pombal no que diz respeito à sua ocupação para comemoração de momentos felizes), entramos na Istiklal Caddesi. Rua pedonal, atravessada somente por um eléctrico vermelho, com lojas, restaurantes e, principalmente, bares, é a zona da moda. A fauna que por aqui deambula é claramente marcada por uma influência europeia, por contraposição a uma mais conservadora forma de se expressar visualmente. Estamos, pois, no bairro de Beyoglu, onde fica a Torre Galata, a tal do pôr do sol, e que se liga à zona do porto de Eminonu através da Ponte Galata.

Istambul

Sem ilusões.
4 dias em Istambul apenas nos permitem uma visita prática aos ex-libris que já conhecemos de fotografias.
Com a Aya Sofia, a Mesquita Azul e o Grande Bazar à cabeça.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Nobel Para a Turquia

Curioso.
No ano em que visito a Turquia o Nobel da Literatura vai para um turco, Orhan Pamuk de seu nome.
Confesso que não havia conseguido decorar o seu nome, mas quando me documentei sobre o país li algo, na parte dedicada à literatura, acerca de uma obra que me entusiasmou - "Snow", uma história passada na cidade de Kars (perto da fronteira com a Arménia) sobre a questão do véu islâmico e do suicídio feminino por estas bandas.
Infelizmente ainda não tem tradução para português (as duas únicas obras de Pamuk traduzidas são "A Cidadela Branca" e "Os Jardins da Memória").

Pela Turquia...

É pena, mas acontece.
Há gente que escolhe não ir à Turquia por medo do terrorismo, esse companheiro invisível que vai dominando alguns dos nossos. E, tal como muitos outros aspectos da rotina diária que vão sendo deixados para trás, perde-se muito em aderir a esta paranóia moderna.
Já tinha marcada viagem para a Turquia para o início de Setembro. Quando rebentaram uns atentados 2 ou 3 dias antes, em diversos pontos do país, lamentei-os como os lamento sempre, seja em que ponto do globo ocorram. O local onde as bombas rebentaram encontrava-se longe daqueles que planeava visitar; mais uma razão para que nem por um segundo me tivesse passado pela cabeça a ideia de poder não viajar para o país.
Serve esta breve introdução para dizer que poucas vezes me senti tão à vontade pelas ruas das cidades / vilas de um país. Mochila às costas no meio da confusão, sem cuidados de maior. Isso quanto a eventuais assaltos, porque no que diz respeito a terrorismo não nego que pode acontecer em qualquer local mais do que pacífico e a qualquer momento. Mas não. Não tive o azar de estar no lugar certo à hora errada.
A Turquia é dos países que gera mais antipatia na Europa. Justa ou injustamente, cada um fica com a sua opinião e a minha ia e vai claramente para a última.
No que diz respeito à apreciação pelos portugueses, basta a chegada ao aeroporto de Istambul para desmistificar o ideia do aspecto “aturcalhado” que possamos ter dos seus habitantes. Poucas diferenças físicas existirão entre os turcos e os portugueses. Apreciação bem diferente, no entanto, no que toca à sua forma de vestir. Desde logo, o lenço a cobrir a cabeça das mulheres é uma presença esmagadora. Não só na Capadócia, zona central da Anatólia, como também pela maior parte das ruas de Istambul, a grande e cosmopolita cidade a meio caminho da Europa e da Ásia. Vêem-se menos mulheres de corpo inteiramente coberto, mas, ainda assim, muitas mais do que se poderia esperar de uma cidade que daqui a (poucos? / muitos?) anos virá a fazer parte da União Europeia.
No entanto, e na minha modestíssima opinião, estas questões da roupa não são mais do que fait-divers num ataque sério a fundamentalismos. Não sendo uma especialista, nem sequer breve estudiosa, em islamismo, catolicismo e outros ismos com eles correlacionados, o que vi por Istambul foi mulheres com xador, ou apenas lenço cobrindo a cabeça e camisolas de mangas compridas, caminhando pelas ruas lado a lado com meninas de t-shirt bem comportada ou moçoilas de barriga à mostra.
Contava um comerciante turco falador (duas características que dominam por aqui – comerciante e falador) que tinha conhecido há dias uma americana de Chicago que veio para a Turquia carregada de lenços para cobrir a cabeça, uma vez que tinha lido que às mulheres por estes lados lhes era exigido que vestissem assim em público. O turco, didático, explicou-lhe – e explicou-nos – que, hoje, às raparigas é lhes permitido que optem por andar vestidas como vêem as outras meninas da sua idade na televisão e nas revistas. E a esmagadora maioria veste como entende – sem lenço ou com lenço.
A Turquia é um país imenso, cerca de 8 vezes maior do que Portugal. Daí que o programa de viagem se tivesse que limitar a uns poucos dos muitos locais interessantes que o país possui. Nas 2 semanas optamos pela óbvia Istambul, acompanhada da Capadócia e de Izmir e Selkuk (Éfeso e Pamukkale). Com a excepção da Capadócia, que ainda conserva muitas tradições dos tempos antigos, tudo locais completamente ocidentalizados. De resto, algo em comum em todos estes locais: os turistas. Tivesse optado pela aventura da descoberta do Sudeste da Anatólia e talvez pudesse afirmar que havia realmente sentido o Médio Oriente.
Assim, fiquei-me pelo contacto com os turcos ocidentalizados. Abertos e simpáticos. Gostam de receber. Quando se lê numa reportagem que os turcos adoram oferecer chá a qualquer pessoa que lhes apareça pela frente e que a convidam para entrar na sua casa, isto é mesmo a realidade. E se o fazem, fazem-no por interesse: ou por quererem vender algo – mas logo avisam que só somos obrigados a beber o chá e não a comprar os seus produtos – ou por quererem simplesmente conversar, conviver. Chama-se a isto hospitalidade, literalmente.