Diz Urumo, na introdução aos seus desenhos da Viagem a Mundaka (País Basco, Espanha): "Rabindranath Tagore dizia que "quanto mais intensa for a imaginação, menos imaginários são os resultados"".
O livro Diários de Viagem 2 - Desenhadores Viajantes, editado por Eduardo Salavisa no final de 2014, mostra-nos uma outra forma de relatos de viagem e sua documentação gráfica. Em vez da mais usual (banal até para alguns dos participantes nesta obra) câmara fotográfica como companheira de passeio, vêm os cadernos. Em vez do apressado clique ao monumento por todos reconhecido, fica a pacata contemplação, de preferência sentado, de qualquer coisa que rodeie estes desenhadores viajantes - até pode ser o mesmíssimo monumento por todos reconhecido.
Quase todos os autores que aqui deixaram o seu testemunho, que antecede os seus desenhos, confluem numa mesma ideia: a de liberdade de expressão, a qual permite uma maior atenção aos detalhes, uma maior aprendizagem, enfim, "uma nova personalidade a cada viagem", como refere o citado Urumo.
Com prefácio de Alexandra Lucas Coelho, desenhos de Siza Vieira da Viagem ao Machu Picchu e de Miquel Barceló da Viagem ao Sudão, tudo o que vier a mais parece ganho. E é. Todos os contributos são especiais, diferentes e acrescentam sempre algo.
Obviamente, por razões que tocam à nostalgia de viagens passadas, não pude deixar de me encantar desalmadamente com os desenhos de Eduardo Salavisa da sua Viagem à Patagónia porque, precisamente, me recordaram a minha, em especial o tempo passado em Puerto Montt e nas vizinhas ilhas de Chiloé com as suas igrejas tão típicas.
Ao mesmo tempo, segui atentamente o relato de António José Coelho aos Himalaias e quase que junto com os seus companheiros me preocupei com a sua súbita apendicite enquanto sentia a mudança do seu traço à medida que o oxigênio em desmesuradas altitudes ia rareando.
Já a viagem de Luis Simões à Mongólia transportou-me para terras distantes e a experiência que o desenhador aí teve e nos relata e dá a ver - seguir os dias e noites no deserto com a companhia de tendas que parecem não ser desafio para o clima esmagador - é uma daquelas que nos dá vontade de largar tudo e fazer como o Luís - percorrer os próximos 5 anos pelos 5 continentes.
Talvez seja esta a viagem presente neste livro mais próxima de ir ao encontro de experiências diferentes, tão caro ao blablabla que começa a ficar tão estafado como o é a tentativa de distinguir turistas de viajantes. Muitos destes autores reclamam a arte de viajar desenhando e não fotografando como mais próxima do verdadeiro sentimento e de se atingir uma mais plena comunhão e conhecimento do outro (para além de ser uma excelente maneira de se ocupar o tempo, nomeadamente em aeroportos e comboios, e entabular conversa com o outro pela curiosidade que desperta ver alguém desenhar). Sim, é certo que para se elaborar um destes desenhos há que permitir-se ter outro tempo e outra atenção aos detalhes e que, por vezes, o mais interessante não está na Torre Eiffel, mas nas pessoas que por lá caminham ou pelos pássaros que a sobrevoam. Dizer, no entanto, que Paris não está presente nestes Diários de Viagem, mas estão Londres e Nova Iorque e com elas a cabine telefónica vermelha e o Big Ben, por um lado, e o hambúrguer e o Empire State Building, por outro. Mas estão também Marrocos, Mauritânia, Angola e Moçambique - África em força - para além de Vietname, Camboja e Alentejo, entre muitas outras.
Ou seja, há espaço para tudo, há tempo para tudo, tudo é válido. O que interessa é passear e captar detalhes que outros não viram, ou porque não observaram da mesma forma ou porque não imaginaram com tanta intensidade.