Do Barreiro já tinham chegado à outra banda notícias da sua decadência.
Mas, na primeira visita de quem se habituou a ver a carismática cidade industrial à distância do outro lado do rio, a sua decadência evidente impressiona. Muito.
Mais impressionante é constatar as potencialidades urbanísticas deste lugar: uma frente de rio extensa e aberta à imaginação; um edificado na zona velha de proporções não despiciendas e com inúmeros exemplos de palacetes em arte nova. Digo potencialidades, mas tenho de rever a ideia. Os pobres acessos, já não digo a Lisboa, mas tão somente ao Seixal e Almada, tudo condicionam.
Assim como é inegável o curso da história no último século que fez com que a indústria e o pólo ferroviário fossem perdendo força até à sua quase extinção.
Um breve apanhado da história do Barreiro: cidade centenária, possuidora de uma boa localização frente ao Tejo e a Lisboa, em 1861 assistiu à chegada dos caminhos de ferro, com a ligação de 56 km entre Barreiro e Vendas Novas, o que permitiu posteriormente que na cidade se instalassem e desenvolvessem grandes complexos industriais - a CUF chegou em 1908. A indústria química, metalúrgica, têxtil e de ácidos desenvolveria o Barreiro que se tornou assim um local atractivo para onde acorreram muitos migrantes, sobretudo do sul, em busca de trabalho.
Os anos 80 do século passado trouxeram a decadência, o envelhecimento, o desemprego. Com o encerramento quase maciço da indústria, a população barreirense passou do trabalho no sector secundário para o trabalho no sector terciário e, pior, a ter que procurar emprego fora do seu concelho. Ao envelhecimento da população juntou-se uma progressiva perda de população.
Ainda assim, o associativismo e a participação social das gentes do Barreiro sempre foram uma constante que se mantém, aqui e ali encontrando-se um clube ou uma associação.
No entanto, um rápido passeio pela zona histórica do Barreiro confirma a desertificação e, sobretudo, os problemas sociais de quem ainda a habita. Degradação urbanística, sim, mas também degradação das suas gentes, muitas entregues ao álcool e às drogas.
Fotografando um dos (para mim) pitorescos edifícios à beira rio, roupa estendida à janela, recebi gritos e gestos que me colocaram em sentido. Um pouco mais à frente, já alerta, enquanto me limitava a fotografar um edifício devoluto com graffitis que lhe devolviam o encanto perdido, recebo um convite de um vizinho do anterior para que fotografasse a sua casa de Portugal dos pequeninos. E era mesmo assim, uma casinha em que os senhores se têm que curvar para passar da porta. Pensando neste último e na agradável conversa que tivemos, não posso dizer que os barreirenses não saibam receber. E eles estão certamente conscientes dos problemas da sua cidade, cujo centro foi abandonado a favor da ocupação de blocos de apartamentos periféricos que poderiam estar em qualquer lugar do mundo.
De qualquer forma, é importante não deixar de caminhar pelas ruas do Barreiro antigo e deixar-se ficar impressionado pela elegância de outrora dos seus edifícios.
E constatar o caminho brilhante que os atentos e incisivos artistas urbanos tomaram para "povoar" o centro da sua cidade e dar-lhe cor.
A frente ribeirinha onde se apanham os barcos não é muito digna, embora a paisagem seja fantástica, de tirar o fôlego mesmo, à qual não faltam sequer os históricos moinhos. Mas seguindo rumo às torres industriais vamos assistindo ao esforço de dotar esta frente de rio de atractivos suficientes para que uma caminhada seja aprazível, velhinhos a jogar do lado de cá, barquinhos ao vento no lado de lá.
No Barreiro não se deve perder a visita ao bairro dos Ferroviários e ao bairro da Quimigal.
Mais um pouco de história:
O Bairro Operário dos Ferroviários é um conjunto de moradias geminadas, um quarteirão de edifícios de um ou dois pisos, linha verde marcante, à volta de uma praça. Habitação económica promovida pelos Caminhos de Ferro Portugueses, a sua construção começou em 1935, décadas após a instalação da linha de comboio no Barreiro.
O Bairro Operário da CUF é igualmente um conjunto de residências de habitação económica, mas desta vez de promoção privada. De dimensão nada modesta (cerca de 108 residências), as casas em banda ocupam diversos quarteirões, onde se encontram igualmente variados equipamentos públicos, como teatro, escola, mercearia, refeitório, entre outros. O edifício da Torre do Relógio destaca-se por entre as ruas de nomes como Rua Liebig, Rua Lawes, Rua Stinville, Rua Guy-Lussac, Rua Lavoisier, Rua Berthelot, Rua Dalton e Avenida e Rua da CUF.
Este bairro operário faz parte da obra social de Alfredo Silva e foi criado logo em 1908, um ano após a instalação da CUF no Barreiro. À semelhança de outros bairros operários, o princípio era o de inculcar nos funcionários o espírito da família CUF, disponibilizando assistência médica, escolas, creches, refeitórios, cinema, instalações desportivas, a par de uma habitação condigna e próxima do emprego. Hoje as características arquitectónicas originais mantém-se, sendo frequentes visitas de estudo ao bairro, testemunhando a preservação da qualidade e da unidade deste conjunto.
Ainda no Barreiro, uma última visita ao Parque da Cidade. Lugar extremamente agradável, que prova que a reversibilidade da decadência e envelhecimento são possíveis e que possível é também manter vivas as gentes da cidade, feita igualmente de jovens, num projecto que procura dar novos espaços de qualidade a uma população que não pode deixar de estar em depressão. Ao fundo uma igreja de linhas arquitectónicas modernas, numa clara ruptura com o Barreiro antigo, mas longe ainda de se integrar plenamente com a envolvente que está para além deste parque urbano.