Avelar é aquela povoação que fica para lá do campo da bola, mas que em tantos verões passados em Aldeia das Dez nunca tinha tido curiosidade de espreitar.
Desta vez cheguei a Aldeia, calor tórrido a pedir um mergulho no rio, mas decidi adiar o refresco. O plano era caminhar até ao Avelar a pé, pela estrada, e depois daí até Alvôco, cair no rio e voltar por caminhos para cima até Aldeia das Dez.
Assim o fiz.
Passei a fonte do Cabo Lugar e, como é da praxe, dei as boas tardes ao casal que aí se abastecia de água. Passei o que era a Casa do Povo e o Cemitério, já não vi o campo da bola onde há décadas ia fazer claque para o pinhal para que os coxos da nossa aldeia metessem golos, e reparei então que por esta estrada podemos não só sair para Alvôco como até chegar ao Chão Sobral.
Afinal parece que o Avelar não é o fim do mundo. Durante anos pensei que a estrada para lá era de terra batida e que não havia saída. Nada mais errado. A estrada é de asfalto e como todas por aqui: a uma curva segue-se outra ainda mais apertada; se a ida é sempre a descer a vinda é sempre a subir; a vegetação é carregada de pinhal; a paisagem é fabulosa.
Eis mais um pedaço da Serra do Açor.
O Avelar é um conjunto de pouco mais de uma dezena de casas, terá igualmente pouco mais de uma dezena de habitantes e faz parte de Aldeia das Dez.
A sua localização encravada num vale é surpreendente. A serenidade é tanta que deixando o povoado para trás, já a uma certa distância do Avelar e a caminho de Alvôco, podemos ver e ouvir o chocalhar dos rebanhos que pastam lá em baixo.
Voltemos, porém, um pouco atrás na história, mas não no caminho. De Aldeia das Dez ao Avelar são cerca de 3 ou 4 kms por estrada (não sei se haverá caminhos melhores). A natureza envolve-nos de uma forma esmagadora e é difícil não nos deliciarmos com a paisagem, mas o calor já tornava a caminhada estafante quando a cerca de um quilómetro do destino o dito casal da fonte passou de carro e me ofereceu boleia, pelo que a aceitei.
Cumpre aqui referir porque apenas neste ano de 2017 se terá feito um clique na minha vontade de visitar o Avelar. Meses antes tinha lido várias cartas entre o meu avô - que não cheguei a conhecer - e um seu tio emigrado na América em que tema recorrente era as perguntas sobre a Aldeia e o Avelar. A família paterna do meu avô era do Avelar. E, mundo pequeno, claro que fiquei a saber que o condutor da minha boleia (que afinal não era um casal) era casado com uma das primas do Avelar do meu avô. O mergulho no rio ficou adiado por mais uma hora e o passeio transformou-se em conversa e troca de (escassas) memórias.
O Avelar é apenas um ponto de passagem. Embora possua uma igreja, à semelhança do Chão Sobral são as badaladas do sino de Aldeia das Dez que se fazem sentir. As poucas pessoas que aqui vivem fazem-no num completo isolamento. Passei por aqui no dia 15 de Junho, dois dias antes do fatídico dia 17 do fogo de Pedrogão Grande, mas já pensava como seria possível viver aqui com o terror de imaginar o fogo a avançar sobre nós, tão carregada é a vegetação. Aliás, curiosa e inequívoca foi a expressão de um primo (aqui todos devem ser ainda primos) quando após se ter espantado por eu andar sozinha lhe perguntei se havia algum perigo nisso. Respondeu-me que o único perigo por aqueles lados era o “homem negro”. O fogo, pois claro. E deve ser mesmo o único perigo, porque até a chave de casa ainda fica na porta, pelo menos durante o dia.
O caminho de Avelar até Alvôco são também uns 3 ou 4 kms, mas agora numa descida mais pronunciada. A paisagem continua agradável, pura floresta.
Alvôco das Várzeas fica à beira do rio Alvôco, afluente do Alva, num vale com vista para a Serra da Estrela. Vale a pena conferir a vista da estrada nacional que segue da Ponte das Três Entradas para a Vide, do lado contrário à que entrámos agora, só para compreender a sua localização absolutamente soberba.
A estrada que vem do Avelar vai ter precisamente à ponte medieval de Alvôco, destaque total desta aldeia. Datada do século XVI, é pura elegância do alto dos seus dois arcos. Bastante inclinada, do seu topo obtém-se mais uma vista privilegiada.
Lá em baixo fica a praia fluvial de Alvôco, diz-se que aquela que possui das águas mais limpas do país. A notar pela transparência das suas águas, não duvido. E fica então cumprido objectivo do tão desejado mergulho, ainda para mais sob uma ponte medieval. Cenário mais inspirador era difícil de encontrar.
A subida de volta para Aldeia das Dez começa plana, nas margens do rio num vale junto à Moenda. A designação Moenda vem dos vários moinhos que por aqui existiam, alguns ainda em laboração pela região. Passamos por um rebanho e por uma tímida ribeira devidamente acompanhada pelo tranquilo som da sua água a correr e o descanso termina.
A partir daqui é sempre a subir. Menos de meia hora e eis que se avista formosa a igreja da nossa Aldeia miradouro.