A minha geração habituou-se a ouvir falar de Bona. Nascemos e Bona já era capital da Alemanha Federal há uns anos. Mas não muitos. Tornou-se capital em 1949, após a II Grande Guerra Mundial e as consequentes divisões da Alemanha e Berlim pelos aliados. Nessa altura, foi com surpresa que Bona ganhou a corrida ao posto de “capital provisória”, principalmente a Frankfurt, uma cidade bem maior, quer em termos de habitantes como de projecção internacional e económica. À escolha não terá sido alheio o facto de Konrad Adenauer, então chanceler, ter nascido nos arredores de Bona. O certo é que a pequena cidade, a quem alguns acusavam de provinciana e sem sofisticação para o posto, reinou até 1991 quando na sequência da reunificação alemã um ano antes se decidiu pelo retorno da capital para Berlim.
Bona fica a cerca de 30 km a norte de Colónia, a maior cidade da zona do Reno. De comboio são cerca de 20 minutos. Uma curta jornada, por isso.
A cidade pode ser pequena e pode ter perdido os serviços e ministérios do Estado. Mas pareceu bem acolhedora e com um ritmo agradável pela sua acalmia. Digo pareceu porque lá estive apenas no domingo de Páscoa e debaixo de uma chuva copiosa que, acredito, afastou toda a gente das ruas. Isto no centro. E pela manhã. Nos museus e pela tarde, já sem chuva, a multidão saiu não sei bem de onde. Afinal não serão assim tão poucos os habitantes da cidade. Ou os que existem gostam mesmo de sair das suas casas, ainda que num domingo de Páscoa com um tempo assim não tão convidativo para o passeio.
A Munster Basilika estava a rebentar pelas costuras pela missa da manhã. Uma vez mais, doloroso e ao mesmo tempo gratificante de observar a capacidade do Homem em destruir e prontamente reconstruir os imóveis que são parte da sua urbe. Esta igreja ficou praticamente toda destruída por altura da II GGM e está hoje novamente de pé.
A principal praça da Altstadt de Bona é a Markt, cujo edifício mais simbólico é o Rathaus (o equivalente à câmara municipal), com a sua fachada barroca em tons rosa e com motivos trabalhados em ouro e prata. Faz lembrar uma casa de brincar em ponto grande.
Bona tem uma das maiores universidades da alemanha, acolhendo cerca de 30000 estudantes.
Igualmente, a cultura tem uma representação bem marcada e marcante na cidade. Beethoven nasceu em Bona e por todo o lado se sente a sua presença. Há a sua casa “Beethoven Haus”, um monumento “Beethoven Memorial”, uma escultura em concreto “Beethon” e ainda um centro de congressos e concertos, uma orquestra e um festival, todos com o seu nome, respectivamente “Beethoven Halle”, “Beethoven Orchester Bonn” e Beethovenfest Bonn”.
August Macke, um dos maiores nomes do expressionismo alemão, viveu grande parte da sua curta vida criativa em Bona, até morrer num campo de batalha na I GGM. A sua casa em Bona, que servia igualmente de atelier, foi comprada e restaurada pelo “munícipio” e transformada em Museu. Todavia, para ver as suas pinturas o melhor é visitar o Kunstmuseum Bonn (ainda que tanto o Ludwig, em Colónia, como o K20, em Dusseldorf, também acolham trabalhos de Macke).
Precisamente, o Kunstmuseum Bonn, para além da sua colecção de Macke e de outros expressionistas alemães de ambas as margens do Reno, comporta ainda obras de outros artistas alemães do pós-guerra, bem como exposições temporárias. O seu edifício é também ele uma obra de arte, principalmente pela sua monumental pala e pela luz natural que o seu interior recebe. A arquitectura do edifício é obra de Axel Schultes, cujo projecto foi escolhido ainda Bona era a capital federal, apesar da construção do museu só ter terminado e aberto ao público em 1992.
Para fazer face à perda do estatuto de capital, com a correspondente saída dos serviços da cidade, o governo federal injectou bastante dinheiro para que Bona pudesse continuar a marcar o seu ritmo próprio. Com isso, e para ocupar os edifícios entretanto deixados vagos, Bona tem atraido diversas companhias e organizações internacionais.
É assim que o Bundesviertel tem vindo a ver a sua renovação com a instalação destas recém chegadas entidades, quer alemãs quer internacionais, onde antes tinha lugar a Chancelaria, o Parlamento e a residência oficial do presidente, por exemplo. Nesta zona, também conhecida por “Museumsmeile”, ficam ainda alguns excelentes museus como o já citado Kunst, o Haus der Geschichte der Bundesrepublik Deutschland, sobre a história recente alemã do pós-guerra, e o Museum Koenig, de história natural.
Nas traseiras desta área, e a caminho do Schloss Poppelsdorf com a sua imensa avenida verde de mesmo nome a desembocar na Universidade de Bona, fica um bairro residencial (e onde estão ainda instaladas algumas embaixadas e consulados) que desconheço o nome mas que foi, talvez, o que mais me encantou e marcou na cidade e aquilo que mais recordarei. O bairro em si não tem nada de especial. Talvez por isso. É puramente residencial, com edifícios de 2 ou 3 andares de ambos os lados das estreitas ruas, com lombas imensas para poderem quebrar a velocidade dos carros e, assim, permitirem às crianças desviarem-se com todo o tempo do mundo do caminho, fazendo uma ligeira pausa nos seus jogos. À entrada da frente das casas, nos seus pequenos jardins, várias bicicletas estacionadas, como prova de que aquele é o meio de transporte de eleição por aquelas bandas. Agrada-me a ideia. Cidade plana, bem se vê, o estafado argumento para justificar o porquê de não se ver bicicletas nas ruas de Lisboa. O curioso é que as bicicletas de Bona, ou de Colónia, Dusseldorf, Berlim e, provavelmente, de toda a Alemanha, são bicicletas cujo modelo no nosso país é mais conhecido por “pasteleira”. Aquelas duas rodas mais do que datadas e fora de moda, que apenas se vislumbram nas aldeias. As (poucas) bicicletas de Lisboa não, essas são de marca, Scott, Trek, Kona, Giant ou, mais modestamente, da Decathlon, como a minha. A estas usamo-las para passear e são de “topo”. Os alemães usam-nas para o seu dia-a-dia e são “rascas”, deixam-nas à porta de casa (mal) amarradas a qualquer lado, ao frio e à chuva, mas dão-lhes uso.
Estranha forma de vida esta, a de andar sob duas rodas e a de viver na calmaria, vendo os filhos brincar à porta de casa sem que os carros lhes passem por cima.