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Não sou católica nem tenho qualquer outra religião e pouco entendo das escrituras e mandamentos sagrados. Tenho, isso sim, algum preconceito em relação à "nossa" igreja e, em geral, às peças do rebanho que comanda. Nomeadamente, impressiona-me alguma hipocrisia e as mentes pouco abertas.
Dito isto, no passado fim-de-semana fui a Fátima ver a nova igreja que tomou o nome de Santíssima Trindade.
Nunca antes havia estado no santuário. Gostei do que vi, no que aos novos elementos arquitectónicos e artísticos diz respeito.
No entanto, os comentários que se ouviam das muitas pessoas que por lá estavam não iam no mesmo sentido.
“Que simplicidade”, “sempre a mesma coisa”, “chapa 5”, foram algumas considerações após uma descida ao espaço da “Reconciliação”, onde estão instaladas umas quantas capelas absolutamente pacificas (para mim, claro está) nas linhas direitas e despojadas do seu desenho. E acolhedoras, que é o que se exige num espaço destes.
No átrio que dá acesso a estas capelas encontram-se uns painéis de azulejos com figuras traçadas por Siza Vieira.
Todavia, a maioria dos mimos ia direitinha para a “Cruz Alta”, escultura com 34m de altura em aço corten da autoria do alemão Robert Schad. Mais uma vez, não posso estar em maior desacordo. Este foi, aliás, o aspecto que mais me seduziu em todo o santuário. Agradou-me como o artista conseguiu criar de uma forma deveras original o símbolo de Cristo na cruz com umas poucas variações de linhas rectas. Mais uma vez, as linhas direitas, a simplicidade. Porém, existem algumas perspectivas em que as formas dos pés, joelhos, mãos, braços e cabeça não são totalmente evidentes.
Outro dos pontos altos é o conjunto de painéis em bronze na porta principal criados por Pedro Calapez.
E, por fim, vamos ao princípio e ao principal – a igreja da Santíssima Trindade em si.
Obra do arquitecto grego Alexandros Tombazis, tem 12 portas de entrada (fora a principal, dedicada a Cristo), uma por cada um dos apóstolos, com passagens da Biblia alusivas a cada um deles. A igreja ganhou formato circular e comporta cerca de 9000 pessoas sentadas. É a 4.ª maior do mundo e uma vez lá entrando a dificuldade é acreditar que possam existir igrejas ainda maiores. Parece que estamos dentro de um teatro, com o palco lá em baixo.
E lá em baixo fica o presbitério, com um mural de 500m2 em ouro e terracota, com milhares de pequenos mosaicos em ouro. Obra de um jesuíta esloveno de nome Marko Ivan Rupnik.
Aqui encontramos, ainda, um crucifixo de 7,5 metros da irlandesa Catherine Green. Dada a imagem do rosto e corpo algo dura de Cristo na cruz, nada usual, esta obra é outro dos alvos de estimação das críticas dos fiéis.
Lá do outro lado do santuário, frente a frente com a nova igreja, fica a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, edifício que, mais uma vez impressiona. De traço tradicional, aqui a surpresa é deparar-nos, pode dizer-se sem ponta de exagero, com a exiguidade do espaço. Isto por que nos habituámos desde há muitos anos a assistir ao fenómeno das multidões que para lá acorrem em peregrinação – escassas dessas pessoas serão as que lá conseguirão entrar e ainda mais escassas as que lá conseguirão permanecer.
Outro aspecto verdadeiramente impressionante – este de um ponto vista sociológico – é observar o martírio daqueles que se arrastam de joelhos de uma ponta à outra do santuário vindos sabe-se lá de onde.
Impossível deixar de me emocionar com o sacrifício alheio a que chamam fé.