sábado, agosto 28, 2010
Maras/ Moray
Moray foi o primeiro sitio que visitamos e, logo, que surpresa, que lugar incrível. É um anfiteatro circular que os incas criaram e usaram para fazerem experiências com as várias espécies de culturas, dado o microclima que aqui se verifica. O nosso guia explicou que por cada socalco a temperatura descia dois graus centígrados. Fizemos questão de descer tudinho até lá baixo (estes “degraus”, pode não parecer, mas são enormes) e, há que dizê-lo com frontalidade, não o sentimos. Mas isso não retira nenhum encanto a Moray. Aliás, creio, daqui podiam ser inventadas as mais disparatadas histórias que bastava-nos tapar os ouvidos e só ver e ver e ver a lindeza que é este lugar rodeado pelas montanhas dos Andes, alguns com os seus picos nevados. A única coisa que se perdia era perceber como é tão fantástica também a acústica do sítio.
Moray fica perto do lugarejo de Maras onde, outra surpresa, existem umas salinas exploradas já desde o tempo dos incas. Divididas em quadrados ou rectângulos que vistos de longe parecem conter neve, estas salinas estão encravadas entre montes e vão se revelando aos poucos. Caminhamos pelas estreitas passadeiras que dividem os vários cantinhos, tentando não cair na saladeira, enquanto os senhores e senhoras os vão trabalhando e nos permitem confirmar que aquela água não é água, aquela neve não é neve, é mesmo sal e bem salgadinho.
sexta-feira, agosto 27, 2010
Vale Sagrado
Dadas as distâncias, as estradas e a própria flexibilidade e frequência de transportes públicos, a melhor opção para se visitar o Vale Sagrado é através de uma visita organizada em grupo (ou alugando um táxi só para nós). Com isso perde-se uma das experiências mais incríveis que se pode ter na América do Sul – o viajar com e como os locais.
Os lugares indisputados são os de Maras e Moray, Pisac e Ollantaytambo, bem como os mercados de Pisac e Chincero. O problema das excursões, para além de lá caírem os bimbalhocos todos (lugar onde livremente nos poderão também incluir), é que uns pretendem dedicar mais tempo aos sítios arqueológicos, outros aos mercados para as comprinhas e outros ainda ao almoço. Para agradar a todos, e como de costume, feitas as contas não se fica tempo suficiente em nenhum lado. Ou seja, resta aquela sensação do podia ter sido mas não foi. E foi mesmo o caso, com direito, porém, a um bónus de uma emocionante discussão e quase motim quando o intrépido guia decidiu arrancar com o autocarro face ao atraso do casalinho peruano, mesmo tendo estes os seus pertences no dito autocarro. “Solidários”, gritou a argentina ao meu lado, talvez em memória do seu conterrâneo mais famoso. O certo é que o autocarro não arrancou sem o parzinho e estes insistiram em continuar a chegar atrasados. Resultado? Chegada a Chincero no final do dia, com a noite posta.
Uma treta, esta vida de excursionista forçada.
No entanto, esta visita pelo Vale Sagrado, com o Rio Urubamba e as montanhas dos Andes por companhia é obrigatória e inesquecível pela quantidade e qualidade de vestígios portentosos que os incas nos legaram.
Os lugares indisputados são os de Maras e Moray, Pisac e Ollantaytambo, bem como os mercados de Pisac e Chincero. O problema das excursões, para além de lá caírem os bimbalhocos todos (lugar onde livremente nos poderão também incluir), é que uns pretendem dedicar mais tempo aos sítios arqueológicos, outros aos mercados para as comprinhas e outros ainda ao almoço. Para agradar a todos, e como de costume, feitas as contas não se fica tempo suficiente em nenhum lado. Ou seja, resta aquela sensação do podia ter sido mas não foi. E foi mesmo o caso, com direito, porém, a um bónus de uma emocionante discussão e quase motim quando o intrépido guia decidiu arrancar com o autocarro face ao atraso do casalinho peruano, mesmo tendo estes os seus pertences no dito autocarro. “Solidários”, gritou a argentina ao meu lado, talvez em memória do seu conterrâneo mais famoso. O certo é que o autocarro não arrancou sem o parzinho e estes insistiram em continuar a chegar atrasados. Resultado? Chegada a Chincero no final do dia, com a noite posta.
Uma treta, esta vida de excursionista forçada.
No entanto, esta visita pelo Vale Sagrado, com o Rio Urubamba e as montanhas dos Andes por companhia é obrigatória e inesquecível pela quantidade e qualidade de vestígios portentosos que os incas nos legaram.
quinta-feira, agosto 26, 2010
Cusco, o Umbigo do Mundo
Indo directamente ao assunto: depois de conhecer Sucre e Potosi, na vizinha Bolivia, a bitola no que a encantamento diz respeito por cidades coloniais fica muito elevada. Ou seja, cara peruana Cusco, até o tentaste mas não o conseguiste. Não obstante, mereces muitas palavrinhas e fotografiazinhas.
Cusco é a porta de entrada para a maioria dos turistas que visitam o Peru e é uma excelente base para se partir para inúmeras atracções no Peru. Facilmente se perde (ou, neste caso, ganha) à sua volta um mês a visitar locais tão diferentes como as igrejas da própria cidade de Cusco, a omnipresente Machu Picchu, as cidadelas no Vale Sagrado e os seus mercados artesanais e têxteis, caminhando, pedalando, andando a cavalo ou fazendo rafting nas suas proximidades ou partindo para umas trips de 4 ou 5 dias para o Parque Nacional Manu (já na selva da Amazónia) ou para o Lago Titicaca e suas ilhas flutuantes. Tudo sempre com muita emoção e boa onda.
Porém, antes de ser uma cidade colonial, Cusco foi o centro do império Inca. Reza a lenda que o primeiro Inca, Manco Capac, foi mandatado pelo deus do sol, Inti, para encontrar um local a que correspondesse o umbigo do mundo – e eis como surgiu Cusco, ou Qosq´o em Quechua. Depois, os espanhóis chegaram em 1533 e começou a queda dos incas e o ocaso de Cusco. Destruição pelos espanhóis e destruição por alguns terramotos levam a que hoje quase não se encontrem vestígios dos incas em Cusco (bem diferente é o que se passa nas suas redondezas), tirando os muros inca da estreita Hatunrumiyoc e da não tão larga assim Loreto, bem como de alguns aspectos preservados do sítio de Qorikancha, em tempos o mais rico templo do império inca.
Até que em 1911 Machu Picchu foi “descoberta” e desde ai Cusco entrou definitivamente no mapa da arqueologia mundial e no pensamento de 10 em cada 10 turistas do planeta Terra.
E turistas é o que mais se encontra em Cusco. Bares, restaurante, agências de viagem, lojas de câmbio, tudo. Queremos ver as meias-finais do Mundial de Futebol da África do Sul? É só escolher entre o bar uruguaio, o bar holandês, o bar alemão ou o bar espanhol. Este último é mais difícil, tal é ainda o ressentimento para com os espanhóis. Mas espanholitos é o que não falta por aqui. Melhor, parece não faltar nenhuma nacionalidade neste melting pot em que todos nos encontramos num mesmo sítio com um objectivo comum: o cumprir de um sonho, de uma aventura, a chegada a Machu Picchu, seja a caminhar, a cavalo, de comboio, o que é preciso é chegar à mais mítica.
Cusco é a Plaza de Armas, imensa, com a catedral a dar-nos as horas, como se fosse necessário haver horários nos fins de tarde de tempo limpo e azul intenso passados num dos balcões dos seus edifícios coloniais (já bem adulterados). Ou simplesmente sentados junto a uma das colunas que nos deixam entrever a Plaza.
Os turistas têm até direito a MacDonalds. Ou, melhor, os cusquenhos têm direito a MacDonalds. Aliás, é só começar a descer a Av. del Sol, fugindo da Plaza de Armas, para se sentir que Cusco tem vida para além dos turistas, com universidade, tribunal, lojas práticas. Mas esta demarcação, que surge naturalmente, é bastante vincada, pois afastando-nos um pouco da praça deixa-se quase de ver turistas para se ver quase só cusquenhos. O que, se não é perfeito, evita-nos aquela sensação de passar por uma cidade sem a compreender nadinha, sem vislumbrar sequer um seu habitante, sem chegarmos sequer a poder imaginar como será um pouco da sua vida do dia a dia.
Voltando à Plaza de Armas, junto aqui fica a zona mais turística, com as ruas desordenadas com as lojas para os mochileiros e os mercados sempre iguais. Um pouco mais afastado fica o bairro de San Blás. Onde? Lá para cima, é subir um pouquinho. Só que… qualquer pouquinho nesta altitude equivale a subir todos os degraus da Torre dos Clérigos a correr. Em San Blás ficam os artesãos e os estrangeiros que aqui chegaram, viram e ficaram. É, talvez, dos lugares mais pitorescos de Cusco, onde o esforço de caminhar pelas suas ruas estreitas e inclinadas compensa, mais não seja pela vista que se vai poder observar.
E de Cusco, tirando alguns pequenos museus algo interessantes, estamos mais ou menos conversados. Partamos, então, rumo ao Vale Sagrado, onde o nosso carote bolleto turístico nos dará acesso a um punhado de sítios fantásticos.
(Apenas um comentário mais. Aqui há três anos havíamos estado em Puno, cidade peruana junto ao Titicaca, e pudemos verificar que os edifícios pura e simplesmente não eram terminados, ficando não só por pintar como por levar telhado. Em Cusco e arredores tudo é diferente. A província é outra, certo. Mas a diferença é grande e tirando a paisagem que nos é estranha, os telhados com telha de cor ocre é nos bastante familiar. Dá um ar mais composto e deixa-nos a impressão de que esta zona não será assim tão pobre. Será?)
Cusco é a porta de entrada para a maioria dos turistas que visitam o Peru e é uma excelente base para se partir para inúmeras atracções no Peru. Facilmente se perde (ou, neste caso, ganha) à sua volta um mês a visitar locais tão diferentes como as igrejas da própria cidade de Cusco, a omnipresente Machu Picchu, as cidadelas no Vale Sagrado e os seus mercados artesanais e têxteis, caminhando, pedalando, andando a cavalo ou fazendo rafting nas suas proximidades ou partindo para umas trips de 4 ou 5 dias para o Parque Nacional Manu (já na selva da Amazónia) ou para o Lago Titicaca e suas ilhas flutuantes. Tudo sempre com muita emoção e boa onda.
Porém, antes de ser uma cidade colonial, Cusco foi o centro do império Inca. Reza a lenda que o primeiro Inca, Manco Capac, foi mandatado pelo deus do sol, Inti, para encontrar um local a que correspondesse o umbigo do mundo – e eis como surgiu Cusco, ou Qosq´o em Quechua. Depois, os espanhóis chegaram em 1533 e começou a queda dos incas e o ocaso de Cusco. Destruição pelos espanhóis e destruição por alguns terramotos levam a que hoje quase não se encontrem vestígios dos incas em Cusco (bem diferente é o que se passa nas suas redondezas), tirando os muros inca da estreita Hatunrumiyoc e da não tão larga assim Loreto, bem como de alguns aspectos preservados do sítio de Qorikancha, em tempos o mais rico templo do império inca.
Até que em 1911 Machu Picchu foi “descoberta” e desde ai Cusco entrou definitivamente no mapa da arqueologia mundial e no pensamento de 10 em cada 10 turistas do planeta Terra.
E turistas é o que mais se encontra em Cusco. Bares, restaurante, agências de viagem, lojas de câmbio, tudo. Queremos ver as meias-finais do Mundial de Futebol da África do Sul? É só escolher entre o bar uruguaio, o bar holandês, o bar alemão ou o bar espanhol. Este último é mais difícil, tal é ainda o ressentimento para com os espanhóis. Mas espanholitos é o que não falta por aqui. Melhor, parece não faltar nenhuma nacionalidade neste melting pot em que todos nos encontramos num mesmo sítio com um objectivo comum: o cumprir de um sonho, de uma aventura, a chegada a Machu Picchu, seja a caminhar, a cavalo, de comboio, o que é preciso é chegar à mais mítica.
Cusco é a Plaza de Armas, imensa, com a catedral a dar-nos as horas, como se fosse necessário haver horários nos fins de tarde de tempo limpo e azul intenso passados num dos balcões dos seus edifícios coloniais (já bem adulterados). Ou simplesmente sentados junto a uma das colunas que nos deixam entrever a Plaza.
Os turistas têm até direito a MacDonalds. Ou, melhor, os cusquenhos têm direito a MacDonalds. Aliás, é só começar a descer a Av. del Sol, fugindo da Plaza de Armas, para se sentir que Cusco tem vida para além dos turistas, com universidade, tribunal, lojas práticas. Mas esta demarcação, que surge naturalmente, é bastante vincada, pois afastando-nos um pouco da praça deixa-se quase de ver turistas para se ver quase só cusquenhos. O que, se não é perfeito, evita-nos aquela sensação de passar por uma cidade sem a compreender nadinha, sem vislumbrar sequer um seu habitante, sem chegarmos sequer a poder imaginar como será um pouco da sua vida do dia a dia.
Voltando à Plaza de Armas, junto aqui fica a zona mais turística, com as ruas desordenadas com as lojas para os mochileiros e os mercados sempre iguais. Um pouco mais afastado fica o bairro de San Blás. Onde? Lá para cima, é subir um pouquinho. Só que… qualquer pouquinho nesta altitude equivale a subir todos os degraus da Torre dos Clérigos a correr. Em San Blás ficam os artesãos e os estrangeiros que aqui chegaram, viram e ficaram. É, talvez, dos lugares mais pitorescos de Cusco, onde o esforço de caminhar pelas suas ruas estreitas e inclinadas compensa, mais não seja pela vista que se vai poder observar.
E de Cusco, tirando alguns pequenos museus algo interessantes, estamos mais ou menos conversados. Partamos, então, rumo ao Vale Sagrado, onde o nosso carote bolleto turístico nos dará acesso a um punhado de sítios fantásticos.
(Apenas um comentário mais. Aqui há três anos havíamos estado em Puno, cidade peruana junto ao Titicaca, e pudemos verificar que os edifícios pura e simplesmente não eram terminados, ficando não só por pintar como por levar telhado. Em Cusco e arredores tudo é diferente. A província é outra, certo. Mas a diferença é grande e tirando a paisagem que nos é estranha, os telhados com telha de cor ocre é nos bastante familiar. Dá um ar mais composto e deixa-nos a impressão de que esta zona não será assim tão pobre. Será?)
domingo, agosto 08, 2010
Lima La Fea?
De tanto ouvir que Lima não tinha nada, nada havia a conhecer, não valia a pena perder tempo com uma cidade feia e sem atractivos para o viajante, quase que acreditei. Quase. Passei lá apenas 2 dias inteirinhos, mais um fim de tarde. No total, foram 3 idas a Lima. 3 idas que não deram para compreender a capital do Peru (aliás, nunca chego a compreender uma cidade). Mas que, sei-o agora, foram insuficientes para qualquer tentativa de compreensão. Moral da história? Nunca acreditar em tiradas do género “aquele sitio não vale nada”.
Mais a mais, a minha história com Lima é até bem incompreensível. Estreei-me na América do Sul, em 1988, com a Venezuela, com uma curta paragem em Caracas (lembro-me dos seus barrios – estética urbana até ai inimaginável para uma adolescente portuguesa – e de um seu centro comercial ultra moderno – algo igualmente inimaginável para os adolescentes portugueses de então, apesar de as Amoreiras serem então um bebé de quase 3 anitos). Desde aí tenho voltado por diversas vezes à América do Sul. Lima sempre foi uma cidade que desejava conhecer. Melhor. Lima sempre foi a cidade que desejava conhecer. Sem que saiba porquê.
O primeiro dia em Lima passámo-lo todo entre os bairros chiques e modernos de Miraflores, Barranco e San Isidro, por esta ordem. Uma doce caminhada sempre junto ao Oceano Pacifico com os surfistas em manobras lá em baixo. Digo lá em baixo porque a costa desta zona de Lima é verdadeiramente esquisita. Ao areal não muito extenso segue-se uma montanha abrupta de cerca de uns vinte metros que separam a “cidade” da praia. Lima é a segunda maior cidade do mundo num deserto (a primeira é o Cairo) daí que a paisagem seja muitas das vezes algo inóspita. Mas… quem tem o mar por perto tem quase tudo. E quem tem ondas, bom, aí tem mesmo tudo.
O extenso pontão (“muelle”) lá em baixo, na Playa Costa Verde, vem trazer um pouco de beleza á paisagem (e, parece, traz também um agradável sabor ao paladar, já que é lá que fica o famoso restaurante Rosa Naútica).
Antes disso, porém, cá em cima, passámos pelo Parque del Amor e as suas esculturas de amantes e idílicos banquinhos de azulejo a lembrar Gaudi com frases apaixonadas de amor definitivo com vista para o Oceano.
Um pouco mais adiante, e sempre virado para o mar, fica o LarcoMar, um complexo com lojas e restaurantes da moda, a ver se nos engana que estamos na Europa. Aqui em Miraflores é assim, praticamente os dois pés na modernidade tal como a (re)conhecemos. San Isidro igual. Barranco já tem um outro encanto, com as suas casinhas baixas e praças mais pequenas e acolhedoras.
Mas estes três bairros, suspeitámos logo no primeiro dia e confirmámo-lo depois quando nos dedicámos ao centro de Lima, são um caso à parte. Aqui os miúdos vestem de Quiksilver e Billabong, passariam por um qualquer miúdo da nossa linha. Já os miúdos do centro – e as lojas – fazem-nos lembrar o Portugal dos anos 80. Um contraste imenso, como duas cidades distintas na mesma cidade. Nada que desiluda, refira-se.
Pelo contrário, o centro de Lima acabou por ser uma agradável surpresa. Esqueça-se a Jirón de la Unión – as compras têm mesmo de ser em Miraflores. Mas faça-se questão de a atravessar para se sentir o movimento da capital, parando nas várias igrejas dos seus arredores até chegar à Plaza de Armas, o verdadeiro centro não só da cidade como do país. Aqui se montam os ecrãs gigantes para se acompanhar o campeonato do mundo, aqui vêm os noivos fotografar o seu casamento, aqui o povo mostra o seu descontentamento face a qualquer aspecto social (ainda para mais o Palácio do Governo até está instalado na Praça), aqui as gentes de todo o Peru desembocam para fazer as suas festas, vestidas a rigor, tocando a sua música, como aconteceu naquele domingo fervilhante de vida que tivemos a sorte de testemunhar.
Para lá da Plaza de Armas fica o Rio Rimac (seco) e a paisagem dura dos morros com as suas casas alcandoradas. Mas antes, paragem obrigatória para quem gosta das letras ou, então, vá lá, de comboios. A antiga Estación de Desamparados já não vê passar comboios, mas podemo-nos sentar nos bancos onde outrora se aguardava por eles a ler um bom livro da boa literatura peruana, uma vez que o edifício da antiga estação foi maravilhosamente reconvertido na Casa da Literatura Peruana (site em http://www.casadelaliteratura.gob.pe/ ). Mais cultura na zona central de Lima encontramo-la rumando em direcção do Centro Civico (concorrente de peso de Miraflores no quesito compras em lojas da moda) e chegando ao Parque da Cultura, onde se encontram o Museo de Arte Italiano e o Museo de Arte de Lima (sem tempo, infelizmente, para os visitarmos).
Para lá chegar, e depois de voltinhas e mais voltinhas pelas ruas que rodeiam a Plaza de Armas, encontramos uma série de edifícios coloniais, uns vermelhos ocre, outros de um azul vivíssimo, outros ainda verdes ou amarelos, com os seus balcões típicos. Quem consegue manter a ideia de que Lima é feia depois de sentir a companhia de todo este colorido? Ok. Está bem. Há que dizer para quem não sabe. Lima tem um problema. Grave. O céu. O que é que tem o céu, pergunta alguém? Pois, esse é o problema, não se consegue ver o céu para lá das sempre presentes nuvens. Razões geográficas explicam o fenómeno e a corrente fria de Humbolt aparece como ré. Qualquer coisa assim do género, os ares que vêm do Pacifico esbarram na Cordilheira dos Andes, não muito longe dali, donde resulta uma concentração estranha no ar que faz com que a humidade e as nuvens ali assentem arraiais. E pronto, esta é a história dos edifícios coloridos – são assim para combater a tristeza da escuridão que o céu nos traz em Lima.
E por fim, apenas tivemos direito (= tempo) a uma escapadela até ao Bairro Chino, a sudeste da Plaza de Armas. A forte imigração chinesa para o Peru iniciou-se no século XIX e hoje forma uma das maiores comunidades fora do seu país (tal como a comunidade japonesa). A rua que lhe serve de entrada tem um arco chinês a anunciar o bairro e logo aqui se percebe que a vida é intensa, um corrupio para lá e para cá quer dos comerciantes quer dos visitantes que enchem as inúmeras chifas (restaurantes chineses peruanos). Alguém tinha desaconselhado a vinda até aqui por questões de segurança. Mais uma vez, em boa hora não demos ouvidos a esta tirada tão comum. Lima terá certamente muitos problemas de pobreza e insegurança, mas como qualquer sitio que se faz questão de visitar é só tentar agir como um local e não evitar os locais que os próprios não evitam. Ou seja, tentar a integração. Talvez com mais uns dias dedicados a Lima (que bem o merece) o consigamos plenamente.
Mais a mais, a minha história com Lima é até bem incompreensível. Estreei-me na América do Sul, em 1988, com a Venezuela, com uma curta paragem em Caracas (lembro-me dos seus barrios – estética urbana até ai inimaginável para uma adolescente portuguesa – e de um seu centro comercial ultra moderno – algo igualmente inimaginável para os adolescentes portugueses de então, apesar de as Amoreiras serem então um bebé de quase 3 anitos). Desde aí tenho voltado por diversas vezes à América do Sul. Lima sempre foi uma cidade que desejava conhecer. Melhor. Lima sempre foi a cidade que desejava conhecer. Sem que saiba porquê.
O primeiro dia em Lima passámo-lo todo entre os bairros chiques e modernos de Miraflores, Barranco e San Isidro, por esta ordem. Uma doce caminhada sempre junto ao Oceano Pacifico com os surfistas em manobras lá em baixo. Digo lá em baixo porque a costa desta zona de Lima é verdadeiramente esquisita. Ao areal não muito extenso segue-se uma montanha abrupta de cerca de uns vinte metros que separam a “cidade” da praia. Lima é a segunda maior cidade do mundo num deserto (a primeira é o Cairo) daí que a paisagem seja muitas das vezes algo inóspita. Mas… quem tem o mar por perto tem quase tudo. E quem tem ondas, bom, aí tem mesmo tudo.
O extenso pontão (“muelle”) lá em baixo, na Playa Costa Verde, vem trazer um pouco de beleza á paisagem (e, parece, traz também um agradável sabor ao paladar, já que é lá que fica o famoso restaurante Rosa Naútica).
Antes disso, porém, cá em cima, passámos pelo Parque del Amor e as suas esculturas de amantes e idílicos banquinhos de azulejo a lembrar Gaudi com frases apaixonadas de amor definitivo com vista para o Oceano.
Um pouco mais adiante, e sempre virado para o mar, fica o LarcoMar, um complexo com lojas e restaurantes da moda, a ver se nos engana que estamos na Europa. Aqui em Miraflores é assim, praticamente os dois pés na modernidade tal como a (re)conhecemos. San Isidro igual. Barranco já tem um outro encanto, com as suas casinhas baixas e praças mais pequenas e acolhedoras.
Mas estes três bairros, suspeitámos logo no primeiro dia e confirmámo-lo depois quando nos dedicámos ao centro de Lima, são um caso à parte. Aqui os miúdos vestem de Quiksilver e Billabong, passariam por um qualquer miúdo da nossa linha. Já os miúdos do centro – e as lojas – fazem-nos lembrar o Portugal dos anos 80. Um contraste imenso, como duas cidades distintas na mesma cidade. Nada que desiluda, refira-se.
Pelo contrário, o centro de Lima acabou por ser uma agradável surpresa. Esqueça-se a Jirón de la Unión – as compras têm mesmo de ser em Miraflores. Mas faça-se questão de a atravessar para se sentir o movimento da capital, parando nas várias igrejas dos seus arredores até chegar à Plaza de Armas, o verdadeiro centro não só da cidade como do país. Aqui se montam os ecrãs gigantes para se acompanhar o campeonato do mundo, aqui vêm os noivos fotografar o seu casamento, aqui o povo mostra o seu descontentamento face a qualquer aspecto social (ainda para mais o Palácio do Governo até está instalado na Praça), aqui as gentes de todo o Peru desembocam para fazer as suas festas, vestidas a rigor, tocando a sua música, como aconteceu naquele domingo fervilhante de vida que tivemos a sorte de testemunhar.
Para lá da Plaza de Armas fica o Rio Rimac (seco) e a paisagem dura dos morros com as suas casas alcandoradas. Mas antes, paragem obrigatória para quem gosta das letras ou, então, vá lá, de comboios. A antiga Estación de Desamparados já não vê passar comboios, mas podemo-nos sentar nos bancos onde outrora se aguardava por eles a ler um bom livro da boa literatura peruana, uma vez que o edifício da antiga estação foi maravilhosamente reconvertido na Casa da Literatura Peruana (site em http://www.casadelaliteratura.gob.pe/ ). Mais cultura na zona central de Lima encontramo-la rumando em direcção do Centro Civico (concorrente de peso de Miraflores no quesito compras em lojas da moda) e chegando ao Parque da Cultura, onde se encontram o Museo de Arte Italiano e o Museo de Arte de Lima (sem tempo, infelizmente, para os visitarmos).
Para lá chegar, e depois de voltinhas e mais voltinhas pelas ruas que rodeiam a Plaza de Armas, encontramos uma série de edifícios coloniais, uns vermelhos ocre, outros de um azul vivíssimo, outros ainda verdes ou amarelos, com os seus balcões típicos. Quem consegue manter a ideia de que Lima é feia depois de sentir a companhia de todo este colorido? Ok. Está bem. Há que dizer para quem não sabe. Lima tem um problema. Grave. O céu. O que é que tem o céu, pergunta alguém? Pois, esse é o problema, não se consegue ver o céu para lá das sempre presentes nuvens. Razões geográficas explicam o fenómeno e a corrente fria de Humbolt aparece como ré. Qualquer coisa assim do género, os ares que vêm do Pacifico esbarram na Cordilheira dos Andes, não muito longe dali, donde resulta uma concentração estranha no ar que faz com que a humidade e as nuvens ali assentem arraiais. E pronto, esta é a história dos edifícios coloridos – são assim para combater a tristeza da escuridão que o céu nos traz em Lima.
E por fim, apenas tivemos direito (= tempo) a uma escapadela até ao Bairro Chino, a sudeste da Plaza de Armas. A forte imigração chinesa para o Peru iniciou-se no século XIX e hoje forma uma das maiores comunidades fora do seu país (tal como a comunidade japonesa). A rua que lhe serve de entrada tem um arco chinês a anunciar o bairro e logo aqui se percebe que a vida é intensa, um corrupio para lá e para cá quer dos comerciantes quer dos visitantes que enchem as inúmeras chifas (restaurantes chineses peruanos). Alguém tinha desaconselhado a vinda até aqui por questões de segurança. Mais uma vez, em boa hora não demos ouvidos a esta tirada tão comum. Lima terá certamente muitos problemas de pobreza e insegurança, mas como qualquer sitio que se faz questão de visitar é só tentar agir como um local e não evitar os locais que os próprios não evitam. Ou seja, tentar a integração. Talvez com mais uns dias dedicados a Lima (que bem o merece) o consigamos plenamente.
domingo, agosto 01, 2010
Planos de Viagem no Peru
Em 2007 tinhamos previsto dividir-nos entre o Peru e a Bolívia, com o óbvio highlight de conquistar Machu Picchu. Só não contávamos é que seria necessária tanta antecedência para reservar um dos limitados lugares diários para o Inca Trail.
Em boa hora mudámos de planos e dedicámo-nos praticamente em exclusivo à Bolívia (com uma curta ida até Puno e às ilhas flutuantes de Uros no Titicaca peruano). Com isso, falo por mim, tive a viagem da minha vida.
Mas Machu Picchu não ficou esquecida e o ano de 2010 teria de ser o ano em que não a deixaríamos escapar. A expectativa era alta, mas não seria o único local a visitar. Metade da viagem, no entanto, seria dedicada a Cusco e seus arredores. Ainda pensámos numa ida até Manu, porta de entrada em parte da Amazónia peruana, e não muito distante de Cusco, mas ainda terei um longo caminho a percorrer para me livrar do medo da selva (logo, Iquitos, no norte da Amazónia peruana é apenas um sonho distante).
Assim, entre Arequipa e o Cañón del Colca, no sul, e Trujillo e as cidades arqueológicas e praias, no norte, optámos por estas últimas. Os textos de Gonçalo Cadilhe acerca do Museu Tumbas Reales de Sipán e as extensas ondas de Puerto Chicama e Pacasmayo foram decisivos para esta escolha do itinerário da nossa viagem que se restringiu a apenas duas semanas.
Em seguida, alguns pormenores e histórias.
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