domingo, agosto 08, 2010

Lima La Fea?

De tanto ouvir que Lima não tinha nada, nada havia a conhecer, não valia a pena perder tempo com uma cidade feia e sem atractivos para o viajante, quase que acreditei. Quase. Passei lá apenas 2 dias inteirinhos, mais um fim de tarde. No total, foram 3 idas a Lima. 3 idas que não deram para compreender a capital do Peru (aliás, nunca chego a compreender uma cidade). Mas que, sei-o agora, foram insuficientes para qualquer tentativa de compreensão. Moral da história? Nunca acreditar em tiradas do género “aquele sitio não vale nada”.
Mais a mais, a minha história com Lima é até bem incompreensível. Estreei-me na América do Sul, em 1988, com a Venezuela, com uma curta paragem em Caracas (lembro-me dos seus barrios – estética urbana até ai inimaginável para uma adolescente portuguesa – e de um seu centro comercial ultra moderno – algo igualmente inimaginável para os adolescentes portugueses de então, apesar de as Amoreiras serem então um bebé de quase 3 anitos). Desde aí tenho voltado por diversas vezes à América do Sul. Lima sempre foi uma cidade que desejava conhecer. Melhor. Lima sempre foi a cidade que desejava conhecer. Sem que saiba porquê.



O primeiro dia em Lima passámo-lo todo entre os bairros chiques e modernos de Miraflores, Barranco e San Isidro, por esta ordem. Uma doce caminhada sempre junto ao Oceano Pacifico com os surfistas em manobras lá em baixo. Digo lá em baixo porque a costa desta zona de Lima é verdadeiramente esquisita. Ao areal não muito extenso segue-se uma montanha abrupta de cerca de uns vinte metros que separam a “cidade” da praia. Lima é a segunda maior cidade do mundo num deserto (a primeira é o Cairo) daí que a paisagem seja muitas das vezes algo inóspita. Mas… quem tem o mar por perto tem quase tudo. E quem tem ondas, bom, aí tem mesmo tudo.



O extenso pontão (“muelle”) lá em baixo, na Playa Costa Verde, vem trazer um pouco de beleza á paisagem (e, parece, traz também um agradável sabor ao paladar, já que é lá que fica o famoso restaurante Rosa Naútica).



Antes disso, porém, cá em cima, passámos pelo Parque del Amor e as suas esculturas de amantes e idílicos banquinhos de azulejo a lembrar Gaudi com frases apaixonadas de amor definitivo com vista para o Oceano.
Um pouco mais adiante, e sempre virado para o mar, fica o LarcoMar, um complexo com lojas e restaurantes da moda, a ver se nos engana que estamos na Europa. Aqui em Miraflores é assim, praticamente os dois pés na modernidade tal como a (re)conhecemos. San Isidro igual. Barranco já tem um outro encanto, com as suas casinhas baixas e praças mais pequenas e acolhedoras.



Mas estes três bairros, suspeitámos logo no primeiro dia e confirmámo-lo depois quando nos dedicámos ao centro de Lima, são um caso à parte. Aqui os miúdos vestem de Quiksilver e Billabong, passariam por um qualquer miúdo da nossa linha. Já os miúdos do centro – e as lojas – fazem-nos lembrar o Portugal dos anos 80. Um contraste imenso, como duas cidades distintas na mesma cidade. Nada que desiluda, refira-se.
Pelo contrário, o centro de Lima acabou por ser uma agradável surpresa. Esqueça-se a Jirón de la Unión – as compras têm mesmo de ser em Miraflores. Mas faça-se questão de a atravessar para se sentir o movimento da capital, parando nas várias igrejas dos seus arredores até chegar à Plaza de Armas, o verdadeiro centro não só da cidade como do país. Aqui se montam os ecrãs gigantes para se acompanhar o campeonato do mundo, aqui vêm os noivos fotografar o seu casamento, aqui o povo mostra o seu descontentamento face a qualquer aspecto social (ainda para mais o Palácio do Governo até está instalado na Praça), aqui as gentes de todo o Peru desembocam para fazer as suas festas, vestidas a rigor, tocando a sua música, como aconteceu naquele domingo fervilhante de vida que tivemos a sorte de testemunhar.





Para lá da Plaza de Armas fica o Rio Rimac (seco) e a paisagem dura dos morros com as suas casas alcandoradas. Mas antes, paragem obrigatória para quem gosta das letras ou, então, vá lá, de comboios. A antiga Estación de Desamparados já não vê passar comboios, mas podemo-nos sentar nos bancos onde outrora se aguardava por eles a ler um bom livro da boa literatura peruana, uma vez que o edifício da antiga estação foi maravilhosamente reconvertido na Casa da Literatura Peruana (site em http://www.casadelaliteratura.gob.pe/ ). Mais cultura na zona central de Lima encontramo-la rumando em direcção do Centro Civico (concorrente de peso de Miraflores no quesito compras em lojas da moda) e chegando ao Parque da Cultura, onde se encontram o Museo de Arte Italiano e o Museo de Arte de Lima (sem tempo, infelizmente, para os visitarmos).







Para lá chegar, e depois de voltinhas e mais voltinhas pelas ruas que rodeiam a Plaza de Armas, encontramos uma série de edifícios coloniais, uns vermelhos ocre, outros de um azul vivíssimo, outros ainda verdes ou amarelos, com os seus balcões típicos. Quem consegue manter a ideia de que Lima é feia depois de sentir a companhia de todo este colorido? Ok. Está bem. Há que dizer para quem não sabe. Lima tem um problema. Grave. O céu. O que é que tem o céu, pergunta alguém? Pois, esse é o problema, não se consegue ver o céu para lá das sempre presentes nuvens. Razões geográficas explicam o fenómeno e a corrente fria de Humbolt aparece como ré. Qualquer coisa assim do género, os ares que vêm do Pacifico esbarram na Cordilheira dos Andes, não muito longe dali, donde resulta uma concentração estranha no ar que faz com que a humidade e as nuvens ali assentem arraiais. E pronto, esta é a história dos edifícios coloridos – são assim para combater a tristeza da escuridão que o céu nos traz em Lima.



E por fim, apenas tivemos direito (= tempo) a uma escapadela até ao Bairro Chino, a sudeste da Plaza de Armas. A forte imigração chinesa para o Peru iniciou-se no século XIX e hoje forma uma das maiores comunidades fora do seu país (tal como a comunidade japonesa). A rua que lhe serve de entrada tem um arco chinês a anunciar o bairro e logo aqui se percebe que a vida é intensa, um corrupio para lá e para cá quer dos comerciantes quer dos visitantes que enchem as inúmeras chifas (restaurantes chineses peruanos). Alguém tinha desaconselhado a vinda até aqui por questões de segurança. Mais uma vez, em boa hora não demos ouvidos a esta tirada tão comum. Lima terá certamente muitos problemas de pobreza e insegurança, mas como qualquer sitio que se faz questão de visitar é só tentar agir como um local e não evitar os locais que os próprios não evitam. Ou seja, tentar a integração. Talvez com mais uns dias dedicados a Lima (que bem o merece) o consigamos plenamente.