"Viajar é interpretar. Duas pessoas vão ao mesmo país e, quando regressam, contam histórias diferentes, descrevem os naturais desse país de maneiras diferentes. Uma diz que são simpáticos, a outra diz que são antipáticos. Uma diz que são tímidos, a outra diz que não se calam durante um minuto.".
José Luís Peixoto assim o escreve no
seu mais recente livro, "Dentro do Segredo", acerca da sua visita à Coreia do Norte.
Habituei-me
a viajar sempre com a minha irmã, ambas educadas pelas mesmíssimas duas pessoas. Concordamos quase sempre,
aborrecemos-nos apenas quando eu fico cansada. Mas se é previsível que tendo sido educadas da
mesmas forma interpretamos as viagens também mais ou menos da mesma
forma, porque é que a metade que me educou não segue o mesmo caminho?
Onde a
minha mãe viu má educação e confusão, eu vi indivíduos habituados a viver com
muita gente num espaço curto. Onde a minha mãe ouviu vozes barulhentas, eu senti alegria e boa disposição. Onde a minha mãe viu mau gosto a vestir em
Hong Kong, eu vi-o apenas em Guangzhou. E aqui concordámos.
A China
está em grande, caminha num
urbanismo que podemos designar ocidental, principalmente nos erros, nós que nos habituámos a ter-nos sempre por
modelo, como se fossemos nós o império do meio. Mas enquanto um género de "Zara" não
entrar lá e fizer o que fez pela mulher
portuguesa nos anos 90, veremos sempre gente que parece ter acabado de sair do
supermercado do Café Primavera de Aldeia das Dez
com umas sapatilhas Ardidas fatelamente instaladas nos pés e vestida com uma camisola feita à mão pela avó. Mesmo que essa gente circule pelo moderníssimo metro de Guangzhou e não
numa famel pelas ruas da cidade. Ou numa bicicleta qualquer.
Eis a
nossa parca, superficial e pretensiosa interpretação
do nosso veloz passeio por entre alguns dos habitantes da cidade de Cantão.