No espaço de pouco
mais de uma década não se notam grandes alterações na paisagem urbana. Não é
notória uma transformação como ocorreu, por exemplo, a partir do final dos anos
noventa em Lisboa, em que a cidade ganhou um novo espaço urbano a Oriente e
requalificou e revitalizou espaços centrais.
Contudo, há aspectos
que mudaram e que, em parte, contribuem para que a visita actualmente ao Rio
possa ser diferente.
Saliento três
aspectos relevantes, o custo de vida, agora muito mais elevado; a pacificação,
a partir de 2008, de muitas favelas, através das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPP) e, muito por isto, a maior segurança que se sente
actualmente.
A presença das UPP,
através da permanência de polícias comunitárias nas favelas, como forma de desmantelar
os grupos de crime organizado e tráfico de droga que, anteriormente,
controlavam estes territórios, os quais funcionavam como estados paralelos,
permite, actualmente, que a cidade visitável não seja apenas a do asfalto, mas
também a do morro.
Anteriormente,
praticamente, só o morro do Pão do Açúcar / Urca e do Corcovado eram
visitáveis. Hoje para além destes, que confirmámos que continuam com vistas
lindas e com preços caros, podemos subir a outros morros e ter outros pontos de
vista surpreendentes, praticamente a custo zero.
Foi o que fizemos,
procurámos outras perspectivas da cidade maravilhosa.
Subimos ao Vidigal,
comunidade da Zona Sul, localizada entre o Leblon e São Conrado. A ideia
inicial era fazer a trilha dos Dois Irmãos, mas devido à hora adiantada optámos
por subir apenas à parte mais alta do Vidigal, o Avrão, onde se inicia a
trilha.
O “apenas” é, no entanto, relativo porque a experiência de subir de
kombi pelas ruas íngremes e estreitas da comunidade, observando as dinâmicas
dos residentes - onde uns sobem as ladeiras íngremes, outros juntam-se à beber
um chope à frente dos bares, que debitam sons altos, animados e ritmados, as
crianças lançam pipas -, é suficientemente gratificante. E torna-se ainda mais
quando chegamos ao topo, nos sentamos descontraidamente numa esplanada de um
bar, em festa, de um hostel, e somos brindados com uma vista magnífica.
Dali avista-se o
Leblon, Ipanema, Arpoador, Lagoa, as praias de Niterói, as ilhas Cagarras. Arrebatador.
Éramos para subir,
mas optámos antes por descer o morro da Urca, desde o primeiro nível do
teleférico para o Pão de Açúcar até à pista Cláudio Coutinho, na Urca. Pelo
meio cruzámo-nos com uma flora diversa e com saguis, os pequenos e encantadores
macacos que nos fazem companhia ao longo da trilha.
Subimos também ao
Forte do Leme, no topo do Morro do Leme, um espaço outrora vedado aos visitantes. A vista é igualmente
estonteante. Niterói de um lado, morro do Pão de Açúcar de outro, zona sul para
outro, com Copacabana, Morro do Cantagalo, Morro do Pavão e Pavãozinho, Morro dos Dois Irmãos, e Pedra da Gávea.
Mesmo ao lado,
subimos pela Ladeira Ary Barroso, a via principal de acesso ao Morro Chapéu da
Mangueira e ao Morro da Babilónia. A intenção principal era comer no galardoado
Bar do David, no Morro Chapéu da Mangueira, mas havia também uma vontade muito
grande de ver a vista do mirante da Babilónia. De alguma forma foi frustrante
não termos conseguido fazer este último desígnio, pois estávamos mesmo próximo,
mas Paquetá chamava por nós e como o tempo não dá para tudo e a vida é feita de
escolhas resolvemos seguir para a ilha da “Moreninha”.
Ficou a faltar, por não
haver tempo, em relação ao pré-programa ambicioso, analisar as sinuosas
montanhas através do topo do Morro do Pasmado, do Mirante Dona Marta e do
mirante Sacopã, no Parque da Catacumba, na Lagoa.
Deixaremos a
surpresa de novas possibilidades de enquadramento menos convencionais e mais
sossegadas (o Corcovado estava impossível dado a multidão) para uma próxima
vez, que talvez seja em 2016, pelos Jogos Olímpicos.
Fizemos ainda outros
programas que anteriormente não seriam tão confortáveis por questões de
segurança, nomeadamente andar pelo charmoso bairro de Santa Teresa e
deliciarmo-nos com as suas pérolas e deambularr pela Lapa, dia e noite.
Em Santa Teresa,
depois de subirmos ladeira acima via escadaria Selarón - o bonde contínua sem
estar em funcionamento-, visitámos o delicioso Museu Chácara do Céu, que
alberga a óptima coleção privada de Raymundo Ottinu de Castro Maya, que inclui
arte brasileira (o maior acervo público do artista Portinari) e europeia, numa
das suas antigas residências.
Ainda em Santa
Teresa, mesmo ao lado da Chácara do Céu, deixámo-nos estar pelo Parque das
Ruínas. Que lugar. O sossego, a vista de 360º. Ali a perfeição existe.
Actualmente é um
pólo cultural, no dia que por lá estivemos uma banda ensaiava para dar um
concerto no dia seguinte, nos resquícios do Palacete Murtinho Nobre, do final
do século XIX , local de residência da grande mecenas carioca Laurinda Santos
Lobo.
Ao final da tarde
deambulámos pelas ruas do bairro, fizemos uma parte do trajecto do bonde a pé,
entrámos nas galerias de arte, sentámo-nos para beber algo fresco enquanto a noite
caia, para de seguida jantarmos comida amazónica no Espírito Santa.
Andámos também no sopé do morro de Santa Teresa, onde fica a Lapa, bairro historicamente da boémia carioca. Em tempos idos era aqui o epicentro da malandragem, cujos malandros tinham paixão pela noite, música, jogo, boémia e pelas mulheres (sobretudo prostitutas). Como a novela Kananga do Japão mostrou, passavam as noites nas gafieiras, a dançar, vestiam-se a rigor com fato e chapéu branco estilo Panamá e frequentemente brigavam.
Depois de anos em
que o bairro dos Arcos da Lapa era um território perigoso e pouco recomendável,
sobretudo à noite, actualmente é um dos sítios mais animados para sair à noite,
com inúmeros bares e salas de espectáculos, com músicas de todo o estilo. Onde
a diversão é garantida.
Diversão garantida é
também uma roda de samba. Fomos a uma das mais badaladas do momento. Não é
sítio turístico, é antes para locais. E dos de carteirinha pelo samba. Chama-se
Samba do Trabalhador e fica em Andaraí, bairro da zona norte do Rio de Janeiro.
Ocorre às segundas-feiras, no Clube Renascença, desde meio da tarde até à
noite.
Arrisco-me a afirmar que a maioria dos que visitam o Rio de Janeiro apenas vão aos sítios mais turísticos e mantém-se pela zona sul. É um programa sedutor. Não há dúvidas. Contudo, para entender o Rio, cidade plural e de extremos, uma visita nunca ficará completa se não compreendermos as várias células urbanas que fazem o maravilhoso e diverso universo carioca.