terça-feira, dezembro 30, 2014

O Rio Mudou Muito?

No espaço de pouco mais de uma década não se notam grandes alterações na paisagem urbana. Não é notória uma transformação como ocorreu, por exemplo, a partir do final dos anos noventa em Lisboa, em que a cidade ganhou um novo espaço urbano a Oriente e requalificou e revitalizou espaços centrais.
Contudo, há aspectos que mudaram e que, em parte, contribuem para que a visita actualmente ao Rio possa ser diferente.
Saliento três aspectos relevantes, o custo de vida, agora muito mais elevado; a pacificação, a partir de 2008, de muitas favelas, através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e, muito por isto, a maior segurança que se sente actualmente.
A presença das UPP, através da permanência de polícias comunitárias nas favelas, como forma de desmantelar os grupos de crime organizado e tráfico de droga que, anteriormente, controlavam estes territórios, os quais funcionavam como estados paralelos, permite, actualmente, que a cidade visitável não seja apenas a do asfalto, mas também a do morro.
Anteriormente, praticamente, só o morro do Pão do Açúcar / Urca e do Corcovado eram visitáveis. Hoje para além destes, que confirmámos que continuam com vistas lindas e com preços caros, podemos subir a outros morros e ter outros pontos de vista surpreendentes, praticamente a custo zero.
Foi o que fizemos, procurámos outras perspectivas da cidade maravilhosa.
Subimos ao Vidigal, comunidade da Zona Sul, localizada entre o Leblon e São Conrado. A ideia inicial era fazer a trilha dos Dois Irmãos, mas devido à hora adiantada optámos por subir apenas à parte mais alta do Vidigal, o Avrão, onde se inicia a trilha.
O “apenas” é, no entanto, relativo porque a experiência de subir de kombi pelas ruas íngremes e estreitas da comunidade, observando as dinâmicas dos residentes - onde uns sobem as ladeiras íngremes, outros juntam-se à beber um chope à frente dos bares, que debitam sons altos, animados e ritmados, as crianças lançam pipas -, é suficientemente gratificante. E torna-se ainda mais quando chegamos ao topo, nos sentamos descontraidamente numa esplanada de um bar, em festa, de um hostel, e somos brindados com uma vista magnífica.
Dali avista-se o Leblon, Ipanema, Arpoador, Lagoa, as praias de Niterói, as ilhas Cagarras.  Arrebatador.
Éramos para subir, mas optámos antes por descer o morro da Urca, desde o primeiro nível do teleférico para o Pão de Açúcar até à pista Cláudio Coutinho, na Urca. Pelo meio cruzámo-nos com uma flora diversa e com saguis, os pequenos e encantadores macacos que nos fazem companhia ao longo da trilha.
Subimos também ao Forte do Leme, no topo do Morro do Leme, um espaço outrora vedado aos visitantes. A vista é igualmente estonteante. Niterói de um lado, morro do Pão de Açúcar de outro, zona sul para outro, com Copacabana, Morro do Cantagalo, Morro do Pavão e Pavãozinho, Morro dos Dois Irmãos, e Pedra da Gávea.
Mesmo ao lado, subimos pela Ladeira Ary Barroso, a via principal de acesso ao Morro Chapéu da Mangueira e ao Morro da Babilónia. A intenção principal era comer no galardoado Bar do David, no Morro Chapéu da Mangueira, mas havia também uma vontade muito grande de ver a vista do mirante da Babilónia. De alguma forma foi frustrante não termos conseguido fazer este último desígnio, pois estávamos mesmo próximo, mas Paquetá chamava por nós e como o tempo não dá para tudo e a vida é feita de escolhas resolvemos seguir para a ilha da “Moreninha”.
Ficou a faltar, por não haver tempo, em relação ao pré-programa ambicioso, analisar as sinuosas montanhas através do topo do Morro do Pasmado, do Mirante Dona Marta e do mirante Sacopã, no Parque da Catacumba, na Lagoa.
Deixaremos a surpresa de novas possibilidades de enquadramento menos convencionais e mais sossegadas (o Corcovado estava impossível dado a multidão) para uma próxima vez, que talvez seja em 2016, pelos Jogos Olímpicos.
Fizemos ainda outros programas que anteriormente não seriam tão confortáveis por questões de segurança, nomeadamente andar pelo charmoso bairro de Santa Teresa e deliciarmo-nos com as suas pérolas e deambularr pela Lapa, dia e noite.
Em Santa Teresa, depois de subirmos ladeira acima via escadaria Selarón - o bonde contínua sem estar em funcionamento-, visitámos o delicioso Museu Chácara do Céu, que alberga a óptima coleção privada de Raymundo Ottinu de Castro Maya, que inclui arte brasileira (o maior acervo público do artista Portinari) e europeia, numa das suas antigas residências.
Ainda em Santa Teresa, mesmo ao lado da Chácara do Céu, deixámo-nos estar pelo Parque das Ruínas. Que lugar. O sossego, a vista de 360º.  Ali a perfeição existe.
Actualmente é um pólo cultural, no dia que por lá estivemos uma banda ensaiava para dar um concerto no dia seguinte, nos resquícios do Palacete Murtinho Nobre, do final do século XIX , local de residência da grande mecenas carioca Laurinda Santos Lobo.
Ao final da tarde deambulámos pelas ruas do bairro, fizemos uma parte do trajecto do bonde a pé, entrámos nas galerias de arte, sentámo-nos para beber algo fresco enquanto a noite caia, para de seguida jantarmos comida amazónica no Espírito Santa.
Andámos também no sopé do morro de Santa Teresa, onde fica a Lapa, bairro historicamente da boémia carioca. Em tempos idos era aqui o epicentro da malandragem, cujos malandros tinham paixão pela noite, música, jogo, boémia e pelas mulheres (sobretudo prostitutas). Como a novela Kananga do Japão mostrou, passavam as noites nas gafieiras, a dançar, vestiam-se a rigor com fato e chapéu branco estilo Panamá e frequentemente brigavam.
Depois de anos em que o bairro dos Arcos da Lapa era um território perigoso e pouco recomendável, sobretudo à noite, actualmente é um dos sítios mais animados para sair à noite, com inúmeros bares e salas de espectáculos, com músicas de todo o estilo. Onde a diversão é garantida.
Diversão garantida é também uma roda de samba. Fomos a uma das mais badaladas do momento. Não é sítio turístico, é antes para locais. E dos de carteirinha pelo samba. Chama-se Samba do Trabalhador e fica em Andaraí, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Ocorre às segundas-feiras, no Clube Renascença, desde meio da tarde até à noite.
Arrisco-me a afirmar que a maioria dos que visitam o Rio de Janeiro apenas vão aos sítios mais turísticos e mantém-se pela zona sul. É um programa sedutor. Não há dúvidas. Contudo, para entender o Rio, cidade plural e de extremos, uma visita nunca ficará completa se não compreendermos as várias células urbanas que fazem o maravilhoso e diverso universo carioca.

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Rio de Janeiro, 12 Anos Depois

Há mais de uma década que não ia ao Rio de Janeiro, meu destino frequente e querido na década de 90.
Contrariamente a todas as vezes anteriores, desta vez a entrada na cidade maravilhosa deu-se por estrada, pela Via Dutra, a estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.
À medida que nos aproximamos do Rio de Janeiro o termómetro do autocarro revela-nos que a temperatura exterior é cada vez maior.
34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º…
…40º…
Impossível não lembrar da música da Fernanda Abreu:
Rio 40 graus
Cidade maravilha
Purgatório da beleza
e do caos...
A beleza, ali ainda não era presença, apenas o caos. Muito caos. Urbanístico. Trânsito diabólico. Inferno puro e duro.
As placas, ou “pracas” como diz uma senhora dentro do ónibus, denunciam que estamos na Baixada Fluminense.
“Penha” e avistamos a igreja da Penha lá em cima.
“Ramos” e lembro-me do piscinão de Ramos, praia artificial que o governador, de sobrenome Garotinho, inaugurou há uns quantos anos e ficou conhecida por aparecer numa novela da Globo.
“Bonsucesso” e lembro-me da música em que o Gilberto Gil canta:
“Começou a circular o Expresso 2222
Que parte direto de Bonsucesso pra depois
Começou a circular o Expresso 2222
Da Central do Brasil
Que parte direto de Bonsucesso
Pra depois do ano 2000”
O inferno continua. O sol demolidor que entra pela janela. O trânsito mais do que condicionado para entrar na cidade, que adicionado ao trânsito à saída de São Paulo, perfaz um atraso de 2 horas em relação à hora prevista de chegada.
Aproximamo-nos da zona do Terminal Rodoviário Novo Rio, em Santo Cristo, área que está a ser intervencionada para ser convertida no Porto Olímpico. Tudo parado. O trânsito continua impossível. Mais uma vez as palavras cantadas de Fernanda Abreu vêm-me à cabeça, apesar da diferença horária e localização geográfica dentro do Rio. Ainda que o nosso destino e local de residência dos próximos dias seja referido pela cantora.
“Seis e meia tô parado
Pôr-do-sol abotoado
Na lagoa, no aterro
Tô parado
Voluntários, São Clemente
Tô parado
No rebouças, túnel, velho
Tô parado pra ver
Swing-balanço-funk”
Enfim, chegamos. À Rodoviária. Agora só falta ir até São Clemente, Botafogo. Mais um pouco de paciência, depois de 8 horas dentro de um ónibus.
A sensação é que muito tem ainda que ser feito para albergar os Jogos Olímpicos que são já em 2016.
Dirigimo-nos às bancas dos táxis pré-pagos, a melhor opção com malas e com a cidade entupida, as moças debruçam-se como se estivessem a vender outro tipo de serviço, bem diferente e mais pessoal que uma viagem de táxi.
Confirma-se, muito tem que ser feito para as Olimpíadas e não só. Vamos lá Rio. Toca a melhorar para receber a molecada em 2016.
Por agora, toca para Botafogo. Rápido, motorista. Que o Rio espera por nós. E tínhamos a certeza que nos ia receber bem.

terça-feira, dezembro 23, 2014

Por São Paulo - Parte 6

Último dia em São Paulo. O regresso ao frio de Portugal está para breve.
Aproveitamos o último dia para percorrer as ruas de Vila Madalena. Na véspera esse plano foi interrompido pelo dilúvio. Ainda chuvisca, mas nada que impossibilite de passear.
Vila Madalena faz parte do distrito de Pinheiros e localiza-se na área oeste de São Paulo.
É um dos bairros boémios e criativos da cidade, pois, nos anos 70 do século XX, a comunidade estudantil foi para ali residir, devido à proximidade das Universidades.
De casas baixas, contrariando a grande densidade urbana de muitas outras áreas de São Paulo, o bairro apresenta uma topografia acidentada e uma toponímia de ruas muito singular. Nomes como Harmonia, Girassol, Purpurina, Original ali são ruas. A responsabilidade é dos estudantes, participantes do movimento anarquista, que optaram por nomes poéticos para baptizarem as ruas do bairro.
Para além de ser um bairro residencial, apresenta uma grande concentração de bares, bem como muitos ateliers, centros artísticos e lojas de cultura urbana e criativa.
Percorremos as ruas, entramos numa ou outra loja, mas acima de tudo fazemos o percurso da street art.
Primeiro vamos ver um mural do Kobra, em homenagem ao clube dos 27, isto é, os artistas que morreram com 27 anos. Janis Joplin, Amy Winehouse, Jimi Hendrix, Brian Jones, Kurt Kobain e Jim Morrison. Obra fantástica.
Seguimos até ao Beco da Escola, a área entre as ruas Belmiro Braga e Padre João Gonçalves.
Deambulamos, enchemos os olhos com a cor dos graffitis, fotografamos, admiramo-nos com a criatividade.

Horas de almoço. Vamos ao Saj, um restaurante libanês em Vila Madalena. Mais uma vez deliciamo-nos com esta culinária.
Poucas horas antes de embarcarmos para Lisboa vamos ainda buscar um livro à Livraria da Vila do JK Iguatemi. Ao último dia, depois de duas semanas pelo Brasil, entramos pela primeira vez num shopping center. Num país onde a cultura do shopping é forte, não deixa de ser uma proeza.
Antes de chegarmos à livraria, passamos pelas lojas das maiores griffes internacionais, que atestam o elevado poder de compra que alguns brasileiros adquiriram nos últimos anos.
Depois subimos ao terraço, onde vai haver um evento de corrida…em passadeiras. Está concorrido. Estranho. Só entendo um evento desta natureza pela poluição das ruas.
Mais uma vez temos oportunidade de observar a cidade de cima. Assim nos despedimos da enorme São Paulo, com os nossos olhos postos na imensidão desta metrópole.

segunda-feira, dezembro 22, 2014

Lisbon Impact



No Museu do Oriente está patente a exposição Lisbon Impact - até 25 de Janeiro. 
Abarca uma série de obras de pintura, desenhos, fotos e vídeo do indiano Deviprasad Rao, ou Devi. Interessado por cidades e sua dinâmica, nomeadamente nos domínios da arquitectura, design e planeamento, deixou-se impressionar por Lisboa e aqui desenvolveu parte do seu trabalho agora em mostra. 
Deixou a sua intuição e inspiração fluírem e o resultado é uma série de obras, em especial as pinturas, que surpreendem. Encontramos aqui algo de naif na construção dos pontos e linhas que nos dão uma paisagem de Lisboa quase sempre encavalitada. Na verdade, as colinas estão em toda a parte e os edifícios lisboetas vão surgindo de uma forma tipicamente desordenada, realidade que é muito bem absorvida e expressa na obra de Devi. Assim, para além das cores fortes da cidade - quer de dia quer de noite - não faltam o eléctrico, as ruas estreitas onde se vê ao fundo uma igreja (o Panteão é uma constante), os pátios, o rio, os telhados, as portas e as janelas. 
Uma Lisboa feita de detalhes nos quais nos revemos e descobrimos a nossa identidade.





Por São Paulo - Parte 5

Começamos o dia na Barra Funda, um bairro na zona oeste de São Paulo.
Logo que saímos do metro da estação do Terminal Intermodal Palmeiras-Barra Funda, damos com o Memorial da América Latina, que era o nosso primeiro objectivo de visita do dia.
Tivemos uma decepção ao percebermos que resolveram instalar um circo, com a respectiva parafernália, no centro de uma das praças que alberga as várias obras arquitectónicas, tirando a perspectiva global, livre e digna do conjunto arquitectónico da autoria de Oscar Niemeyer.
O Memorial da América Latina é um reduto cultural, político e de lazer projectado pelo arquitecto Oscar Niemeyer e inaugurado em 1989, como monumento à integração cultural, política e económica e social da América Latina.
O complexo é composto por vários edifícios dispostos em duas praças unidas por uma ponte. De um lado, na Praça Cívica, estão sedeados o Salão de Atos, a Biblioteca Latino-Americana, a Galeria Marta Traba e o Centro de Recepção de Turistas. No outro lado, estão o Pavilhão da Criatividade, o Auditório Simón Bolívar, o Anexo dos Congressistas e o edifício do Parlamento Latino-Americano.
Uma das obras mais emblemáticas fica na Praça Cívica e corresponde a uma escultura, também da autoria de Niemeyer, de uma mão aberta em posição vertical com o mapa da América Latina pintado em vermelho. Esta escultura, onde o mapa está a sangrar, representa a colonização brutal e a opressão que o continente sofreu, bem como a luta pela identidade e autonomia cultural, política e sócio-económica que foi empreendida. A frase que se encontra no pedestal da escultura, da autoria de Orestes Quércia, governador de São Paulo à época e idealizador do Memorial, transmite isso mesmo ao referir “O sentimento da unidade latino-americana é o limiar de um novo tempo. O esforço da organização para eliminar a opressão dos poderosos e construir um destino maior e mais justo é o compromisso solene de todos nós”.
De seguida encaminhamo-nos para o bairro Vila Pompeia onde fica o SESC Pompeia. Antes passamos pelo novo e belo, ou não fosse verde, estádio do Palmeiras.
Os SESC (Serviço Social do Comércio) são centros culturais e de lazer, com diversas valências sociais, culturais e desportivas, localizados em diversos bairros em todos os Estados do Brasil. São mantidos pelos empresários do comércio de bens e servidos e têm como objectivo proporcionar o bem-estar e qualidade de vida aos associados. Em Portugal, o que mais se assemelha, ainda que com uma irradiação bem menor, é o INATEL.
O SESC Pompeia foi instalado, em 1977, numa antiga Fábrica de Tambores sob um projecto magnífico da arquitecta Lina Bo Bardi. Atenta à vivência anterior, em que nos fins-de-semana o espaço era ocupado de forma alegre e viva pelas famílias e crianças, a arquitecta do MASP, tomou esse aspecto como pressuposto base e assumiu que a alegria deveria ser também pertença do espaço futuro.
Basta visitar o SESC Pompeia para perceber que os fundamentos base foram concretizados e que o espaço, que foi feito, tal como o MASP também de Lina, para grandes manifestações populares, foi fortemente apropriado pela população.
A arquitecta manteve os galpões pré-existentes e de forma a comportar o programa previsto edificou duas torres no único espaço possível de efectuar novas construções. Estes edifícios verticalizados para além de conferirem um aspecto monumental ao complexo, reúnem todos os equipamentos desportivos, seja a piscina, ginásio, espaços polidesportivos. A ligação entre espaços e infraestruturas de apoio, nomeadamente balneários, faz-se pelas pontes cobertas que ligam as duas torres.

A rua interna do SESC, que faz a distribuição para os vários espaços, nomeadamente auditório, biblioteca, espaços de exposições, restaurante, lanchonete, choperia, faz-nos sentir numa cidade dentro da cidade.
Para além das vivências presentes, destaca-se ainda a incorporação de algumas técnicas artesanais e sustentáveis, nomeadamente os colectores de águas pluviais e a refrigeração, que é efectuada através de processos de circulação natural.
Antes de irmos fazer o périplo da street art por Vila Madalena, vamos até ao centro a um dos ex-libris gastronómicos de São Paulo, o Estadão. O Estadão, que foi criado em 1968 por um português, tem o sanduiche de pernil mais premiado de São Paulo. Neste estabelecimento que funciona 24 horas por dia não faltam coisas apetitosas para comer.
De barriga cheia seguimos para Vila Madalena, primeiro passamos por dois murais do Kobra, depois vamos até à galeria de arte Choque Cultural.
Quando saímos à rua percebemos que o céu não tarde a abater-se sobre nós. Ainda assimcomeçamos a percorrer o Beco do Batman, um dos pontos fortes da street art em São Paulo. Com entusiasmo vamo-nos embrenhando pela rua a absorver todas as cores e representações criativas. Ouve-se um trovão e o céu cada vez está mais negro. Começa a chover. Primeiro pingos espaçados mas muito grossos. Depois começa a chover com mais intensidade.

O périplo e a sessão fotográfica são interrompidos. Abrigamo-nos por baixo de um telheiro. Chove torrencialmente. Sentimos a água a vir de um lado e de outro em direcção aos nossos pés. Não temos hipóteses, temos que sair dali. Corremos, dobramos a esquina e abrigamo-nos no primeiro boteco que encontramos.
A próxima hora é passada dentro do boteco a ver a rua inundar e transformar-se num rio. Entretanto, passam pessoas descalças, em cuecas, com o fito de tirarem os carros prestes a ficarem submersos. Na televisão passam notícias das inundações e suas consequências na Grande São Paulo. Da mesma forma que a rua inundou, regressou à normalidade, ainda que se mantivesse a chuva, mas agora com muito menos intensidade.
Voltamos à rua e deambulámos pelos eixos boémios de Vila Madalena, onde há uma grande concentração de botecos. Antes de escolhermos um, vamos à Livraria da Vila da Rua Fradique Coutinho. As Livrarias da Vila (fomos também à da Alameda Lorena e à do JK Iguatemi) são projectos fantásticos, tanto pela oferta que apresentam, como pelos criativos projectos de arquitectura de interiores.
Regressamos novamente à rua e dirigimo-nos ao Bar Filial, na Rua Fidalga, para comer a, dita por muitos, melhor coxinha da cidade. Se é a melhor não sei, mas que é muito boa garanto.
Compomos com outros acepipes, nomeadamente empada de palmito, caipirinhas e chopes, ditos como os melhores tirados da cidade.
Já com o estômago forrado, seguimos para a Freguesia do Ó, região noroeste de São Paulo, com o objectivo de irmos ao ensaio da escola de samba Rosas de Ouro. Chegamos às 23h, porque há trânsito e ainda se sente as consequências das chuvas fortes que inundaram parte da cidade. Ainda sem jantar.
Está tudo ainda calmo nas imediações da escola de samba. Umas piriguetis informam-nos que afinal o ensaio só começa à meia-noite. Resolvemos abandonar este programa e ir jantar. O corpo já pede.
Depois de algumas indecisões a escolha é o Bixiga, o bairro mais italiano de São Paulo. O bairro das cantinas. Vamos à Villa Tavola. Já passa da meia-noite e a fome aperta. Todos optamos por um dos fortes da casa, massa no rechaud, que é como quem diz o processo de confecção da massa é efectuado junto à nossa mesa.
Calha-nos um empregado de mesa muito divertido, que diz, com muita verdade, também ser cozinheiro e psicólogo. Conta-nos que vai viajar até Portugal (Coimbra), uma cidade húngara que não se lembra o nome e Helsínquia. Programa improvável, tal como um brasileiro, como ele, conhecer clubes portugueses tão inexpressivos como o Gil Vicente e o Rio Ave. Mas na verdade, este entertainer culinário tem é um carinho pela Académica. Já me tinha conquistado, mas assim não restam dúvidas.


 

domingo, dezembro 21, 2014

Por São Paulo - Parte 4

Após três dias em São Paulo fomos passar uma semana e pouco no Rio de Janeiro. De regresso a Sampa, depois de uma viagem de autocarro entre as duas cidades, iniciámos tal como tínhamos acabado a última tarde em São Paulo, novamente com uma obra do arquitecto Ruy Ohtake.
Desta vez fomos para Pinheiros, para o InstitutoTomie Ohtake.
Tomie Ohtake, de origem japonesa, para além de mãe de Ruy Ohtake é uma artista plástica renomada.
O Instituto está inserido num complexo maior, onde a cultura, trabalho e lazer estão integrados. Para além do centro cultural, na expressão do Instituto Tomie Ohtake, existe um centro de convenções e dois edifícios de escritórios. Todo o complexo apresenta uma arquitectura de vanguarda com formas futuristas.
O Instituto costuma ser palco de grandes exposições e procura difundir a vertente artística. Tivemos a sorte de estar patente uma exposição retrospectiva do mestre do surrealismo, Salvador Dali. Encontrava-se também em cartaz a, agora, Novo Banco Photo (ex-BESphoto).
Nas imediações do Instituto Tomie Ohtake, na fachada lateral da loja Fnac de Pinheiros, tivemos ainda oportunidade de nos maravilharmos uma vez mais com uma das obras mais recentes do artista de street art Kobra, desta vez em homenagem ao cantor Chico Buarque e escritor Ariano Suassuna.
O jantar de regresso a São Paulo acabou por estar em conformidade com a origem da artista que deu nome ao Instituto que visitamos nesse dia. Fomos a um restaurante japonês. Em sistema de rodízio comemos deliciosamente bem. Em qualidade e quantidade.

Por São Paulo - Parte 3

O dia começa no Copan, edifício gigante projectado, em 1951, pelo nome maior da arquitectura brasileira, Oscar Niemeyer. Apesar do projecto inicial ser de Niemeyer, este, por insatisfação quanto ao rumo da execução do projecto e por estar a caminho do grande projecto de Brasília, entregou a execução do Copan ao arquitecto Carlos Lemos.
Copan marca pela sua configuração sinuosa e pelos números. Com 115 metros de altura e 35 andares, congrega 1160 apartamentos distribuídos por seis blocos, acolhendo milhares de residentes, o que o transforma no maior edifício residencial da América Latina. Para além da componente residencial, acolhe também no piso térreo a vertente comercial.
Vamos até à sala do síndico, vulgo condomínio na nossa terra, fazemos o registo de entrada deixando os nossos nomes num caderninho (todos os visitantes do edifício têm que passar por este procedimento) e esperamos que o Jorge, deduzo que um dos vários zeladores, nos acompanhe até ao terraço. Dali avistamos mais uma vez a cidade de cima. Grande. Muito grande. Sem fim. Mesmo ao lado o Circolo Itália, que visitámos na véspera.
Em baixo um edifício com pista de atletismo. Em cima helicópteros. Vários helicópteros. Parece excêntrico, mas nesta cidade, onde o trânsito impera, acredito que seja prático.
Ainda tentamos visitar um apartamento, mas aquela hora a maioria das pessoas estão fora. Se conseguíssemos podíamos conhecer tanto um apartamento mínimo como outro maior. Cujo morador podia ser uma manicure ou um arquitecto, pois a diversidade social dos residentes é grande.
Descemos. Já no asfalto, descemos mais um pouco, ao subsolo e seguimos de metro para a Paulista, para a estação MASP-Trianon. Damos de cara com uma das obras mais emblemáticas da arquitecta Lina Bo Bardi, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), de 1968. A arquitecta de origem italiana procurou transformar este museu num espaço popular, longe, como a própria criadora referiu do “esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais”.
Com um vão enorme (70 metros), apoiado em duas grandes vigas e quadro pilares com um pé direito livre de 8 metros, o museu impressiona pelo seu estado bruto e pela forte presença na paisagem urbana.
Visitamos a bela exposição Passagens por Paris, que propõe um passeio pela arte moderna, com obras feitas entre 1866 e 1948 por artistas icónicos do período como Manet, Degas, Cézanne, Gauguin, Van Gogh, Matisse, Renoir, Toulose-Lautrec, Picasso, Modigliani, Portinari. Em comum todos eles viveram, produziram e passaram por Paris.
Ainda na Avenida Paulista visitamos a interessante exposição Cidade Gráfica, patente no Itáu Cultural.
Mais à frente deslumbramo-nos com a magia e arte do muralista e artista plástico Kobra, que homenageou Oscar Niemeyer com uma grande pintura (52 metros de altura e 16 metros de largura) na empena do edifício Ragi.
Aproveitamos também para visitar uma das poucas reminiscências que ainda sobram da fase inicial da Avenida Paulista, a Casa das Rosas.
A outrora mansão em estilo clássico francês (de 1935) que reunia os barões do café na época da prosperidade agrária, sobreviveu às diversas transformações assistidas na história económica da cidade, que se foram plasmando nas transformações da Avenida Paulista, nomeadamente quando deixou de ser a avenida ligada à agricultura, para passar a ser a via dos casarões dos industriais e depois a avenida do mundo financeiro, com os seus arranha-céusTudo em menos de um século. Actualmente, a Casa das Rosas, perpetua a memória histórica da evolução da cidade, mas transformou-se num espaço cultural ligado à poesia e literatura.
Tempo de pausa e reconforto gastronómico. Almoçamos, na área dos Jardins, no restaurante Epice, do chef Alberto Landgraf, considerado pelo S. Pellegrino World´s 50 Best Restaurants como o 36º melhor restaurante da América Latina.
A tarde foi passada no coração verde da cidade, o parque Ibirapuera, cujo projecto arquitectónico foi da responsabilidade de Oscar Niemeyer.
Deambulamos pelo parque, assistimos à dinâmica de quem ali pratica exercício ou simplesmente passeia, deliciamo-nos com as obras arquitectónicas ali presentes.
Logo de início cruzamo-nos com o Monumento às Bandeiras, homenagem aos bandeirantes, esculpido por Victor Brecheret.
Depois de entrarmos no parque confrontamo-nos com diversas obras arquitectónicas, a maioria de Oscar Niemeyer, nomeadamente o Planetário, o Museu Afro Brasil, a Grande Marquise, o Oca, o Museu de Arte Moderna (MAM), o Pavilhão Ciccilo Matarazzo, conhecido também como Pavilhão da Bienal, por ser actualmente sede da Bienal de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Auditório do Ibirapuera.
Todas as obras arquitectónicas são fantásticas, mas destaco o Auditório e a sua língua.
Aproveitamos para visitar a exposição do MAM e a Bienal de São Paulo, que se realiza a cada dois anos e é um dos eventos mais importantes das artes plásticas no mundo.
No Ibirapuera há marcas de alguns dos nomes maiores da street art, dos Gémeos e de Kobra. Os Gémeos têm um belíssimo painel à entrada do MAM, já Kobra apresenta três obras debaixo da elegante Grande Marquise, que foram feitas no âmbito da comemoração dos 60 anos da obra de Niemeyer.
À saída o sol começa a pôr-se e deliciamo-nos com as cores do final do dia.
 
Terminamos o dia no Skye Bar, na cobertura do Hotel Uniqueprojecto do arquitecto Ruy Ohtake, o mesmo do Instituto Tomie Ohtake. Aqui, num ambiente de festividade, vimos a noite chegar e a grande cidade iluminar-se. Uma delícia.