domingo, julho 30, 2017

Um filme - Chungking Express

Wong Kar-wai é um cineasta admirado um pouco por todo o mundo, embora seja visível uma clara diferenciação da sua obra antes do ano de 2000 e depois desse ano.
“In The Mood for Love” (Disponível para Amar), precisamente do ano 2000, é um filme melancólico  e de uma elegância superior, mas que marca um corte com os filmes anteriores de WKW.


Chungking Express (Chung Hing sam lam), de 1994, por exemplo, é um filme frenético, quase caótico. O ritmo aqui é intenso, por contraposição ao tempo que vai passando lento ao som do Quizás espanhol de Nat King Cole e dos jogos de fumo de cigarro em Disponível para Amar.
A música, elemento essencial no cinema de WKW, tem um papel marcante na (ainda) maior vivacidade que acrescenta a Chungking Express. A sua cena inicial, em slow-motion mas com a câmara sempre irrequieta, é acompanhada com um som que lá encaixa na perfeição: imperdível. Filmado em Hong Kong, cidade onde o realizador cresceu, este é um dos filmes indispensáveis quando se pensa na dupla cinema - Hong Kong. Hong Kong é mesmo uma personagem principal e o ritmo louco da cidade é transposto para a tela de uma forma magistral. Filmado maioritariamente à noite, são nos mostradas duas histórias separadas dentro do mesmo filme. Dois polícias de turno, cada um deles a viver o fim de uma relação, logo se deixam encantar por mulheres também elas loucas e frenéticas como a cidade. Uma misteriosa, sempre de óculos escuros, outra esfuziante, ouvindo música em altos berros. As duas em fuga, reforçando a ideia de constante movimento de Chungking Express. 
Filmado três anos antes da prevista transição de Hong Kong do Reino Unido para a China, em 1997, WKW poderia ter pensado em oferecer este presente aos britânicos ou aos chineses. Mas não, ofereceu-o a todos nós.

Um realizador - Jia Zhang-ke

Jia Zhang-ke é um dos mais estimulantes e aclamados realizadores da actualidade. Nascido em 1970, em Fenyang, província de Shanxi, China, a sua filmografia não é fácil de qualificar. Documentário ou ficção? O que é certo, porém, é que todos os seus filmes partem da realidade actual para se focarem numa análise critica da China contemporânea, interligando histórias acerca do passado e do futuro, velho e novo, tempo e espaço e mobilidade e imobilidade. São estas contradições e as tensões entre elas que nos mostram a China de hoje pelos olhos de Jia Zhang-ke, uma China distante, desconhecida e nem sempre compreendida pelo mundo ocidental. No entanto, Jia Zhang-ke é mais admirado e respeitado no ocidente do que na própria China, onde também nem sempre é compreendido e aceite. A propósito de uma comparação entre a China e a Europa e da forma como é cá recebido, o realizador diz-nos que na Europa valorizamos o seu trabalho a nível estético e que na China apreciam apenas a história e a qualidade do drama.


As atenções voltaram-se para Jia sobretudo com filme "Sanxia haoren" (Natureza Morta), premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2006. O filme trata da questão – real – da construção da Barragem das Três Gargantas, uma barragem hidroeléctrica no rio Yangtze cuja construção implicou a inundação e correspondente desaparecimento de inúmeras vilas e aldeias. Foi necessário o deslocamento e realojamento de mais de um milhão de habitantes. Junto com este drama colectivo, Jia foca-se na história de um indivíduo que volta para procurar a sua ex-mulher e filha, que não vê há anos. Mas o ponto essencial e a mensagem que nos é transmitida é esta ideia chinesa de hoje de que há que caminhar para um lugar melhor, mesmo que isso signifique o sacrifício do presente. Este é um cinema meditativo, o retrato de uma nação a caminho acelerado para o capitalismo, mas com hábitos comunistas, e que não tem pudor em mandar à urtigas séculos de história.


Antes deste filme, Jia havia já filmado "Xiao Wu", em 1998, a sua primeira obra. Conta a história de um ladrão de carteiras habilidoso, mas que vai perdendo a consideração dos amigos e da família. Interessante nestes filmes é a presença da música, uma constante, seja no rádio, seja na televisão, a música popular faz-se ouvir. 


Do ano 2000 é "Zhantai" (Plataforma), o filme de Jia que menos gostei, para além de longo demais. Trata de uma trupe teatral instalada na China profunda e onde dominam ainda os preceitos maoistas, vivia-se então o comunismo nos anos 80.


"Shijie" (O Mundo), de 2004, é um filme mais vivo e é passado no Parque Mundial de Pequim, um lugar verdadeiro, mas que mais parece (apenas) coisa de filme. Neste lugar perto de Pequim encontramos a Torre Eiffel lado a lado com o Big Ben, a Torre de Pisa, as Pirâmides do Egipto ou o Taj Mahal. O ponto deste filme é a cultura da cópia que rodeia a China adepta de uma arquitectura da duplicação. Questões como a identidade, a autenticidade, o urbanismo e a globalização são aqui abordadas, bem como o poder desta nova China. O mote deste Parque real é qualquer coisa como "dê-nos um dia e nós dar-lhe-emos o mundo". A China, o Império do Meio, como centro do mundo no século XXI. Economicamente poderosa, a competição com o ocidente faz com que esta China tome o objecto e até o símbolo ocidental para si e o faça seu. Neste filme a questão da mobilidade, designadamente as migrações, é também focada. Mostra-nos a vida dos trabalhadores deste Parque, quase todos eles migrantes de algum canto da China, e suas relações e conflitos num mundo de imitação.

"Er shi si cheng ji" (24 City), de 2008, foi o único filme de Jia Zhang-ke que não vi.


"Tian zhu ding" (China - Um Toque de Pecado), de 2013, teve estreia nos cinemas portugueses e colocou definitivamente Jia Zhang-ke no centro das atenções cinematográficas (não pela estreia em Portugal, claro). São quatro histórias baseadas em factos reais e passadas em diferentes províncias da China que se entrecruzam. A temática comum a todas elas é a tradição do passado e a chegada do progresso e do capitalismo. Apesar de ao início vermos a deslocação em massa dos chineses de volta às suas terras natais e famílias para a passagem do Ano Novo Chinês e, em especial, de um homem deslocado e amargurado, Jia pergunta-se porque é que as pessoas estão a ficar cada vez mais distantes umas das outras. O país acelera rumo ao desenvolvimento, mudando drasticamente, a modernidade chega (vêem-se telemóveis e internet e adolescentes a fazerem de tudo para os ter), mas ao mesmo tempo está longe da maioria dos chineses. O deslocamento é constante, com os personagens sempre em busca de algo, seja trabalho, dinheiro, justiça ou amor. A violência marca presença e faz Jia questionar-se o que crescerá efectivamente na China, a economia ou a violência?


"Shan he gu ren" (Se as Montanhas se Afastam), de 2015, percorre 25 anos de vida na China, iniciados na passagem para este milénio. Ou seja, quinze anos de um passado real mais dez anos de um futuro imaginado. O filme vem dividido em três partes, cada uma delas correspondendo aos anos de 1999, 2014 e 2025. Montanha, Rio, Amizade. Três conceitos que foram resumidos por Jia numa frase: "velhos amigos são como as montanhas e os rios". Neste filme procura-se declaradamente uma interligação entre passado, presente e futuro. Este é um melodrama e uma obra bem diferente das anteriores, embora a temática de Jia, já se vê, seja a mesma: o rumo que a sociedade chinesa contemporânea toma. A música Go West, dos Pet Shop Boys, uma presença constante ao longo de todo o filme, é utilizada de uma forma irónica e parece querer indicar o caminho, pelo menos para alguns. Comunismo ou capitalismo? 
Três amigos formam um triângulo amoroso. A ela guia-a o amor, a um a honra, a outro o dinheiro - visível no nome que dá ao seu filho, "Dollar".
A final, e porque este é um melodrama, ela não cumpre o que sonhou, um sofre a degradação física de anos de trabalho duro, outro o desenraizamento na (aparente) vida de sucesso na Austrália. O desencanto é a tónica comum. Bem como o deslocamento (o afastamento do título, "Se as Montanhas se Afastam"), seja espacial, materializado nos carros, comboios, helicópteros e aviões que vamos vendo desfilar, seja temporal, os tais 25 anos que medeiam o início e o fim do filme. A passagem do tempo. Go West. 
Mas Go West não está sozinho como música marcante aqui. Como em todas as obras de Jia Zhang-ke, a música desempenha um papel essencial e inesquecível ficará também a música de Sally Yeh, 珍重 (Take Care).

Para se entender mais acerca de Jia Zhang-ke, realizador irreverente destes filmes politicamente e socialmente comprometidos onde o questionamento da contemporaneidade chinesa é uma constante, assistir ao filme do brasileiro Walter Salles, "Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang", pode ser um bom ponto de partida ou complemento.

Filmes chineses

Alguns filmes chineses, divididos por três temáticas clássicas: wuxia, históricos, gangsters.

Artes Marciais - Wuxia
A cinematografia chinesa de artes marciais tem tido (bom) acolhimento e reconhecimento no ocidente. Artes marciais é sinónimo de kung fu, com Bruce Lee e Jackie Chan como cabeças de cartaz, mas também de wuxia.
Não falarei dos filmes de Bruce Lee e de Jackie Chan, de que não sou conhecedora, e apontarei alguns filmes de wuxia a que vale a pena assistir.
O wuxia é um estilo clássico de filmes chineses, com influência da literatura, onde se mistura artes marciais e luta de espadas num mundo de fantasia. Sim, precisamente, falo daqueles filmes onde se veem os artistas a voar ou a caminhar sobre os ramos e as folhas das árvores.



Começando por alguns dos mais recentes, se "Herói", de Zhang Yimou, de 2002, é já um clássico, acrescento-lhe, naquela base do "se gostas disto também gostarás daquilo", o "A Assassina", de Hou Hsiao-Hsien, de 2015. Em ambos, os confrontos entre os personagens são puro bailado, numa junção de dois elementos essenciais da cultura chinesa, a espada e a caligrafia. No caso do "A Assassina", a rapariga justiceira fria e implacável enche o écran e mostra, por uma vez, alguma compaixão. A história não interessa tanto; o que fica é um filme esteticamente belíssimo, uma obra-prima da fotografia e da pintura, não estivéssemos nós diante de um filme.


Não falarei dos filmes de Bruce Lee, mas falarei de Ip Man, o mestre de kung-fu seu mentor. Dois filmes sobre este personagem real. O primeiro filme, "Ip-Man", de Wilson Yip, de 2008, a par das cenas de luta tem um enquadramento histórico precioso. Ip Man nasceu ainda no século XIX, época em que os manchus governavam a China. Passou pela guerra civil entre nacionalistas e comunistas e assistiu à cruel invasão dos japoneses na década de 30. Bem nascido, passou fome, mas neste filme mostra que não se rendeu ao domínio japonês. Depois acabaria por rumar a Hong Kong, onde terminou a sua vida. O segundo filme, "O Grande Mestre", de Wong Kar-Wai, de 2013, apesar de na época muito aguardado, foi uma desilusão. A estética wongkariana está lá toda, as lutas são de uma beleza suprema, com os pingos da chuva a desempenharem um papel de actor principal. Mas onde falha é precisamente no enquadramento histórico, onde o realizador claramente não quis entrar, apenas passando pela rama. 

Outros filmes dignos de registo são o mítico "A Tocuh ou Zen", de King Hu, de 1971, o "The Blade", de Tsui Hark, de XXX, e os mais recentes "O Tigre e o Dragão", de Ang Lee, de 2000, e o "Segredo dos punhais voadores", de Zhang Yimou, de 2004.


Históricos
Os filmes históricos / épicos chineses que indicarei em seguida dão a conhecer a China do século XX, quer de um ponto de vista social quer político, sendo, assim, uma boa forma para se entender melhor o país de hoje, ainda que esse país esteja muito diferente.




Imprescindíveis são o "Viver", de Zhang Yimou, de 1994, e o "Papagaio Azul", de Tian Zhuangzhuang, de 1993. Ambos se debruçam sobre as vidas das gentes comuns no período maoista (anos 40 aos anos 70), nomeadamente as consequências (hoje) irreais do Grande Salto em Frente e da Revolução Cultural. Outro filme que atravessa quase todo o século XX, detendo-se na luta nacionalista e comunista e posteriores ilusões e desilusões é o "The Golden Era", de Ann Hui, de 2014, longo filme sobre a escritora Xiao Hong que, saída da sua Manchúria, parte para a China central em busca da sua liberdade amorosa e artística em tempos duros.


Atravessado igualmente a mesma época, "Adeus Minha Concubina", de Chen Kaige, de 1993, mostra-nos a vida de uma trupe da Ópera de Pequim, com destaque para a sofrida vida da sua estrela. 


"Esposas e Concubinas", de Zhang Yimou, de 1991, dá-nos a conhecer a realidade de uma China tradicional, as várias mulheres de um só homem, todas elas vivendo no mesmo espaço e competindo entre si pela atenção do seu senhor e pelo maior favorecimento do filho de cada uma delas. 


Por último, um épico de grande sucesso internacional, tanto de público como de crítica: "Red Cliff", de John Woo, de 2008. O século XX era ainda uma longínqua miragem nesta história verdadeira da batalha de Red Cliff, que aconteceu no fim do domínio Han na China, por volta do século III a.C. Mostra-nos cenários e paisagens fabulosas, e encantamo-nos pelas estratégias utilizadas por Zhuge Liang para vencer o reino do norte.


Gangsters
No nosso imaginário, Hong Kong é ainda sinónimo de tríades, sociedade secretas, gangsters.


Não faltam, pois, filmes sobre esta temática. Um clássico é o "A Better Tomorrow" (em Portugal, "Crime em Hong Kong"), de John Woo, de 1986. Num filme de acção que mostra a violência que atravessa o sub-mundo do crime, os valores da amizade e a prioridade à família sobrepõe-se a tudo o mais. A lealdade é rainha. 

Johnnie To explora os mesmos temas em quase todos os seus filmes. "Election 2", de 2006, no entanto, mostra como por vezes essas lealdades são flutuantes e dúbias e que, uma vez no mundo do crime, sempre no mundo do crime. 
Este realizador de Hong Kong é o meu preferido num género de filme - acção com armas e algumas artes marciais - que, à partida, não faz o meu género. Os seus filmes decorrem maioritariamente em Hong Kong, em especial Kowloon, e também Macau - no "Exiled" (2006) vemos carros com matrícula portuguesa. São um hino à amizade. Em quase todos o grupo surge como herói. Não há um herói individualizado, antes um conjunto de homens – sempre homens – que se encontra em crise face a um dilema entre dois deveres: o da fidelidade ao seu grupo que muitas vezes já vem de infância e o da fidelidade ao chefe da máfia. Há violência, mas esta violência é esteticamente bela, uma espécie de ópera com acrobacias, um ballet. Não é necessário disparar muitos tiros, basta a forma como as personagens se mexem, a forma como vão aparecendo duplicadas por entre os espelhos, para ser tudo muito apelativo. O uso contínuo do slow-motion faz as cenas durarem mais e vemos os corpos suspensos no tempo, numa coreografia que, de todo, não é muito comum em filmes de acção. 



Para além dos já citados Election 2 e Exiled, de Johnnie To destaco ainda “The Mission" (1999) e “Sparrow” (2008). Este último é o meu preferido, por sinal aquele que menos pode ser identificado como filme de acção puro e duro. É sobre um grupo de carteiristas simpáticos e tão discretos que o roubo das carteiras não devia dar direito a uma pena mas antes a um bilhete para se assistir a um espectáculo, tão belos que são os seus gestos.


E porque o mundo cinematográfico do sub-mundo de Hong Kong vai para além de Johnnie To, eis ainda "Infernal Affairs" (em Portugal, Infiltrados), de Andrew Lau, de 2002, o qual no mostra a estreita e promíscua ligação entre membros da polícia e membros das tríades. Este filme inspirou Martin Scorcese para o seu "Entre Inimigos".

sexta-feira, julho 14, 2017

China, a História em Capítulos

Geograficamente, a China constitui-se por planícies a norte, com uma comunicação fácil, e montanhas a sul, onde o melhor meio de comunicação é o fluvial. 
Um dito chinês antigo ensina-nos "a norte cavalos, a sul barcos". 
Ou, como escreveu Xiaolu Guo (Granta Journeys), "o utilitário norte" por oposição ao "poético sul".
Entre tantos habitantes, o país mais populoso do mundo é composto por 54 etnias e as 5 nacionalidade mais importantes são a han, a manchu, a mongol, a hui e a tibetana. 
A cultura han, maioritária, está associada ao maior grupo étnico e o nome vem da antiquíssima dinastia Han, com a qual os chineses se identificaram de tal forma que passaram a designar-se como ela, han.
No norte fala-se mandarim, no sul várias outras línguas, embora a linguagem escrita seja comum a todo o território.
No fundo, encontramos uniformidade a norte e diversidade a sul, num território imenso em que, recorrendo a mais um dito chinês, "as montanhas são altas e o imperador está longe".
Termino esta breve introdução com a ajuda de mais uma sentença chinesa: "a história de dez mil frases começa com uma palavra".

China, 
a sua história em alguns capítulos (clicar nos títulos abaixo das fotos):

quinta-feira, julho 06, 2017

Música Chinesa

 Uma playlist de música chinesa para ouvir no próximo mês.