Uma das mais voga é o Centro das Artes Casa das Mudas, na Calheta, da autoria do arquitecto Paulo David. Construído em 2004, desde aí tem ganho diversas distinções de arquitectura, quer nacionais quer internacionais, tendo sido mesmo nomeado para o prémio europeu de arquitectura contemporânea Mies van der Rohe. Não é para menos. Quando se fala e vê a obra, in loco ou através de fotografias, não nos atemos apenas ao seu edifício e suas linhas. Decisiva é a sua localização, no topo de uma falésia que, quando vista cá debaixo, desde a praia da Calheta, parece confundir-se com a dita falésia, como um corpo que a acompanha e dela sempre fez parte. Para essa ilusão muito contribui a sua textura basáltica, a mesma que a das rochas que a circundam, numa plena integração entre a natureza e o homem. Outra originalidade do edifício é a forma como foi construído, de cima para baixo, obrigando-nos a confrontar em primeira linha com o seu tecto (provavelmente inspirado nas muitas casas que vamos encontrando à beira da estrada pela ilha fora e nas quais o acesso é feito através do seu piso superior, normalmente destinado a garagem ou simples terraço), o qual nos oferece a imagem de um jardim cujos caminhos podem ser percorridos.
Descendo aos pisos inferiores, o da cafetaria, auditório, loja e entrada no centro de exposições a cor dura do basalto continua a cercar-nos. No interior do edifício, todavia, as suas salas são profusamente rasgadas pelas janelas que insistem em nos devolver ao profundo azul do Atlântico e ao imenso verde da Ilha. Pena a proibição de se tirar fotografias no seu interior. A propósito de fotografias, uma desilusão. Não concebo ir a um local e não desatar a disparar no gatilho, para mais tarde recordar. À chegada, e face aos chuviscos que caiam, decidi adiar as fotos para quando acabasse a visita, uma vez que pior tempo seria difícil ficar. Que tristeza quando me deparei com o pensamento mais falhado que podia ter. Os chuviscos passaram a senhores pingos e deixou de se ver a um palmo do nariz.
Relativamente à oferta cultural, aqui há uns anos questionar-se-ia o porquê da criação de um centro de exposições fora do Funchal, a única verdadeira cidade da ilha. Ainda para mais, aqui há uns anos a Calheta ficava a 1 hora ou mais daquele núcleo urbano. Todavia, hoje a Calheta, e o seu Centro de Artes, estão a no máximo 30 minutos do Funchal, mais coisa menos coisa o tempo que demoro a chegar de minha casa, na zona oriental de Lisboa (se tiver a felicidade de não apanhar trânsito), ao Centro Cultural de Belém, bem no outro lado da capital. Ainda assim, vozes há que questionam esta, para mim, inquestionável mais valia para qualquer povoação. Falando mais claro, não é necessário quedarmo-nos pelo Funchal para encontrarmos uma interessante oferta cultural que, apesar da grande ajuda que é receber algumas das obras da Colecção Berardo, não se limita aos favores do seu conterrâneo. Na altura que visitamos o Centro das Artes tivemos o privilégio de encontrarmos exposta uma ampla colecção do surrealismo português – Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros que tais em abundância de quantidade e qualidade – “O Surrealismo na Colecção Fundação Cupertino de Miranda”. Igualmente, “Tudo Que Não Seja Eu”, de Kimiko Yoshida, as estranhas transformações em diversas personagens de uma japonesa, quer em noiva, em índia, em Rato Mickey, enfim, tudo o que a sua (dela) imaginação permite. Na Galeria das Mudas, o núcleo que primitivamente servia como Casa da Cultura, encontravam-se expostas umas litografias de Paulo Rego.
Outra das obras mais emblemáticas desta “nova arquitectura madeirense”, curiosamente também da autoria de Paulo David, é a “Piscinas das Salinas”, por vezes também referida como “Piscinas do Atlântico”. Esta intervenção teve lugar precisamente na zona das Salinas, em Câmara de Lobos, um dos locais historicamente mais problemáticos da ilha pela pobreza em que vivem os seus habitantes. Quando descemos na sua praça central, junto ao mercado e baia, somos imediatamente confrontados com inúmeros meninos, com look à Cristiano Ronaldo, esticando-nos a mão. Recusada a moedinha vão por ali fora, tão contentes como quando se aproximaram, deixando-nos a dúvida se este gesto não será já uma instituição a preservar e não tanto uma necessidade a prover.
Voltando à intervenção arquitectónica efectuada na zona das salinas, numa primeira fase foi criado o passeio público que ligasse a baia de Câmara de Lobos à Foz da Ribeira dos Socorridos, uns metros além donde se encontram as piscinas naturais das Salinas. Foi partindo destas já existentes piscinas que o arquitecto criou outras duas (uma maior para adultos e uma pequenita para as criancinhas), com acesso directo ao mar, utilizando novamente o basalto nas paredes que servem os equipamentos anexos às piscinas (vestiários), daí resultando uma vez mais uma plena integração na paisagem, nomeadamente no terreno rochoso que as ladeia. Este complexo balnear abriu o ano passado mas, lamentavelmente, parece ter muitos mais anos de uso, tal era o estado de abandono que parecia padecer (bem sei que os equipamentos quando estão encerrados e sem qualquer vestígio de vida – o que era o caso – nos dão umas impressões que podem não corresponder à realidade, mas não sei não…). O certo é que, pelo menos em termos estéticos, não há de haver muitos complexos balneares que possam bater este. Mas a intervenção que teve lugar por aqui não se cinge ao referido passeio público (a estender ainda mais até à Praia Formosa no concelho vizinho do Funchal) e às piscinas. Foram, igualmente, criados um bar com esplanada, um restaurante e, nas suas traseiras, um parque infantil com um jardim que remete directamente para o imaginário da ilha pela abundância de bananeiras que aqui foram plantadas.
Do lado contrário da baia de Câmara de Lobos, ou seja, para o seu lado direito olhando para o mar, uma outra intervenção se encontra ainda em curso, da autoria do atelier Massa Cinzenta, procedendo à requalificação da Praça da República, zona central de Câmara de Lobos, e sua praia. Esta praça possuía uns edifícios bastantes degradados e com esta intervenção tornou-se um espaço revitalizado, virado para o lazer e exclusivamente pedonal, funcionando como um miradouro, tirando assim partido da sua localização privilegiada debruçada sobre o Atlântico.
Na mesma praça, junto à igreja, foi criado um edifício plenamente integrado na paisagem natural e urbana (jogando uma vez mais com as cores do basalto e o branco, típicas na ilha), destinado a comércio e a alguns serviços camarários.
Um pouco mais adiante mas num nível inferior, mais junto à praia, cujo acesso é efectuado pela escadaria ou elevador da torre que serve de estacionamento subterrâneo, irá surgir um novo restaurante e esplanada, uma reconstrução de um anterior equipamento que aí existia.
Uma outra obra digna de elogios, não muito longe daqui, diz respeito ao Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos, mesmo de frente para o Largo da Igreja. Inspirado na paisagem vinícola típica desta zona, as réguas de pinho utilizadas no coberto do exterior do edifício remetem-nos precisamente para a imagem dos prumos da madeira e do arame das latadas. Uma arquitectura muito interessante e um equipamento bem útil para a localidade, uma vez que para além do café instalado no piso ao nível da estrada, existe ainda um auditório e um piso destinado a exposições e biblioteca.
Para concluir, uma informação adicional: as obras referidas surgiram, todas elas, por iniciativa das Sociedades de Desenvolvimento que tutelam as respectivas áreas geográficas. Ou seja, por iniciativa de uma instituição de capital público, ainda que as intervenções possam vir a ser desenvolvidas exclusivamente pelos privados. Deu para entender? Mais ou menos? Bom, o que interessa é que fora Lisboa e Porto (e nem estes se escapam muitas vezes) as intervenções ao nível da requalificação do espaços ou da criação de equipamentos com interesse para as respectivas populações depende quase a 100% da iniciativa pública. Por que é que na Madeira haveria de ser diferente?
Para concluir, uma informação adicional: as obras referidas surgiram, todas elas, por iniciativa das Sociedades de Desenvolvimento que tutelam as respectivas áreas geográficas. Ou seja, por iniciativa de uma instituição de capital público, ainda que as intervenções possam vir a ser desenvolvidas exclusivamente pelos privados. Deu para entender? Mais ou menos? Bom, o que interessa é que fora Lisboa e Porto (e nem estes se escapam muitas vezes) as intervenções ao nível da requalificação do espaços ou da criação de equipamentos com interesse para as respectivas populações depende quase a 100% da iniciativa pública. Por que é que na Madeira haveria de ser diferente?