Apesar de a Ilha da Madeira não ser muito extensa, existirão certamente recantos em número considerável onde nos possamos sentir únicos. Únicos no sentido literal e únicos pela sorte de existirem locais onde o tempo parece não ter passado.
A Fajã dos Padres será um deles.
Perto do Cabo Girão, seguimos em direcção à freguesia da Quinta Grande e, mais pergunta menos pergunta, havemos de dar com o local. O acesso à Fajã dos Padres, colocado de lado o barco e o helicóptero, é efectuado através de um elevador instalado no topo da falésia a cerca de 250 metros de altitude. Coisa pouca, se compararmos com os 580 metros do Cabo Girão. A este propósito, não confundir o teleférico para as Fajãs do Cabo Girão (o do Rancho, aberto desde 2003) com o elevador para a Fajã dos Padres (mais antigo).
A viagem de cerca de 4 minutos neste elevador, uma estrutura que parece algo arcaica e monstruosa, tem tudo para ser uma experiência apelativa e inesquecível. Funciona como um miradouro com uma considerável altura, com vista para a imensidão do Atlântico, as falésias que nos rodeiam e a pequena fajã bem lá em baixo. No nosso caso, para além destes factores, tornou-se igualmente marcante por termos ficado presas dentro da dita caixa monstruosa, uma vez que a sua porta teimava em não abrir. Como o manobrador da geringonça já nos tinha avisado que os cabos precisavam de descansar cerca de 5 minutos entre cada viagem, logo começamos a especular sobre o que de mal teríamos feito para não conseguirmos sair dali para fora. Benditos telemóveis que nos põem em contacto imediato com quem sabe das coisas e nos recomenda calma até que o elevador assente convenientemente seguindo os seus tempos.
No entanto, este inconveniente levemente assustador foi francamente ultrapassado logo à saída do elevador que nos trancou. Iniciando mais uma descida, agora pelos nossos próprios pés, vimo-nos imediatamente rodeadas de plantações de vinha, banana, manga, abacate (do qual trouxemos um delicioso exemplar esquecido no chão) e também, ainda que sem a mesma abundância, papaia, figo, maracujá e outros frutos tropicais.
Bem sei que estava a chuviscar um pouco, mas dá para imaginar o que é encontrarmo-nos numa língua de terra, espremida entre o mar e a enorme falésia, com plantações que quase nos cobrem o corpo, caminhando sob as videiras em direcção aos 3 ou 4 casebres que compõem o povoado, retornar e dirigir-nos ao calhau para sentir o mar ainda mais de perto e apenas nos cruzarmos com o Sr. Eng.º, o dono da Quinta que havia ido ao encontro do elevador para tomar conta da ocorrência levemente assustadora?
Descrevo o paraíso? Não, mas a existir não deve ficar muito longe daqui.
Este pedaço de terra, para além da exploração da agricultura e da vinha, funciona como estância turística (alojamento num dos casebres referidos) e possui um restaurante que é presença nos roteiros gastronómicos do nosso país. Parece algo estranho que uma cozinha instalada no fim do mundo possa ser referência, precisamente pelas dificuldades que terá no acesso aos melhores produtos. Ok! Como dizia o reclame “prova e verás”. Só para me ficar na batata, direi que há muito que não comia batatas tão saborosas.
Concluindo a descrição do local que mais lamentaria não conhecer na Madeira, falta referir que a Fajã dos Padres deve o seu nome aos padres da Companhia de Jesus que aqui se instalaram durante mais de um século, tendo sido eles os responsáveis pela introdução do vinho Malvasia. Este vinho típico da Madeira (os outros famosos são o Bual, Verdelho e Sercial) tem aqui na Fajã as suas melhores uvas.
Uma nota mais: durante o Inverno, a Fajã recebe ondas de qualidade, daí que mereça vir até aqui acompanhada de prancha de surf.
Até por isso, e com ou sem elevador, a mana diz que era capaz de viver num sítio destes. Pudera!
http://www.fajadospadres.com/