No Centro de Artes de Sines estava patente, em meados de Abril, uma exposição denominada "Minas de São Domingos – Olhares sobre um lugar", reunindo trabalhos de fotografia, pintura e som de António Cunha, Helena Lousinha e Jean-Pierre dos Santos, mostrando-nos, assim, os olhares destes artistas sobre todo o complexo da Mina.
Esta exposição fez-me recordar a minha única visita à Mina, faz agora praticamente 2 anos.
Devo confessar desde já que a vontade de andar em pleno Verão alentejano num passeio exploratório pela região em busca de umas ruínas de uma antiga mina não era muita. Provavelmente nunca terei estado num local onde o sol fosse tão abrasivo e um simples passo na terra fosse tão maçador e fatigante (estariam seguramente uns 44 graus). Mas a energia e convicção da mana é sempre motivo bastante para me por a caminho.
A acrescer à influência da mana, deve também referir-se que o meu gosto pelo património industrial já vinha a crescer, muito também por força do trabalho desempenhado pelos meus colegas historiadores, arquitectos e arqueólogos do meu antigo local de trabalho, onde os dias eram dedicados à protecção, salvaguarda e valorização do nosso património cultural. Hoje, posso afirmar, olho para as Minas de São Domingos, para a Central Tejo e para os Gasómetros da Matinha com o mesmo interesse e deslumbre com que olho para as Ruínas de Conímbriga, para o Pavilhão Atlântico ou para o Mosteiro dos Jerónimos, para referir apenas alguns exemplos
Dito isto, a Mina de São Domingos, fica situada no concelho de Mértola, no Alentejo profundo, e encontra-se em vias de classificação como imóvel de interesse público pelo Ministério da Cultura.
Alguns achados arqueológicos na zona da mina permitem-nos calcular que a actividade mineira tenha já sido parte da vida dos romanos neste local, exploração esta que terão abandonado cerca de 397 a.c.
O fim do abandono das minas deu-se apenas em 1854, data do seu achamento (para utilizar a palavra politicamente correcta recentemente escolhida a propósito do descobrimento do Brasil), após prospecções pela região na sequência do decreto que determinou o fim do monopólio régio sobre a exploração mineira.
No entanto, o início da sua actividade apenas ocorreu em 1857.
A exploração de minério, sobretudo cobre (estima-se que tenham sido retirados cerca de 25 milhões de toneladas de cobre durante a vida activa da mina), acontecia não só a nível subterrâneo mas também a céu aberto. Para o efeito foi construída uma rede de galerias e túneis que entravam pela rocha e que tinham cerca de 2 m de largura por 4 m de altura (e, mais tarde, 4m por 6m); para o labor a céu aberto foram efectuadas escavações até aos 62m, utilizando-se uma linha-férrea particular de cerca de 18km para a extracção (ligando a mina ao Pomarão – porto do Guadiana). Existiam 27 poços verticais e 7 açudes que utilizavam a água da Ribeira de Chanca.
Para assegurar o bom funcionamento deste empreendimento mineiro (o primeiro no país) e fazer face às necessidades básicas dos seus trabalhadores (a sua chegada à região fez subir o número de habitantes de poucas dezenas para quase 10000 ao longo das novas aldeias e vilas operárias que foram criadas no novo complexo industrial) foram criadas diversas infra-estruturas: edifícios e maquinaria para a exploração mineira (armazéns, oficinas, laboratórios, escritórios, caminhos de ferro) e casas para alojar não só os operários como também os técnicos superiores e directores da mina.
Ou seja, para além dos bairros operários, compostos por casas em banda com apenas o piso térreo, havia igualmente lugar para as casas não tão modestas, com relvados à inglesa, para as chefias.
A par das habitações foram ainda criadas infra-estruturas comunitárias como o quartel militar e de polícia, hospital, farmácia, estação de correio e telegrafo, mercado, biblioteca, igreja e cemitério, enfim, tudo o que uma verdadeira povoação tem.
A actividade mineira foi sofrendo diversas crises ao longo dos anos, e nem a exploração a céu aberto nem a posterior produção de enxofre em altos fornos, destinado principalmente à CUF no Barreiro, foram suficientes para evitar o declínio e encerramento da Mina de São Domingos em 1965.
Hoje, após o saque indiscriminado da mina, o termo mais exacto para a descrever é mesmo o de ruína. Esta encontra-se completamente ao abandono, a não ser que excluamos as inúmeras cegonhas que teimam em construir e guardar os seus ninhos no cimo dos poços e das chaminés que outrora permitiam a marcha viva da mina.
Os edifícios descascados, paredes incompletas sem tecto, fazem-nos crer estarmos perante uma cidade arrasada por uma guerra. Mas não. O desleixo, incúria e falta de vontade de nos legar o património de uma indústria que foi toda uma vida de uma região é que nos deixou este cenário violento.
As casas dos antigos operários, todas em fila e tipicamente caiadas em branco, apesar de denotarem ainda alguma vida, deixam-nos a certeza de que esta será apenas um resquício do que terá sido a azáfama das famílias que aqui se estabeleceram um dia na esperança de um futuro melhor.
Melhor sorte teve o palacete que antes era ocupado pela sede da empresa britânica que administrava as minas. Foi transformado numa unidade hoteleira – a Estalagem São Domingos, um 5 estrelas pleno de conforto no Alentejo profundo, cujo projecto arquitectónico, quer exterior quer interior, tem sido objecto de elogios. Para quem não está interessado ou não pode pernoitar na Estalagem, vale a pena, ainda assim, um passeio pela praia fluvial à sua frente, a da Tapada Grande, considerada pela DECO como uma das melhores do país.
O cenário mais impressionante fica, no entanto, por conta da lagoa artificialmente criada para que fosse realizada a decantação das escorrências da já desactivada mina. A cor da sua água é irreal, tal é a sua acidez. São tons azulados sobrepostos a laranjas, misturados com o avermelhado da terra.
Esta água é tão ácida tão ácida que é utilizada para lá depositar os animais mortos, evitando assim que estes fiquem num estado de putrefacção a céu aberto.
Se imaginarmos tudo o que de mau e perigoso estas águas poderão comportar, a imagem de abandono e desolação da Mina aumenta ainda mais.
Mas a contradição está precisamente aqui. No saber que há um tempo que não volta mais, esgotados que estão os recursos naturais; na dificuldade em não deixar deteriorar irreversivelmente um espaço que há não muitos anos possuía vitalidade; na tentativa até agora falhada de preservar a memória de algo que fez parte do quotidiano do nosso país.
Face a todos estes aspectos negativos, estar perante aquele complexo em ruína permite-nos, ainda assim, sentir ainda presente o dia a dia dos milhares que por ali passaram as suas duras vidas e sentir que somos também nós parte na história. Em resumo, uma experiência deveras enriquecedora.