Uma
semana depois, voltamos a Delhi.
Delhi,
Nova Delhi ou uma das 9 cidades que surgiram nesta área deste há milhares de anos, é brutal, enorme, difícil de compreender em meros
quatro dias.
Inevitavelmente,
acabamos por nos centrar numa pequena área, correspondente ao que
poderemos designar por centro. Centro político administrativo, neste
caso. Quer seja a Velha Delhi, centro do então
império Mughal, que seja a Nova
Delhi, criada pelos britânicos.
Delhi nem
sempre foi a capital, mas sempre desempenhou um papel importante,
principalmente em termos comerciais dada a sua localização, no norte da Índia, na rota do caminho entre
a Ásia Central e o Sudeste Asiático.
Foi só no princípio do século XX que o Raj britânico decidiu transferir a
capital do seu império na Índia de Calcutá para Delhi, tendo encarregado
o arquitecto inglês Edwin Lutyens para construir
a nova cidade, o que demorou cerca de 20 anos, por volta de 1914 e 1931, data
da sua inauguração oficial.
A
arquitectura adoptada pretendia mesclar um estilo clássico ocidental com motivos decorativos indianos. Poucos
anos depois o império foi-se e Nova Delhi ficou
a ser a capital do novo país independente. Com a partição entre a Índia e o Paquistão viu chegarem-lhe uma série
de novos habitantes, os quais não têm cessado de se lhe dirigir desde então, perfazendo hoje um total de mais de 12 milhões de habitantes.
O coração administrativo desta Nova Delhi projectada pelos britânicos é Vijay Chowk, a Praça da Vitória. A dimensão desta zona é inimaginável para os nossos padrões
ocidentais (Rússia à parte). Uma avenida interminável
ladeada por edifícios imponentes que albergam
ministérios e outros serviços públicos leva até à India Gate.
Nesta
zona plena de espaço e verde fica o Rashtrapati
Bhavan (a residência do Presidente da Índia), os edifícios do Secretariat norte e
Sul, o Sansad Bhavan (o Parlamento). Nas imediações
ficam os bungalows dos funcionários e não muito longe a área das embaixadas e
consulados.
A India
Gate é a parte mais animada e
movimentada. E este é um dos postais de Delhi, uma
porta monumental em arco de cerca de 42 metros de altura que pretende ser um
memorial pelas vítimas indianas da Primeira
Grande Guerra Mundial. Toda esta zona enche-se de gente, mesmo à noite, sendo os jardins laterais da avenida usados ou para
se sentar descansadamente ou para jogar cricket.
E por
falar em áreas de dimensões brutais, uma palavra para a Connaught Place, aí perto para os padrões delianos. É uma espécie de rotunda em três círculos, dividida em blocos, com
muitos restaurantes e lojas, principalmente o círculo
interior, onde ficam também uma série de mercados. É a zona comercial por excelência do centro de Delhi.
Aqui
perto fica o Jantar Mantar, um observatório
construído em 1724, cujas estruturas
de observação solar e outros cálculos astronómicos mais parecem obras
escultóricas abstractas. O contraste
entre o vermelho destes equipamentos grandiosos com o verde do jardim que os
envolve torna o espaço especial, um recanto
encravado no meio de arranha-céus.
Continuando
na Delhi moderna, dois exemplos arquitectónicos que muito apreciámos: o India Habitat Centre e o India International Centre.
Ambos projectados pelo arquitecto Joseph Allen Stein e ambos localizados na
zona Lodi.
O India
Habitat Centre é mais recente, de 1993, e é um centro cultural que alberga também alguns serviços públicos, em especial ligados ao urbanismo e território. Ocupa uma grande área, três blocos de edifícios unidos por pátios comuns com esculturas e aspectos decorativos. E, sobretudo,
com muita vegetação, quase a lembrar uma estufa.
É um espaço deveras agradável, onde não se sente o peso da construção
em grande escala. Destaque ainda para uma espécie
de tecto com placas, que nos faz duvidar se estamos num espaço aberto ou não.
O India
International Centre é de 1962, em estilo
modernista, um local que pode receber convenções
e, sobretudo, a inteligência local. Tem um género de lago onde cai em permanência um jacto de água em arco e uma cafetaria
que parece ser um mimo.
Aqui
perto fica o Jardim do Lodi. Um espaço
de alheamento total da confusão da cidade. Muitos caminhos há que percorrer por aqui, sempre agradáveis, seja a fazer jogging ou apenas um passeio. No meio
encontramos um lago, uma mesquita e alguns mausoléus.
Em cada recanto dos mausoléus ou da mesquita, um parzinho
a namorar.
Esta é uma zona da cidade com avenidas espaçosas, muito verde, edifícios
modernistas de baixa escala, construção de baixa densidade. Mas o
mais curioso é que paredes meias pode surgir
uma zona completamente diferente, cheia de confusão
e gente amontoada. É o que acontece com o Lodi e o
vizinho Nizamuddin. E logo a norte deste vem outra vez a pacatez com o bairro
de Sunder Nagar.
Perto
deste fica Purana Qila. Ou Forte Antigo. É
o que resta daquela que foi a sexta cidade em Delhi, a Dinpanhah, criada por
Sher Shah, rei que afegão que governava por aqui no século XVI. A esta antiga cidade muralhada, com edifícios ainda muito bem conservados e que impressionam,
nomeadamente as suas portas enormes em pedra vermelha, foram ainda
acrescentadas mais construções pelo segundo imperador
Mughal, Humayun. À volta das muralhas existe um
lago onde é possível passear de barquinho. Mas o idílio vê-se também dentro das muralhas, com muitos pares de namorados espalhados
pelo parque / jardim.
Um pouco
mais a sul, os fabulosos jardins de uma das grandes atracções de Delhi são tomados pelos turistas. O mausoléu de Humayun, mandado construir pela sua viúva em 1565, constitui o primeiro exemplo de mausoléu jardim de grandes proporções
e serviu de inspiração para o Taj Mahal. Alia um
estilo persa a uma mistura de pedra vermelha com mármore branco, uma opção arquitectónica tipicamente local. A enorme cúpula em mármore do mausoléu principal, precisamente o de Humayun, é absolutamente vistosa, mas encontramos um pouco por todo o
lado pormenores decorativos encantadores. À volta deste mausoléu, numa combinação perfeita, acompanham-no uns
enormes jardins. Mas existem ainda mais mausoléus
e jardins neste complexo.
Ainda não largando de vez os exemplos de grandiosos mausoléus que se parece encontrar um pouco por toda a cidade, o de
Safdarjang, de 1754, é um dos últimos legados da arquitectura Mughal, embora a sua
envolvente não esteja tão bem conservada.
Já mais afastados do centro, a uma boa dezena de quilómetros que levam bastante mais do que o esperado a
percorrer dado o trânsito caótico de Delhi, ficam pelos menos dois lugares que merecem
uma visita.
O lugar
de Mehrauli, uma das primeiras cidades de Delhi, constituiu por volta de
1193 o centro do sultanato de Delhi, o primeiro reino muçulmano no norte da Índia. As construções que ainda hoje vemos, como mesquita, mausoléu e outros edifícios, estavam no coração da cidade muçulmana, mas o destaque maior
vai para o Qutab Minar.
Este é o minarete isolado mais alto da Índia, com 72,5 metros de altura, apenas menos 5 pés do que o Taj Mahal. Baseado num estilo afegão, a sua construção foi iniciada em 1202 e
apresenta cinco níveis distintos, onde se vêem diferenças arquitectónicas, resultado dos diversos acrescentos que lhe foram
efectuados pelos sucessivos reinantes. Registo ainda para a existência aqui de um pilar em ferro que os cientistas de hoje
ainda não descobriram muito bem como
foi possível não oxidar ao longo destes séculos
todos.
O outro
local a visitar é o Templo Baha, também conhecido como Templo de Lotus, dado o edifício tomar a forma, precisamente, de uma flor de lótus. Os Baha, uma das religiões
mais recentes, nascida na Pérsia no século XVIII, são conhecidos pela sua tolerância religiosa e por defenderem que existe apenas um deus,
uma raça, um mundo. Todos estão convidados a visitarem este templo que, preceitos e
preconceitos religiosos à parte, é mesmo uma obra de arte da arquitectura moderna. Construído em 1986 pelo arquitecto canadiano-iraniano Fariborz
Sahba, o edifício com as nove pétalas brancas da flor de lótus
é acompanhado exemplarmente por
nove pequenas piscinas às quais se chega depois de uma
escadaria que poderia constituir um anfiteatro.
Este
templo é visitado por centenas de
pessoas por hora, a maior parte delas parecem locais, ou seja, indianos. Mas não só o templo é uma atracção. Para nós, longe de sermos umas modelos ou umas estampas, foi difícil caminhar sem sermos constantemente abordadas para
tirarmos umas fotografias. Um pouco por toda a Delhi, e também em Agra, sucedia isto. Mas aqui neste templo foi
verdadeiramente incrível e um pouco incompreensível até, há que assumi-lo, ver as próprias
mulheres a sugerirem e empurrarem os seus maridos para tirarem fotografias com
as exóticas estrangeiras. Inesquecível e ainda mais inacreditável
será, porém, lembrar a miúda loura que na India Gate
aceitou tirar uma foto com uns poucos rapazes e logo no momento seguinte foi
engolida por, sem exagero, umas três ou quatro dezenas deles.
Fora este
fait-divers, Delhi revelou ser uma cidade enorme, sim, caótica, sim, mas surpreendentemente larga e com muitas zonas
verdes, sem esmagar o visitante. Provavelmente teremos esta ideia por não termos passado para os seus arredores ou subúrbios, pois que os seus 12 milhões de habitantes em algum lado terão de estar, e certamente algo amontoados.