Varanasi, a Kashi ou Benares, é um dos locais mais sagrados de toda a Índia. Uma das cidades do mundo habitadas há mais tempo, hindus de todo o país vêm aqui morrer ou para aqui são trazidos depois de mortos, pois aqui se alcança a moksha, a libertação da samsara, da roda da vida e da morte. O rio Ganges espalha fertilidade por onde corre e em Varanasi são lhe dedicados todos os rituais de celebração, quer sejam da vida ou da morte.
Mas é precisamente para estar no Ganges, ou tão somente para ver e sentir o Ganges, que pessoas de todo o lado chegam a Varanasi. Esta é a época de monções e, entre os riscos nada sérios, corremos o de não poder andar ao longo da beira do rio junto aos ghats quando o nível do rio está alto. Mas, felizmente para nós, e infelizmente para os indianos para quem monção é um ciclo natural, sobretudo de fertilidade, choveu pouco até agora e o caudal do rio está estranhamente baixo para esta altura do ano.
Os
melhores momentos para se ver os ghats e edifícios
de Varanasi junto ao rio é ao amanhecer e ao pôr-do-sol. Pela luz, claro, mas sobretudo porque é nesta altura que todos saem para se banhar, para fazer os
seus rituais, para lavar a roupa. Todos convivem animadamente, homens e
mulheres, muitos mais os primeiros do que estas, e vacas. Os barcos com os
(poucos) turistas e (muitos) indianos vão passando junto aos crentes,
tão perto que quase é possível partilhar as suas preces,
as suas braçadas na água, levar até com os espirros da roupa
molhada que está a ser lavada a bater nas
pedras.
O ghat
mais animado é o de Dasashvamedha,
bem central e colorido. É para aqui que todos vêm, sobretudo por volta das sete da tarde quando acontecem
cerimónias hindus com dança e música. Muitos ficam nas
escadarias, mas muitos outros assistem desde os barcos.
De entre
as dezenas de ghats existem dois que são usados para cremação. O de Manikarnika é
o maior deles e vemos pilhas de madeira espalhadas, umas à espera dos corpos para serem usadas, outras já a arder em pequenas fogueiras. Os familiares, apenas
masculinos, acompanham a cerimónia fúnebre junto ao seu ente ido. Isto porque o morto só se libertará feliz desta vida se não tiver lágrimas por perto, e ao que
parece as mulheres são muito choronas. Primeiro o
corpo, com roupa de cerimónia colorida vestida, é mergulhado no Ganges. Depois de aguardar secar nas escadas
é colocado na fogueira. A
madeira aqui utilizada diz-se que é da melhor qualidade, de lenta
combustão, e o corpo pode demorar
cerca de três horas a queimar. Após isso, as cinzas são lançadas ao Ganges e os familiares (normalmente o filho mais
velho ou a viúva) observam uma série de rituais, entre os quais o corte do cabelo - rapado -
e a veste de roupas brancas. Cerca de 300 a 400 cremações diárias são efectuadas aqui.
Existe
ainda um lazareto ao cuidado de padres e outros voluntários que se ocupa de pobres de todo o lado a quem, sem família, só lhes resta aguardar a morte.
A alguns deles é-lhes permitido cumprir estes
rituais de purificação, de morte mas ao mesmo tempo
de vida, no sagrado Ganges porque, há quem defenda e fica bem, na
morte somos todos iguais, pobres e ricos, hindus, muçulmanos ou cristãos.
Uma palavra mais para o templo de Vishwanath, dedicado a uma encarnação de Shiva. Para se chegar lá temos de ir adentro da cidade, afastando-nos dos ghats e do rio, por umas ruelas apertadas e sujas, mas sempre seguras. A polícia é presença constante por aqui, ao que parece por causa de algumas tensões religiosas. A nós, não hindus, não nos é permitida a entrada no templo, ficando apenas disponível uma vista muito de fugida e apertada das cores douradas das suas torres. Parece ser lindíssimo, mas provavelmente teremos que esperar por outras vidas para o conhecermos de forma plena.