terça-feira, dezembro 26, 2006

Lago dos Cisnes


A ver: O Lago dos Cisnes em Lisboa, no Teatro Camões, cortesia da Companhia Nacional de Bailado.
A primeira vez que fui ao bailado foi, precisamente, para ver o Lago dos Cisnes. E fi-lo a turismo.
Passo a explicar. Qualquer visita Moscovo não ficará completa sem uma ida ao ballet ou à ópera. E não existe lugar mais clássico para o fazer se não no mítico Teatro Bolshoi.
Ora, o Lago dos Cisnes, composição musical de Tchaikovsky, foi pela primeira vez apresentado no Bolshoi, em 1877. Parece, por isso, previsível que a nossa escolha tenha recaído nesta obra e neste monumento. Sim, monumento, uma vez que o edifício onde a companhia está sedeada é de uma imponência e, ao mesmo tempo, elegância que respeita toda a tradição cultural russa. Curiosamente, a fachada do nosso Teatro D. Maria II é muito parecida com a do Bolshoi.
No entanto, a compra de bilhetes para se assistir às suas apresentações não se compara em dificuldade. Em Moscovo havia-nos sido sugerido que adquiríssemos os bilhetes num quiosque perto do Teatro. Bem o tentámos, num daqueles com cartazes a decorar os seus vidros, nos quais apenas se reconheciam algumas figuras, uma vez que o alfabeto em cirílico é só para entendidos. Os entraves ao sucesso da nossa missão começaram por se revelar aqui: o que escolher? a que é que estes bonecos correspondem? como se pede um bilhete? porque o sr abana a cabeça? o que querem dizer aquelas palavras e aqueles gestos? não há peças nesta temporada? os bilhetes já se acabaram? temos mesmo que nos dirigir à bilheteira do teatro?
Sim. Tivemos. Mas aqui a história repetiu-se. Daí que não nos restou outra se não a opção que não desejávamos: recorrer aos serviços do hotel, os quais para turistas arranjam sempre bilhetes para o teatro, ballet, ópera ou qualquer outro evento cultural. Detalhe: aqui os preços mais do quadruplicam. Na verdade, até nem parece nada mal que existam preços muito acessíveis para os russos, uma vez que estes sempre fizeram gala e uso do acesso generalizado dos seus cidadãos à cultura. O que não parece nada bem é aproveitarem-se dos legítimos desejos dos turistas em beberem da cultura russa e cobrarem cerca de 45 euros por um lugar no 3.º andar do Teatro e nem sequer acompanharem o mágico bilhete de uns simples binóculos.
Ok.
O ballet foi deslumbrante.
E agora Lisboa.
Cliente recentemente assídua das apresentações da Companhia Nacional de Bailado, o nosso Lago dos Cisnes foi também belíssimo. Mais “moderno”, numa adaptação com final feliz, talvez para ir ao encontro da época natalícia. Assim, a princesa Odete, aquela que foi transformada em cisne pelo barão para que a desviasse do caminho e do amor do príncipe Siegfried, acaba, nesta versão do bailado, por viver feliz para sempre nos braços deste último, cabendo ao mau da fita a morte. Pelo contrário, na versão original o par romântico não tinha um final feliz mas antes trágico.
Destaque nesta apresentação para os cenários – sempre lindíssimos, cheios de cor e vida – e para os bailarinos, a sempre presente Ana Lacerda e o emprestado cubano Carlos Acosta.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Músicas

Por vezes passam-se meses sem que tenha oportunidade de fazer umas das coisas de que mais gosto (a par de viajar): ir ouvir música. Os meses de Novembro / Dezembro foram generosos nisso:
Gotan Project (que havia “perdido” em Julho por estar de férias), Lloyd Cole, Lisa Germano, Lambchop.
Nada mau.

Gotan Project, num Coliseu dos Recreios cheio, cheio, não desiludiu. Pura energia e psicadelismo electrónico misturado no tango. Em comparação com o Bajofundo Tango Club perdeu no intimismo que o Coliseu não permite e que a exiguidade do Teatro Variedades nos dá. Como bónus, ainda uma sessão de Sam The Kid.

De Lloyd Cole já havia escrito anteriormente. Nunca desilude nas suas cantigas / baladas melancólicas e o seu concerto só veio foi tarde, no que à minha estreia diz respeito.

Lisa Germano no Santiago Alquimista. Apenas a conhecia de ouvir 1 música na Radar. Depois de “After Monday” não restou outra solução se não ir ouvir mais do seu novo álbum, "In The Maybe World". A curiosidade de ir descobrir o Santiago Alquimista fez o resto – concerto numa sala a condizer com a música suave da americana que parecia que cantava para os amigos. Estes pediam uma música e Lisa obedecia. Se não o fazia era porque já não se lembrava da música ou da letra, respondia. É pá, peraí! Não lembrava? Então quer dizer que a rapariga não é nenhuma miúda? E tem músicas antigas? Lá tive que ir ouvir o seu historial completo (e foram mais 6 álbuns desde 1991).


Por fim, Lambchop. Talvez a minha banda preferida da actualidade e, por isso, não podia faltar. O lugar? As cadeiras duras para o rabo e desconfortáveis para os joelhos da Aula Magna. A banda é composta por mais de uma dezena de elementos, com Kurt Wagner, um ex-ladrilhador, como vocalista, e nessa noite ainda acompanhada pelos Hands of Cuba, também de Nashville, Tennessee. Há quem classifique a sua música na categoria de alternative country. Talvez sim, mas é também rock e electrónica ou soul e lounge. O certo é que são sussurros saídos da voz muito característica de Kurt, não muitos fáceis de acompanhar cantando mas deliciosos para os meus ouvidos. Concerto excelente. A repetir. Curiosos dois momentos da noite: um 1.º quando uma “maluquinha” saiu da plateia e foi colocar-se entre os muitos elementos da banda, limitando-se a abanar o corpo convenientemente ao som da música para logo voltar para o seu lugar quando esta terminou; um 2.º quando Kurt Wagner, no final, deixou algo esbaforido a sala pela porta que o comum dos mortais utiliza para momentos depois o encontrarmos no hall do edifício a distribuir autógrafos a quem quisesse.

Que o ano de 2007 nos continue a brindar com boas músicas e bandas ao vivo, são os nossos votos.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Que 10 años no es nada

Faz agora 10 anos – 1 década (!) – que pisei pela primeira vez a Argentina.
Por essa altura tinha inequivocamente um destino favorito, o Brasil, e uma cidade que julgava insubstituível, o Rio de Janeiro. Hoje o Brasil foi sem dúvida substituído pela vizinha Argentina. O Rio de Janeiro, esse, continua rei e senhor do meu destino, a tal ponto que, mesmo não conhecendo a maior parte do mundo, ficarei sempre na dúvida se me propuserem uma visita a uma cidade / país desconhecido ou ao Rio. Essa dúvida aumentará ainda mais se for obrigada a escolher entre o Rio e Buenos Aires.
Há 10 anos, então, aproveitando que a minha cidade – Lisboa – iria ficar semi parada pela visita de Bill Clinton e que os feriados de 1 e 8 de Dezembro calhavam num domingo – o único dia de trabalho, na altura, fora da vida de estudante – decidi comunicar aos meus pais que eu e a minha irmã iríamos viajar até à Argentina. Seria a primeira viagem que faríamos sozinhas, sem os pais ou sem alguém no destino que olhasse por nós.
Porquê a Argentina? Não faço ideia, mas a esta distância penso que Gabriel Batistuta e Gabriela Sabatini tiveram alguma influência sobre a decisão. Afinal de contas, o desporto sempre havia estado presente na minha vida e, assim, não seria estranho que, por exemplo, Borges, Gardel ou Che nada tivessem a ver com o assunto.
A viagem até nem começou nada bem. À chegada a São Paulo, e enquanto esperávamos o avião que nos levaria para Buenos Aires, descobrimos que a nossa bagagem havia ficado em Lisboa e que, com boa vontade, estaria em nosso poder cerca de 2/3 dias depois, uma vez que ficaríamos apenas 1 dia em Buenos Aires (depois regressaríamos) e iríamos imediatamente para Puerto Iguazu. Assim foi. De propósito, para irmos buscar os nossos pertences, tivemos que atravessar a fronteira Argentina / Brasil até ao aeroporto de Foz de Iguaçu, a melhor garantia para termos as malas mais rapidamente.
Antes disso, porém, escolhemos pernoitar em Buenos Aires num hotel de nome “Lisboa”. Está visto o porquê da escolha, não? O hotel era na verdade de 2 estrelas, apesar de vir descrito nos panfletos como sendo de 3 estrelas. Pedimos um quarto para 2 pessoas mas quanto o abrimos descobrimos que daria para 3 pessoas. Estranho. Quando saímos para a rua chegámos à conclusão que para a recepcionista não deveria ser nada estranho, afinal a rua do hotel tinha um cinema tipo “Olímpia” ou “Cine-Bolso” mesmo em frente e talvez a senhorita tenha pensado que as duas chicas solitas iriam em busca ou esperariam por companhia.
O dia da chegada a Buenos Aires foi a um domingo. No caminho do aeroporto para o centro o que mais impressionou – pela positiva – foram os magotes de pessoas que se encontravam à beira da auto-estrada a fazer piqueniques, aproveitando o verde da relva e os raios de sol. Depois, já no centro, nas ruas nas traseiras da Av. 9 de Julho (famosa pelos recordes de mais larga do mundo e por acolher o obelisco) o que mais impressionou – pela negativa – foi a quantidade enorme de lixo armazenado em sacos às portas dos edifícios.
A ausência de malas, a escolha do hotel e as ruas sujas e semi desertas de domingo tinham tudo para produzir um impacto não muito simpático e acolhedor da cidade mas… aquelas primeiras impressões esfumaram-se num ápice.
Para a memória da estadia em Buenos Aires fica a inclemente chuvada que caiu apanhando-nos desprevenidas na rua. Mas fica também a simpática oferta de uma boleia no chapéu-de-chuva que um guapo argentino nos ofereceu enquanto se encontrava parado, tal como nós, à espera de atravessar a rua. Fica ainda a recepção mais do que amigável, diria até paternal, que o poeta argentino Alberto Mosquera Montaña e sua senhora nos conferiram na nossa ida ao Café Tortoni, um dos mais mítico da cidade.
Fica também a ida ao Café La Biella, mais descontraído e moderno, e o estranho que foi ver as pessoas ali acomodadas a ler o jornal ou a conversar, com apenas uma bebida em cima da mesa, sem pressas, quer pela sua parte como pela parte dos funcionários. E os gelados Freddo! Tudo isto na Recoleta, famosa pelo seu cemitério. Também aqui, pela primeira vez, entrámos voluntariamente num cemitério e, desde aí, procuramos incluir uma visita a estes recantos de repouso nas nossas viagens. Ficará, ainda, na memória o preço exorbitante das coisas, bebidas a 400 escudos, refeições no Hard Rock Café (também o primeiro que visitei) a quase 2000 escudos. Uma loucura que teve o seu crash em 2001.
Nunca mais voltei a Buenos Aires, apesar de sempre pensar em fazê-lo. Em 1998, no entanto, voltei à Argentina mas dessa vez fui apenas a Bariloche, em trânsito vinda do Chile.
10 anos se passaram, quem diria?

quarta-feira, dezembro 06, 2006

A Conversa

- Where are you from?
- (silêncio)
- France, Italian?
- (silêncio)
- Spain?
- Não, Portugal!
- Oh! Figo! Cristiano Ronaldo!

9 em cada 10 conversas pelas ruas da Turquia mais ocidentalizada (porque não tive oportunidade ainda de conhecer outra) começam desta forma.
São uns chatos, estes turcos. Não nos largam até conseguirem satistazer a curiosidade de saber de onde vimos. Talvez para escolherem mais acertadamente a táctica para nos convidarem a entrar na sua loja, beber um chá, ver uns tapetes e uns kilims.
Não, nada chatos estes turcos. Se não quisermos comprar, não compramos, é o aviso prévio que nos fazem saber. Temos pelo menos é de dar uma olhada pela sua mercadoria e, mais importante, dar dois dedos de conversa.
Afinal, uns queridos, estes turcos.
Numas das conversas travadas com os turcos – sempre homens, porque os negócios por aqui são coisa deles – o rapaz começou por confessar não aguentar mais a curiosidade de nos ver passar para lá e para cá pela sua rua sem que lhe deitassemos um olhar (à sua loja, entenda-se) ou lhe respondessemos à sua pergunta (where are you from?). Satisfeita a sua curiosidade da proveniência das portuguesas, ficou encantando por obter réplica à afirmação de que a sua cidade natal era Van. Perguntámos-lhe: Van, a do Lago Van? Respondeu-nos: mas conhecem-na, sabem pelo menos onde fica? Sim, apenas sabemos onde fica no mapa, com esperança de em algum momento nesta vida nos aventurarmos Médio Oriente afora. Falou-nos então dos gatos de Van, de pêlo branquinho, com um olho de cada cor (um amarelo, um azul) e de quem se diz que adoram nadar no Lago. Mas Van, tal como a maioria do sudeste da Anatólia, é território Curdo e o rapazinho migrado para a Costa do Egeu, do outro lado do país, não perdeu a oportunidade de “passar a palavra”. Que os Curdos são discriminados no seu próprio país e que, ao contrário do que se diz, não querem a independência da Turquia. Apenas desejam que a esta minoria de cerca de 20 milhões (!) de cidadãos lhes seja concedida a possibilidade de ler jornais e de ver canais de televisão na sua própria linguagem. Que mude a mentalidade dos restantes turcos em relação aos curdos e que mude também a imagem que o resto do mundo deles tem. Quanto a mim, se já não levava preconceitos à partida (e os dias que antecederam a minha viagem foram dominados com notícias de novos atentados em alguns pontos da Turquia), depois de conhecer este simpático comerciante lembrar-me-ei de não permitir que eles possam vir a ser criados. Longe de ficar apoiante da causa, fiquei, sim, ainda mais apoiante de um mundo multicultural.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Tumbas no Castelo de Algodão

Para o fim da viagem ficou a visita a outro dos sítios na Turquia considerado património mundial pela UNESCO: Pamukkale – Hierapolis.
A cerca de 3 horas de Selçuk / Éfeso, e já com poucos dias disponíveis na contagem decrescente do regresso a casa, colocava-se o problema dos meios de transporte para o local. Existem autocarros para Denizli, a cidade mais próxima, a 30 minutos, o que implicaria ter de mudar de transporte. Ou seja, com a viagem de ida e volta num só dia, mais o tempo para se passear entre as ruínas, para além de cansativa a jornada previa-se apertada.
Optámos, assim, por aderir a uma excursão com início em Selçuk. Afinal de contas, ainda não havíamos enfiado o barrete da ordem nestas férias e havia que arriscar. Logo à partida deparámo-nos com o entusiasmo do operador turístico em anunciar-nos que antes de chegarmos propriamente a Pamukkale teríamos um tempo reservado para tomar banho numa piscina de um hotel de 5 estrelas. A que se seguiria um almoço bufete no dito hotel de 5 estrelas.
Uau! É mesmo o meu sonho de consumo.
Enfim, tempo morto de 1 hora gasto apressadamente num mergulho aqui, barrando-nos com “lama”, e um mergulho ali, numa água quentinha.
Pamukkale esperava-nos.
As imagens que havíamos visto indiciavam um lugar fantástico, surreal mesmo, daqueles que parecem não existir num planeta como o nosso.
O fenómeno a que se assiste neste local deve-se a uma formação geológica única, em que as águas ricas em cálcio caiem em cascata pela encosta criando as “travertines” brancas que hoje são cartão postal da Turquia.
A acompanhar a criação destas “travertines” temos ainda diversas formas que tomaram as rochas – prateleiras, piscinas, estalactites – que tornavam ainda mais prazerosa a utilização destas águas que possuem propriedades termais.
E digo “tornavam” porque o acesso às ditas “travertines” está hoje vedado. O boom do turismo nos anos 80 e 90 fez com que se construíssem dezenas de hotéis no topo deste sítio, destruindo não só alguns dos vestígios das ruínas de Hierapolis, como também desviando a água que corria em cascata para as suas próprias piscinas e necessidades. Outros abusos cometidos passaram igualmente pelo uso que as pessoas (os visitantes) faziam do local – aproveitar as águas para se lavarem, andar calçadas pelas “travertines” e, mesmo, de bicicleta ou mota.
Há uns anos, e na tentativa de reverter a situação, os hotéis foram demolidos mas, infelizmente, continua a correr pouca água em cascata, o que leva a crer que o problema estará também nos equipamentos que se situam abaixo de Pamukkale. Ou seja, o mal está feito e, dizendo em bom português, o que não tem remédio remediado está!
A impossibilidade de passear sobre as “travertines” e o facto da pouca água que corre hoje tornar menos exuberante o local não nos faz perder a viagem. Pelo contrário, o cenário continua deslumbrante e podemos, ainda assim, caminhar uns bons 2 km sobre este “Castelo de Algodão”, o significado de Pamukkale em turco, com os sapatos na mão, tentando não escorregar no chão branco carregado de cálcio.
Nunca um nome terá sido atribuído com tanta propriedade.

Aproveitando estas condições minerais dadas pela Natureza e a fama dos poderes curativos das suas águas, os romanos construíram aqui uma cidade, um imenso “spa”, à qual acorriam pessoas vindas de todos os cantos. Hierapolis é o nome da cidade que foi fundada no século II A.c.
Aqui podem ser encontradas as ruínas de uma igreja bizantina e as fundações do Templo de Apolo, entre outros monumentos comuns às cidades romanas, como a Agora e os banhos, e, como não podia deixar de ser, o Teatro.
O Teatro romano está implantado logo acima das “travertines” (ainda que não se consiga ter uma vista especial delas) e comportava cerca de 12000 espectadores.

Mas o ponto alto da visita a Hierapolis é a imensa necrópole que por aqui existe. Pois, nem todos os que ali acorriam terão ficado curados, daí que faça todo o sentido a construção de um cemitério para que não perdessem de todo a viagem. Existem, assim, inúmeros túmulos, sarcófagos, tumbas, alguns deles enormes e de todas as formas e feitios imagináveis.

Para turista ver, entre o Teatro romano de Hierapolis e as “travertines” de Pamukkale, existe ainda uma piscina com fragmentos de mármore submersos onde, diz a lenda (ou serão os prospectos turísticos?), Cleópatra se terá banhado. Na impossibilidade de se banhar nas águas do Castelo de Algodão ou nas águas das piscinas dos hotéis de 5 estrelas, resta então ao turista este banho “histórico”.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Pelas Ruínas

Sabia que a Turquia tem mais ruínas gregas e romanas do que a Grécia ou a Itália?
Não?
Então onde ficam Tróia, Pérgamo, Éfeso, Hierapolis, Afrodisias, Priene, Miletos e Didyma ou Xanthos-Letoon? À beira do Mar Egeu ou do Mar Mediterrâneo, mas todas em território turco.
De Tróia todos nós já ouvimos falar, quer seja pela Ilíada de Homero quer seja, mais recentemente, pelo filme.
De Pérgamo, mesmo que não tenhamos visitado o local na Turquia, se tivermos estado em Berlim temos grandes hipóteses de ter visitado o seu “Grande Altar” em solo alemão. Pelos museus do mundo afora, Alemanha, Inglaterra, Itália, Rússia, não é difícil encontrarmos objectos ou até edifícios inteiros levados destas antigas cidades que, na sua maioria, foram estudadas e escavadas por arqueólogos estrangeiros.
De todas as referidas, apenas visitei Éfeso e Hierapólis, ainda que Afrodisias seja, a par de Éfeso, uma das mais recomendadas para este périplo das pedras.

Uma visita a Éfeso seria, à partida, o ponto alto de qualquer viagem. E não desilude, pese embora a quantidade astronómica de turistas com quem temos que dividir o espaço.
É considerada uma das mais bem conservadas cidades clássicas e uma das quais onde é possível sentir uma atmosfera próxima do que era a vida numa cidade romana daqueles tempos.
Antes da chegada de Lysimachus, um dos generais de Alexandre o Grande, já havia uma cidade onde hoje se encontra Éfeso (estudos dizem-nos que já era ocupada em 1000 A.c. pelos Jónios), mas esta havia sido inundada pela subida do mar. Então, no século III A.c. o general reconstruiu a cidade, trazendo pessoas de cidades anteriormente por si arrasadas e fixando-as na nova Éfeso para que a pudessem povoar.
A cidade foi crescendo a tal ponto que no século I A.c. chegou a ser considerada a capital da Ásia Menor, para o que muito contribuiu o facto de se encontrar situada num local perto do mar, favorável às actividades ligadas ao comércio, e de ter o Templo de Ártemis mesmo à mão, lugar santo dedicado ao culto da deusa Ártemis para os gregos, Diana para os romanos. Éfeso terá mesmo chegado a atingir os 400.000 habitantes, o que a tornou a maior cidade da Ásia Romana e uma das maiores cidades dos seus tempos.


Éfeso é facilmente reconhecida pelo seu “Teatro Grande”, capaz de acolher 25000 espectadores (ainda hoje se celebram aí espectáculos), com uma vista soberba do topo das suas filas para o que em tempos foi o porto da cidade. Com esforço consegue-se hoje imaginar que se avista o mar que os tempos afastaram da cidade e levaram, em parte, ao seu declínio. Para se imaginar a grandeza da cidade, acrescente-se que dispunha ainda de um outro teatro, o “Odeon”, capaz de servir cerca de 1400 pessoas. Digamos que mesmo a lotação deste pequenito podia perfeitamente servir para entreter os habitantes de uma cidade média dos tempos modernos.

A “Via Curetes” é deslumbrante, cerca de 500 metros de comprimento tentando afastar do caminho algo estreito os turistas vindos de um dos muitos cruzeiros que passam por ali perto e que aproveitam para visitar as ruínas. Aqui ficam alguns dos edifícios que melhor representam a magnificência da antiga cidade cujas reminiscências ainda hoje nos permitem entender a sua disposição e utilidade.
A “Porta de Hércules”, onde todos se amontoam para tirar uma fotografia;
O “Templo de Adriano”, com a cabeça de Medusa no topo de um dos arcos para manter os maus espíritos afastados;
Os “Banhos de Varius”, embora existissem outros complexos deste tipo, uma vez que a cidade tinha um dos mais avançados sistemas de transporte de água (aqueduto) dos tempos antigos;
A “Latrina”, ou seja, as casas de banho públicas, o que mostra bem a preocupação com a higiene que os antigos efesianos possuíam;
A “Fonte de Trajano”;
As casas dos ricos.
Para se visitar estas últimas, no entanto, ter-se-á de adquirir um bilhete à parte, não incluído na entrada geral para o sítio de Éfeso. Com isso afasta-se a esmagadora maioria dos turistas da possibilidade de confirmar os excelentes trabalhos dos técnicos que no local ainda vão pondo a descoberto mais e mais vestígios e recriando as casas antigas. Diz-se que a seguir a Pompeia este é o melhor local para se poder admirar o luxo em que os romanos ricos viviam, com as paredes das suas casas abundantemente decoradas com frescos e o chão com mosaicos. A não perder, uma vez que apesar da longa jornada e do muito que há para visitar e aprender em Éfeso não se encontra nada semelhante a este local.

No final da “Via Curetes” fica a “Biblioteca de Celsus” que divide com o “Grande Teatro” o título do mais reconhecido edifício de Éfeso, os dois grandes postais da cidade antiga. No entanto, o título de mais fotogénico vai direitinho para a Biblioteca. O monumental edifício foi mandado erigir pelo Cônsul Julius Aquila em honra do seu pai Cônsul Julius Celsus e serviria para sua tumba. Mais tarde viria a ser utilizada como biblioteca e chegou a acolher cerca de 12000 títulos, naquele tempo só superada pela Biblioteca de Alexandria. A sua fachada, após a subida de uns degraus, é suportada por umas colunas e capiteis cuja dimensão não se consegue perceber em fotografias. Por trás de cada par de colunas encontram-se estátuas representando as virtudes: sabedoria (Sophia), pensamento (Ennoia), conhecimento (Episteme) e bondade (Arete).

Concluindo o passeio, fácil é perceber que esta cidade poderia bem competir com as dos tempos modernos, quer em organização quer em riqueza. E a sua riqueza passa não só pelo seu poder a nível monetário mas também a nível social e cultural. A preocupação na construção de banhos para os seus habitantes e, principalmente, a existência de teatros, biblioteca e templos dedicados ao culto dos vários deuses revelam a ambição dos seus líderes e população em cuidar do intelecto e atingir o conhecimento.

Entre Éfeso e Selçuk, fica o Templo de Ártemis (Diana, para os gregos), deusa grega. Este Templo foi considerado uma das 7 maravilhas do mundo e, à semelhança de todos os outros (com excepção das Pirâmides de Gize), hoje já nada resta dele (daí que nos tenha passado completamente ao lado). Ou praticamente nada, já que os poucos destroços que chegaram até aos nossos dias não são suficientes para nos dar a mais pequena ideia do que foi em tempos. E com “esses tempos” quer-se dizer o século VI A.c., quando foi construído. Era o maior templo da antiguidade, maior até que o Partenon, em Atenas. No século IV A.c. foi destruído pelo fogo e reconstruído na época em que Alexandre o Grande passava por estas terras. Diz a história que, impressionado com o templo, o nosso herói ofereceu-se para pagar a sua reconstrução em troca de o novo templo ser-lhe dedicado, proposta esta que viria a ser recusada pelas “autoridades locais”, mantendo-se firmes em continuar a dedicar o templo a Ártemis, a deusa da caça.

Outro dos monumentos carregados de história que chegaram até aos nossos dias é a Basílica de São João, em Selçuk, bem defronte do hotel por nós escolhido, o Hotel Bella, acolhedor e com um magnífico terraço com vista larga e plena para a Basílica.
Mais uma vez, diz a história que São João terá vindo para Éfeso no fim da sua vida, onde escreveu o seu Evangelho. No século VI o Imperador Justiniano decidiu construir uma Basílica no lugar onde se acreditava encontrar-se os restos mortais de São João e onde no século IV já havia sido construído, primeiro, um monumento e, depois, uma igreja. Tudo o que vemos hoje foi reconstruído (e encontra-se ainda a sê-lo) graças, especialmente, aos inúmeros terramotos.
Um lugar de peregrinação, não só para os cristãos mas também para os muçulmanos, é a “Casa da Virgem Maria”, a cerca de 9 km de Éfeso. Acredita-se que a Virgem Maria tenha vindo para aqui, após a morte de Jesus Cristo, acompanhada por São João. No fim do século XIX, após a visão da Virgem em Éfeso por parte de uma freira alemã, e guiados pelas suas descrições, um grupo de clérigos descobriu as ruínas de uma casa, tendo chegado à conclusão de que nesta teria passado Maria o fim dos seus dias. O Papa Paulo VI autenticou este local na sua visita em 1967 e, depois disso, o Papa João Paulo II e, agora, o Papa Bento XVI também por lá passaram. Hoje existe no topo do monte uma capela para assinalar a história e todo o 15 de Agosto é celebrada uma missa em honra da Virgem Maria, em que acorrem peregrinos vindos de todo o mundo.
Nós é que decidimos não acorrer lá, com muita pena da minha mãezinha, especialmente depois de ver na televisão o actual Papa neste santuário.