A sua construção
teve início há mais de 2000 anos,
século III
a.C., acreditando-se que terá
coincidido com a dinastia Qin, pelo mesmo imperador que mandou construir
o exército de
terracota de Xi'an e então
unificou o país.
Os propósitos
eram defensivos, procurando proteger o que então
era designado China Proper das invasões
dos povos do norte e nordeste, ascendentes dos povos conhecidos hoje como mongóis e manchus.
A sua estrutura não
é contínua, antes é composta por vários troços, uns que já não existem, outros
preservados até aos
nossos dias, outros ainda em reconstrução.
Ainda assim, são
cerca de 8851 km de muralha entre a fronteira com a Coreia do Norte e a província do Xinjiang,
os quais foram ganhando vida e crescendo ao longo das diversas dinastias.
No entanto, e talvez pela sua descontinuidade, a Grande Muralha
não foi muita
efectiva em impedir os povos do norte de invadirem a China - a prová-lo está o facto de várias terem sido as
dinastias estrangeiras a governarem o país
depois da sua construção,
de que são
alguns exemplos os Jin, os Mongóis
e os Manchus.
Mas se não
foi decisiva na protecção
dos inimigos, a Grande Muralha teve uma função
igualmente importante, uma vez que acabou por servir de rota para transporte de
pessoas e bens. Lembrar que troços
da muralha podem ser encontrados em lugares bastante inóspitos e ainda hoje de não muito fácil acesso.
Dando início
ao relato da nossa experiência,
dizer que o restauro da Grande Muralha tem sido uma empresa levada a cabo com
alguma intensidade ao longo das últimas
décadas e que é precisamente junto
a Pequim que encontramos os troços
mais bem restaurados. Mas talvez não
muito respeitadores da autenticidade do original.
Posto isto, há
que escolher qual o troço
a visitar. Mutianyu, Badaling, Jiankou, Huanghua Cheng, Zhuangdaokou, Simatai,
Jinshanling são
alguns nomes a ter em conta. No nosso caso, como queríamos conciliar o dia de visita à Grande Muralha com
uma ida até aos
Túmulos Ming,
a melhor opção
era Badaling. O mais acessível
e o mais concorrido. E para fazer tudo num dia não
restava outra hipótese
senão aderir a
uma excursão.
Neste ponto há
que abrir um parêntesis
para dizer que detestamos excursões.
Indo directamente ao fundo da questão, dizer que os Túmulos Ming - que me
seduziram à partida
por nunca ter esquecido os túmulos
dos imperadores vietnamitas, que possuem influência
da China - não
valem o sacrifício
de entrar numa excursão.
Ok, o sítio
onde estão
implantados é belo,
no meio das montanhas, mas são
estruturas muito maçudas,
cuja visita não
me acrescentou muito quer em termos históricos
quer estéticos.
Claro que só digo
isso por ter ido numa excursão.
Isto porque tivemos neste dia a pior refeição
da semana numa daquelas mega lojas que as empresas de viagem concertam com os
comerciantes em parar os turistas. Esta era de jade e ao fim do dia ainda nos
esperava uma de seda. Bom para quem quer comprar ou tenha interesse nesses
itens, no meu caso a fase dos bichinhos da seda já
passou.
Durante o almoço
de treta já estávamos a ver que a
visita em carneirada à
Grande Muralha iria ser apressada. Quando chegámos a Badaling a guia Jenny (ainda não consegui entender
porque é que
os chineses adoptam sempre nomes estrangeiros - e fazem questão que nós adoptemos um nome
chinês wo xing
shen de shan) começou
logo a dizer que teríamos
apenas duas horas no local e que por isso era bom apanharmos o teleférico em vez de
tentarmos subir por nós,
porque se não
não tínhamos tempo para
ir e vir, e que nos íamos
perder, e que o espírito
do Gengis Khan andava à
solta. Não,
esta ela não
se lembrou de inventar.
O certo é
que muito contrariadas (nós
e um casal inglês)
lá fomos no
teleférico -
toma lá 20
euros para cada. Do nosso grupo de 18 indivíduos,
só 3 tiveram o
discernimento de não
o fazer, constatámos
depois - precisamente dois irmãos
ingleses, um deles casado com uma chinesa.
A jornada de teleférico
conta-se de uma penada: quase meia hora na bicha, pouco mais de cinco minutos,
com muitas paragens no ar não
sei para quê,
para subir os quase 200 metros. Fantástico.
Mesmo assim, ainda tínhamos
cerca de 1 hora e meia para caminhar pela Grande Muralha, o grande objectivo do
dia.
O troço visitado está completamente renovado desde os anos 80. A paisagem é soberbamente infinita. Caminhamos desde a saída do teleférico para cima, a brincar de nos escondermos nas ameias e nas muralhas. O ambiente que se vive é de contentamento e até euforia por estar num dos maiores símbolos da humanidade.
Este pequeno troço
não tinha saída, pelo que
rapidamente voltámos
para trás e se
colocou um dilema: aceitar o que a Jenny havia dito, para voltarmos da mesma
forma (de teleférico)
e não começarmos a caminhar à toa para baixo
porque era difícil,
demorado e íamo-nos
perder - até contou
histórias de
desaparecidos e mortes (a sério,
enquanto me lembrar disto tão
cedo não volto
a meter-me numa excursão);
ou arriscarmo-nos a descer pela muralha, afinal de contas não havíamos subido assim
tanto no teleférico
e o percurso não
poderia demorar muito. Depois de muita indecisão
decidimo-nos por esta última,
não podia ser
de outra forma. Resultado: chegámos
cá abaixo ao
local de encontro rapidamente em primeiro lugar e ainda tivemos de esperar
quase uma hora por aqueles que desceram de teleférico.
Claro que dissemos à Jenny
que afinal nada era como ela contara, mas o cinismo dos chineses é algo a que me vou
habituando nestes últimos
anos. A inglesa, essa, pura e simplesmente armou o burro e deitou-lhe uns olhos
que a chinesa ainda deve estar a arder com a fúria
alheia.
Foi pena que na visita à
Grande Muralha o que tenha dominado tivesse sido o sentimento de que
poderíamos ter
estado uma manhã ou
tarde inteiras a caminhar pelo cenário
sem pressas ou pressões.
Isto porque é perfeitamente
possível
chegar até Badaling
de transportes públicos
desde Pequim.
Ainda assim, foi um momento alto da nossa viagem.
Custa a crer que outrora alguém
tivesse criado aquela obra impressionante. Aquela zona é praticamente um deserto montanhoso
para onde tiveram de ser deslocadas toneladas de pedra para levantar as
muralhas, que nalguns troços
são enorme. No
entanto, outras zonas há
longe de Pequim que, essas sim, são
verdadeiros desertos. Depois, a sua implantação
na paisagem parece ter sido decidida por um artista, tão belo é
o ziguezaguear da muralha na montanha.