Varsóvia terá sido a cidade que mais sofreu com a II Grande Guerra Mundial. Desde o começo da Guerra e com a ocupação do país por parte das tropas alemãs do regime nazi de Hitler a capital polaca foi sendo progressivamente arrasada. No final da Guerra, em 1945, cerca de 85% da cidade estava em ruínas. Para essa percentagem de destruição contribuiu sobretudo a Insurreição de Varsóvia de 1944 contra a ocupação nazi, sem sucesso, que trouxe como consequência a decisão de Hitler de, como vingança, reduzir toda a cidade a escombros - algo que não sucedeu com nenhuma outra cidade europeia.
No final da Guerra a Polónia entrou na esfera de influência dos soviéticos. Na época ponderou-se mudar a capital para outro local, tal era o seu estado de degradação. No entanto, os seus antigos habitantes e novos cidadãos estavam de volta a Varsóvia e começaram a reconstruí-la por sua conta. Mais importante ainda, Estaline necessitava de reconhecimento internacional e viu no esforço de reconstrução e manutenção da capital em Varsóvia uma forma de o alcançar.
O que se tratava, porém, era algo sem precedentes: não apenas a reconstrução de alguns monumentos, mas o ambicioso projecto de reconstrução de uma cidade inteira, nomeadamente da Cidade Velha e da Via Real, zona que foi meticulosamente reconstruída, em especial suas igrejas, palácios e praça do mercado.
Pese embora a propaganda comunista de que toda a nação contribuiria para esse objectivo, o que aconteceu foi que o entusiasmo e a mobilização de todo o país foram efectivamente tais que surgiram doações vindas de todas as regiões, bem como trabalho voluntário (e diz-se que até pedras de ruínas de outras cidades polacas martirizadas), o que faz com que esta seja de facto uma obra de toda a nação.
Durante 5 anos e até 1952 os trabalhos de reconstrução integral da cidade decorreram (ainda que as obras do Palácio Real se tenham prolongado até 1974, tendo este aberto as portas a visitas por parte do público apenas em 1984). Se esta história já era especial e totalmente inédita, os termos da reconstrução do centro histórico de Varsóvia tornam-na ainda mais memorável.
Com efeito, a decisão de reconstruir o centro histórico da capital martirizada foi uma de reconstruir não o existente imediatamente antes da Guerra, mas indo mais longe ainda até à reconstrução da cidade que existia nos anos dourados do século XVIII. Como não havia fotografias que testemunhassem o cenário, entre documentos e arquivos vários utilizados que recriassem o ambiente desse período, um dos recursos privilegiados foram as obras de pintura de Bernardo Belloto. Este artista veneziano era o pintor da corte do último rei polaco, Stanislaw August Poniatowski, na década de 60 do século XVIII e era conhecido pelas suas obras de vistas panorâmicas da cidade de Varsóvia. Era sobrinho de Canaletto, de quem adoptou o nome, sendo hoje possível visitar a Sala Canaletto no Palácio Real de Varsóvia, onde estão expostas aquelas suas obras depois de uma sobrevivência quase miraculosa quer da destruição quer da pilhagem nazi.
Obviamente, a reconstrução do centro histórico de Varsóvia como um todo, e logo um todo desconhecido da maior parte dos seus habitantes, porque muito anterior à sua vivência da cidade, levantou diversas questões e não foi isenta de polémica. Ainda que a ideia fosse legar às gerações futuras o exacto estilo dos monumentos mesmo se não fossem autênticos, vozes houve que questionaram o artifício e acusassem a decisão por fazer do novo centro histórico uma espécie de parque temático.
(Como curiosidade refira-se ainda que há quem diga que Belloto gostava de tomar algumas liberdades nas suas obras e que as vistas que pintou da cidade não eram totalmente conformes à realidade, usando de alguma fantasia na representação dos lugares. Quem saberá, então, se aquilo que hoje vemos é aquilo que costumava ser visto há 250 anos?)
O que acontece é que caminhado pelas ruas da velha Varsóvia não desconfiamos que os seus edifícios não têm mais de 70 anos, tal é o ambiente e carácter do lugar, ao que não é alheio o cuidado empenhado na reconstrução, seguindo critérios científicos.
Sabendo da história trágica da cidade há 70 e poucos anos, porém, o seu ambiente e carácter dobram e puxam ao sentimento, inspirando-nos mesmo, e não podemos deixar de admirar e louvar a força de um povo que depois da tormenta se enche de orgulho, recorda o seu passado dourado e reunindo todo o país à volta de uma identidade nacional comum sobrevive, ergue-se e faz renascer toda uma cidade.
Como consequência e reconhecimento de toda esta gloriosa obra humana, uma experiência de grande escala, em 1980 a Unesco distinguiu o Centro Histórico de Varsóvia como Património da Humanidade, relevando o fantástico exemplo de quase total reconstrução de um momento da história que correu do século XIII ao século XX.
A par desta reconstrução, outras construções pela cidade tiveram o seu início e prosseguiram ao longo dos anos. Ao contrário do centro histórico, o estilo adoptado foi o dos blocos soviéticos enormes e cinzentões. Uma nova capital socialista foi posta em marcha para fazer face à extensa devastação, impondo-se um novo planeamento da cidade e novas ruas e edifícios. Grandes projectos surgiram, um dos quais é ainda hoje o símbolo mais reconhecido de Varsóvia (por mais que os polacos detestem esta ideia, ainda que gostem do seu terraço panorâmico por ser o único ponto da cidade donde não se consegue ver o "monstro"). Falo do Palácio da Cultura e das Ciências, construído quase num ápice entre 1953 e 1956, um edifício poderoso cuja arquitectura não engana ninguém: é mesmo uma prenda de Estaline ao povo amigo polaco.