A Praça do Mercado de Cracóvia, a Rynek Główny, é a principal praça da cidade e a maior praça medieval da Europa.
Entra-se nela por uma das diversas ruas que lá vão desembocar e não se acredita. São 200 metros por 200 metros de pura elegância e deleite. Considerada património da humanidade pela Unesco, esta praça mantém a integridade e o carácter de tempos antigos, mesmo se foi objecto de várias alterações, tendo sobrevivido até à ocupação nazi que fez com que a praça mudasse temporariamente de nome para Praça Adolf Hitler. A esconjura não venceu e depois de tempos tenebrosos hoje a Rynek recuperou e é invadida por uma outra gente bem mais benigna. Os magotes de turistas.
As charretes puxadas pelos cavalos aguardam à beira da Basílica de Santa Maria, mas agrada-me mais aproveitar a ideia e imaginar-me transportada para uma outra época. A medieval, por exemplo. E nem custa muito imaginar tal cenário, uma vez que temos à nossa disposição o Rynek Underground. Aqui há uns anos umas obras na placa central da praça deixaram a descoberto as fundações antigas do lugar - o testemunho de uma autêntica cidade até então desconhecida. A decisão foi criar este museu original e fantástico, o Market Undergrounds Podziemia Rynku, instalado 4 metros abaixo da praça. Aqui se assiste à recriação da cidade medieval num percurso multimedia que é uma autêntica viagem no tempo. Vêem-se objectos que os nossos antepassados usavam no seu dia a dia e ouvem-se as suas vozes. Não é difícil deixarmo-nos ir e vaguearmos por ali como espectadores privilegiados de uma história que não vivemos.
O que era então Cracóvia para o mundo na época medieval?
A cidade datará do século VII, mas foi entre os séculos XI e XVI, quando foi capital da Polónia, que alcançou o seu apogeu. De tal forma estava no caminho das rotas que interessavam na época que no século XIII foi assolada pelos raids dos mongóis. A partir da criação da Universidade em 1364 foi crescendo e expandindo-se ainda mais, era parte da Liga Hanseatica e ponto central nas rotas de comércio da Europa.
A designação "Praça do Mercado", isto é, Rynek, vem do facto histórico de este ser o local onde se vendiam os bens - peixe, galinhas, carvão, mas também metais preciosos como ouro e jóias. Os edifícios ao redor da praça eram então propriedade dos mercadores mais ricos e símbolo do seu estatuto e riqueza. Nos dias de hoje não são essas casas que deslumbram, praticamente todas elas ocupadas por restaurantes nos pisos térreos e sem a graça das casinhas da Rynek de Wroclaw.
O que nos faz render a tamanha beleza e carácter é o ambiente que aqui se vive e três edifícios em particular: a deslumbrante formosura da Torre da antiga câmara municipal, o Salão dos Tecidos (reconstruído várias vezes ao longo dos tempos, mas absolutamente íntegro nos seus elementos góticos e renascentistas de cujas arcadas nos recordaremos sempre) e a Basílica de Santa Maria.
De cor de tijolo, este é talvez o postal mais famoso de toda a Polónia. Surpreendentemente, as duas torres da Basílica não são iguais, uma possui 81 metros de altura e a outra "apenas" 69 metros, e ainda assim a simetria e equilíbrio não são quebrados.
Esta igreja começou a ser construída no século XIII no lugar de vestígios de uma antiga igreja romanesca que acabou destruída pelos Tártaros. Reconstruída no século seguinte, obteve desde aí o seu carácter gótico. O que a nossa vista e todos os demais sentidos têm o prazer de receber hoje é consequência do restauro do final do século XIX. E digo demais sentidos porque não só a vista é requerida aqui para uma experiência total. Também a audição é essencial para se entender um pouco mais desta praça e da cidade que a acolhe. Cumprindo uma tradição que remonta ao século XIV e recuperada em 1996, depois de interrompida pela ocupação alemã na II Guerra Mundial, a toda a hora certa há que especarmo-nos em qualquer ponto da praça, de preferência bem perto da Basílica, para escutar o Hejnal, a canção que nos é dada pelo clarim que sai do topo da sua torre mais alta. Tradicionalmente o Hejnal era tocado como aviso quando o perigo se sentia pelo avistar da aproximação dos inimigos, surgindo como indicação para o fecho das portas da cidade. Hoje os turistas não são inimigos, não há mais perigo e ninguém precisa de ser afugentado. Pelo contrário, deliciamo-nos com esta melodia harmoniosa e só queremos permanecer pela praça a ouvi-la e senti-la, o que não é difícil uma vez que a cerimónia vai-se repetindo durante o dia, com o rapaz do clarim a aparecer em cada uma das janelas da torre mais alta da Basílica para acenar à multidão agradecida cá embaixo.
O interior da Basílica é outro lugar para se viver uma experiência incomum. Para além de ser belíssima, com paredes e tectos que parecem aveludados com uma cor azul penetrante, guarda uma obra-prima. É o Retábulo de Santa Maria no Altar-Mor monumental gótico esculpido por Veit Stoss, criado entre 1477-1489. Há duas formas de o ver, fechado ou aberto, e de uma para a outra há todo um cerimonial a ser cumprido. Às 11:50 em ponto uma freira dirige-se ao altar e, com uma série de curiosos na sua frente, procede à abertura das duas laterais do Retábulo. Então aí, das doze cenas representando as dores de Maria passa-se a uma revelação: é mesmo uma maravilha o que temos diante nós. Em talha dourada, este é o maior retábulo gótico da Europa, medindo 11 metros por 13, um exemplo grandioso e exuberante de arte medieval. Aberto o Retábulo, os painéis apresentam cenas da vida de Jesus Cristo e da Virgem Maria, com imagens do seu Adormecimento, Assunção e Coroação. Tudo elaborado com uma precisão e detalhes tais que é fácil perdermo-nos nos pormenores e na riqueza materializada nos dourados que inundam a Basílica.
E, para algo mais terreno, indispensável ainda uma subida à Torre de Santa Maria, a tal onde um rapaz toca o clarim de hora a hora. Como não podia deixar de ser, a vista do alto da sala do clarim é absolutamente de tirar o fôlego e aqui obtemos uma percepção imbatível dos exactos contornos da Rynek, bem como da malha urbana de Cracóvia.
Com tudo isto dito, é fácil passar um dia inteiro apenas na Rynek de Cracóvia e não sentir vontade de lá sair.