Os longínquos habitantes da Capadócia usaram as rochas para aí escavarem as suas casas, mesmo que para isso tivessem que escalar umas dezenas de metros. O que hoje, aos nossos olhos, parece uma missão impossível e pouco prática para se montar uma residência tinha, na verdade, um propósito mais largo: a segurança contra os invasores e inimigos, bem como um aproveitamento das condições naturais dos materiais rochosos que, assim, asseguravam uma boa insolação – mais quente no Inverno e mais fresco no Verão, tendo em conta que ambas as estações são rigorosas nesta região.
(habitações em Uchisar)
Nos dias que correm, muitas destas casas, conhecidas por caves, são aproveitadas pelos habitantes nossos contemporâneos, com a diferença de que hoje dispõem de condições pelo menos muito próximas daquilo que consideramos “conforto”. Parte delas foram transformadas, inclusivamente, em pensões ou hotéis para receber os turistas.
Ficámos num deste em Goreme e, mais uma vez, graças ao guia Lonely Planet, acertamos em cheio na sua escolha. O “Kelebek Hotel” tem uma situação geográfica fantástica, num plano mais elevado, permitindo contemplar grande parte da Capadócia ao mesmo tempo que nos sentamos ou deitamos a beber um chá numas das almofadas típicas e confortáveis que se vêem um pouco por toda a Turquia. A decoração dos quartos faz-nos pensar que somos personagens de uma das histórias das mil e uma noites – o site do hotel permite-nos conhecer e escolher antecipadamente os quartos (escolhemos o n.º 13 para podermos dormir viradas para os tapetes plantados no tecto). E os donos e funcionários do hotel são uns amores, disponíveis e prestáveis no que diz respeito a dicas para passeios pela região, quer organizados quer a solo.
Só por isso já valia a pena ter ficado mais dias na Capadócia e no seu Kelebek (uma raça de pombo). Aqui permiti-me fazer algo a que não estou habituada nas minhas curtas viagens, sempre aproveitadas ao máximo: chegar antes do entardecer ao hotel e sentar, relaxar, contemplar o espaço à minha volta.
(um dos pátios do Hotel Kelebek, com a vista do castelo de Uchisar ao fundo)
Goreme é uma vila situada na Capadócia, a mais usada como poiso para os turistas. Não tem mais de 2000 habitantes, com a curiosidade da coordenadora do guia Lonely Planet “Turkey” ter ela própria uma casa por aqui. A vila dispõe de todas as condições – hotéis, restaurantes, agências de viagem – e é um ponto de paragem de autocarros vindos das redondezas, bem como de cidades bem mais afastadas (Istambul está à distância de cerca de 11 horas, Ankara de 4 horas e Kayseri, o aeroporto mais próximo, a 1 hora).
Não obstante este ar de ponto de acolhimento turístico, com toda a artificialidade a isso subjacente, conserva algo daquilo que caracterizaríamos como “parado no tempo”. Os seus habitantes dedicam-se à agricultura e à cultura da vinha e a muitos deles encontramo-los sentados, à porta das suas casas, dedicados ao artesanato. Quando passamos, aproveitam para nos convidar a entrar, a conhecer as suas casas centenárias, a sua vida. O convite é autêntico, apesar de sabermos bem que por trás de toda esta hospitalidade está a intenção de nos vender os seus trabalhos.
Em Goreme fica o chamado “Museu ao Ar Livre”, declarado pela Unesco património da humanidade. Uma concentração de igrejas bizantinas e um bom primeiro contacto com as formas rochosas e casas escavadas na rocha que iremos encontrar pela região. Em Zelve, não muito longe dali, encontraremos um outro “Museu ao Ar Livre”.
(castelo romano em Goreme)
Se alugarmos um carro por um dia conseguiremos dar uma saltada a várias das vilas / aldeias próximas a Goreme e que com ela têm em comum o facto de por lá existirem as rochas / casas típicas da Capadócia.
Uçhisar com o seu castelo, Çavusin com frescos no meio de um amontoado de rochas escavadas pelo Homem e pelos pombos, mais se assemelhando a uma cidade fantasma que todos tiveram pressa de abandonar, Ortahisar também com o seu castelo, Mustafapasa a recuperar as suas caves para receber os turistas e Urgup, a maior em número de habitantes nas imediações, a cidade que todos na Turquia conhecem, uma vez que as suas ruas são palco das filmagens de uma das séries de televisão de maior audiência no país. Avanos não têm piada de maior a não ser para se percorrer as suas lojas de artesanato. Não se pode dizer que sejam uma autêntica pechincha mas para o trabalho – todo à mão – que os artesãos realizam anda perto disso. A maioria das peças são lindas e ainda ganhamos o direito a uma explicação detalhada por parte do artista acerca da maneira como o trabalho é feito e, se desejarmos, podemos nós próprios moldar algumas peças e brincarmos aos oleiros. A cidade de Nevshehir, a maior da região (sem contar com Kayseri, a do aeroporto), serve apenas de passagem, para se mudar de autocarro, nomeadamente para seguir até às cidades subterrâneas de Derinkuyu e Kaymakli.
(o parque de estacionamento de Urgup)
Feita a apresentação das vilas / aldeias / lugares, resta dizer que se é certo que ninguém vem até à Capadócia à espera de encontrar centros urbanos densificados é também certo que aqui se dispõe de todas as condições básicas para permanecermos o tempo que desejarmos. E esse básico é, para mim, a possibilidade de se tomar um bom banho e uma boa refeição. Não há compras (tirando as almofadas e os tapetes), mas existe um computador disponível em quase qualquer canto (muito útil para descarregar as fotografias).
É o suficiente para fazermos uma pausa na vida do nosso mundo ocidentalizado e globalizado e nos alhearmos um pouco da realidade.