De manhã saímos para as ilhas flutuantes de Uros com Guterres. Quem? O nosso ex-primeiro-ministro? Não, um cão que um casal de argentinos encontrou recém-nascido à beira do Lago Gutierrez, no sul do seu país. Desde aí que viajam sempre acompanhados do novo elemento da família e o incrível é que o cão, que não é assim tão pequenote, segue-os sem problemas, seja na camioneta ou no barco da excursão, seja nas ilhas de totora que visitámos neste dia.
As ilhas flutuantes de Uros, tal como prevíamos, são extremamente turísticas. A tal ponto que existem mesmo alguns viajantes que se negam a visitar aquilo que entendem que não é autêntico mas extremamente comercial, assim como afirmam que Machu Picchu não é a tal, que existem outras cidades incas mais bonitas e importantes e ainda não estragadas pelo turismo. Quanto a Machu Picchu, apenas poderei confirmar se assim será numa futura viagem (a este propósito, tem piada poder dizer que as duas manas são originais na sua viagem – éramos as únicas estrangeiras por Puno e Copacabana que não iriam até Cusco e Machu Picchu).
Quanto às ilhas flutuantes de Uros, direi que se não tivesse estado cá teria deixado de ver algo singular e único no mundo e, sim, ainda autêntico.
É verdade, no entanto, que do porto de Puno saem várias mãos cheias de barcos com uma vintena de turistas (a viagem, que dura cerca de 30 minutos, é organizada – única forma de visitar as ilhas) e cada um dos grupos pára na ilha que o seu guia previamente acordou com os locais. Estes recebem os turistas que desembarcam na sua ilha com sorrisos expressivos e vestidos coloridamente a rigor, com saias, chapéus e o cabelo com pompons. Faz lembrar um daqueles filmes do Elvis no Hawaii onde os nativos esperavam os aholes para lhes colocar os colares típicos.
Os Uros, diz a lenda, são anteriores à criação do sol, quando a terra ainda era escura e fria. Não se consideravam da raça humana mas simplesmente Uros. Até que com o passar do tempo a miscigenação com os Aymaras foi levando a uma progressiva perda da sua identidade e costumes. A sua língua, nos dias de hoje, é falada apenas por uma escassa minoria.
Serão umas 40 ilhas no total (o seu número poderá variar consoante os interesses das famílias Uros) e não visitamos mais do que duas, geralmente a principal, onde tem escola, igreja e outros equipamentos básicos, e mais uma ou outra mais pequena.
Turismo massificado à parte, é efectivamente uma experiência fantástica navegar pelo Titicaca e aportar numa pequena superfície construída com as raízes de totora e totora seca.
Quando saímos do barco não temos outra solução senão encarar as ditas totoras, uma espécie de junco que abunda no Titicaca, e pisá-las decididamente. E, surpresa, o chão das ilhas flutuantes não se move e nem sai dos nossos pés, ainda que nos dê a sensação de planarmos, talvez algo assim parecido com o andar nas nuvens.
A totora, que inunda a nossa visão, serve para quase tudo. Não só para estabelecer um “chão”, como também para construir as casas deste povo, os seus barcos e, até, como alimento. Que não sabe nada mal, aliás. Depois, claro, somos inundados de solicitações para comprarmos o produto do trabalho dos Uros, artesanato local (feito de totora, é claro) e têxteis (os homens dedicam-se também à pesca, tradicionalmente o principal meio de subsistência desta tribo). E somos, também, convidadas a visitar as suas casas e descobrir que no meio de todo aquele cenário primitivo não falta a televisão – obra dos geradores – para que as senhoras possam assistir ás suas telenovelas.
As ilhas flutuantes de Uros estão ligadas umas às outras por uma corda subaquática, com a ajuda de pedras a 20 de profundidade, para que cada uma não fique à deriva pelo Lago afora (técnica que dava jeito nos tempos em que os Uros queriam manter o isolamento das tribos mais poderosa e numerosas). No entanto, tal não evita de todo que em dias de tempestade as ilhas amanheçam num local diferente daquele que deixaram o dia anterior.
A cada 15 dias vão sendo acrescentadas novas camadas de totora ao piso, substituindo as inferiores que vão ficando danificadas pela água. Em cada umas ilhas vivem cerca de 20 a 40 pessoas e para se deslocarem entre as ilhas, os seus habitantes têm, obrigatoriamente, de usar o barco. O barco de totora, hoje, como é muito lento e requer o esforço de um remador, é quase que exclusivo para os passeios com os turistas, deixando os barcos a motor para as frequentes deslocações dos Uros. No entanto, ainda se vêem uns quantos pelo lago.
Resumindo e concluindo, é certo que este é um local em que uma visita se torna incontornável, quer sejamos turistas ou viajantes.
À tarde visitámos Sillustani, um sítio de interesse arqueológico onde os Kollas (pré-incas) depositavam os seus mortos nobres (por vezes famílias inteiras com todos os seus pertences e até a sua comida) numas torres funerárias construídas em pedra que chegam a atingir os 13 metros de altura – as monumentais chulpas. O local onde os mortos haveriam de ficar para sempre dificilmente poderia ter sido melhor escolhido – numa planície elevada à beira do Lago Umayo. A conjugação da arquitectura destas torres com a paisagem que as rodeia confere a este cénico local um misticismo indescritível.
De volta a Puno parámos num dos povoados que vamos vendo no caminho. Um género de quinta murada com cerca de 4 pequenas casas, com um arco na entrada e pátios consecutivos. Tudo muito simples e humilde, funcionando como uma comunidade de pequenas famílias. Aí pudemos observar – e provar – a forma de confecção e aproveitamento de alguns alimentos (batatas, favas, quinoa, queijos, pão frito e outros cereais), bem como a produção de têxteis, principalmente de tapetes.
No entanto, o ponto de maior divertimento foram as lamas e, especialmente, uma alpaca com uns pompons azuis na cabeça que se encontravam à entrada deste pequeno povoado, parece que prontas para nos receber. Estes animais são verdadeiramente bonitos e pitorescos para qualquer não andino e, neste caso, deram um show à parte enquanto devoravam a palha que lhes oferecíamos à boca.
Outro show foi a nossa guia. Há que ter sorte com quem calhamos quando seguimos num passeio organizado e desta vez não nos podemos queixar. Pelo contrário, Marita, para além de muito informada e clara sobre os assuntos que nos guiou, era bastante divertida. Como ela não se cansava de dizer, “Marita a presidente”, do Peru, é claro. Toledo que se cuide.
Um apontamento mais.
Chegadas a este ponto já havíamos viajado algumas centenas de km pela Bolívia e agora alguns poucos km pelo Peru. Ainda assim, é manifesta a diferença em quantidade de povoados num e noutro país. Muito menos na Bolívia, com muito maior frequência no Peru, onde as aldeolas se vão sucedendo umas às outras.
Igualmente, as casas em Puno e arredores encontram-se inacabadas as mais das vezes. Diz-se que só se pagam as taxas quando a sua construção tiver chegado ao final e, assim, vão adiando o seu pagamento. Por outro lado, na Bolívia, ainda que os edifícios tenham um ar mais finalizado, praticamente ninguém os pinta, permanecendo para sempre o tijolo como material a servir de capa.