A anunciada chuva chegou neste dia. E fez questão de ficar até ao fim. Uma chatice, esta, a de ter de passear à chuva. É desagradável e a paisagem não tem o mesmo encanto. Nara merecia outra cor, até porque os seus templos de madeira escura contrastam bem é com céu limpo. Seja como for, de pés encharcados o dia todo, lá caminhamos até termos visitado tudo o que nos havíamos proposto.
Nara fica a menos de uma hora de comboio rápido desde Kyoto e
as suas maiores atracções
podem ser visitadas num dia. Esta era a capital antes de Heian / Kyoto e, tal
como esta, inspirou-se na capital chinesa de Chang'an. Planificação urbana no princípio
do século VIII
era coisa que provavelmente os europeus nem suspeitavam, mas os japoneses
sabiam de quem copiar as ideias e adaptá-las
de forma magistral, muitas vezes superando até
o original. A capital foi transferida de Nara para Kyoto não só pelo antigo
costume shintoista de se mudar o local da capital aquando da morte do
imperador, mas também
porque o budismo, em especial um determinado monge, vinha ganhando uma influência excessiva na
corte. Contando o meio da história,
há que dizer
que mesmo no período
Heian o budismo não
cessou de florescer. O que é
certo é que
foi sobretudo no período
Nara que quem tinha o poder mais fez para que o budismo, que havia sido
introduzido no Japão
há cerca de
150 anos, fosse religião
da corte.
O que se vê
hoje caminhando pela área
junto ao Parque de Nara, são
templos budistas, sim, mas também
muitos santuários
shintoistas. Comunhão
perfeita. Destaque para um de cada família:
o Todai-ji e o Kasuga Taisha.
Menção honrosa para o pitoresco pagode do Kokufu-ji e para os mais de mil gamos, que antigamente se diziam ser os mensageiros dos deuses, que abundam por todo o lado e são senhores da terra de tal forma que até fazem parar os carros à sua passagem.
Menção honrosa para o pitoresco pagode do Kokufu-ji e para os mais de mil gamos, que antigamente se diziam ser os mensageiros dos deuses, que abundam por todo o lado e são senhores da terra de tal forma que até fazem parar os carros à sua passagem.
O Todai-ji é
um complexo de templos cuja maior atracção
é o seu edifício principal, o
Daibutsu-den (hall do Grande Buda). Este é
o maior edifício
de madeira do mundo e só
de pensar que foi reconstruído
em 1709 e ficou apenas 2/3 do que era originalmente consegue-se compreender a
grandeza do sítio.
A simetria entre o templo e os jardins que o acompanham é total. Antes esta simetria era ainda
maior, com dois pagodes a ladearem-no. De qualquer forma, muita sorte temos nós de todas estas
obras de arte terem chegado aos nossos dias.
Ainda parte do complexo de Todai-ji, o encanto do Nigatsu-do está na sua varanda e na vista que ela nos proporciona, com as montanhas como guardiãs da cidade. O mais curioso é que tantos são os templos, mas consegue-se sempre encontrar algo de diferente, surpreendente e encantador no que se visita em seguida.
No caso, em seguida não visitámos um templo, mas um santuário. O Kasuga Taisha é o mais importante em Nara. A relação entre o shinto e a natureza é íntima e o local onde este está instalado é mágico, entre a floresta. Pensando bem, acho que a chuva ajudou a dar ao ambiente por aqui um tom mais misterioso e envolvente. Para se chegar até este santuário percorremos um caminho ladeado por uma série de lanternas. E lá dentro há muitas mais para apreciar. O cenário da lanterna face ao papel japonês é simplesmente inesquecível.
De volta a Kyoto assistimos a uma manifestação de umas centenas
de pessoas a favor da paz. No Japão
discute-se hoje o abandono constitucional da referência à
recusa à guerra.
É um assunto
delicado que gostava de abordar com algum tino. Mas conhecendo um pouco da história japonesa do século passado, e
sobretudo as suas ambições
expansionistas, imperialistas e messiânicas,
parece-me que este é um
tema delicado que deveria ser abordado pela comunidade internacional. Gostei de
ver que parte dos kyotenses são
sensíveis a
este assunto.
Está visto
que no século
XXI tenho mais medo do Japão
do que da China.
Deixando as comparações politicas de parte, certas são as influências chinesas sobre
o Japão. E
certo é também que a cópia soube fugir do
pastiche e alcançar
um resultado melhor ainda do que o original. Os templos aqui são belíssimos. Não digo que os do
Japão sejam
mais encantadores, como defende a mana. O que digo é que em Kyoto e em Nara, cidades que já visitámos até agora, pode-se
caminhar e observar com calma, sem os magotes de gente que se via um pouco por
toda a Pequim. E ter pelo menos a ilusão
de alguma exclusividade do olhar e poder assimilar o que se vê no próprio local faz toda
a diferença.
Veredicto: em Kyoto a concorrência
turística não é páreo para nós.