Assistiu-se a uma rápida
industrialização,
as linhas ferroviárias
cresceram sem parar, a luz eléctrica
apareceu, bem como edifícios
ao estilo ocidental em bairros como Ginza. Nem o altamente destruidor terramoto
de Kanto, em 1923, foi capaz de parar a intensa modernização da capital,
reerguendo-se os japoneses num ápice.
Idem para os bombardeamentos aliados de 1944, os quais destruíram dois dos
maiores templos de Tóquio,
o Meiji-jingu e o Senso-ji, logo reconstruídos.
O resto da história,
já se sabe, o
Japão após a capitulação do imperador
Hirohito, em 1945, viria a transformar-se por completo, quer no seu íntimo - renunciando
à militarização e domando o seu
espírito
nacionalista e expansionista - quer no seu exterior. As grandes empresas
adaptaram-se e criaram os grandes conglomerados que hoje reconhecemos, como a
Mitsubishi e a Toyota, e os cidadãos
adoptaram o "american way of life" e superaram-no, criando uma
economia pujante e uma cultura que iria ela própria
cativar os ocidentais.
Vem isto a propósito
de não se
esperar encontrar belos e encantadores templos em Tóquio. A verdade é que, ainda assim,
tal é possível.
Começámos a manhã com um passeio pelo Meiji-jingu, rivalizando no caminho com as centenas de chineses que tiveram a mesma ideia. À entrada do parque encontramos, empilhados, cestos de sake, cada um mais bonito do que outro. O santuário é xintoísta, arquitectura moderna, equilibrado, vendo-se ao fundo os arranha-céus da cidade. Apesar de ficar às portas de Harajuku e Aoyama, das zonas mais movimentadas da cidade, consegue-se viver no santuário e nos jardins à sua volta uma calma imensa e sentirmo-nos mesmo afastados da louca vida urbana.
Aqui perto fica o Estádio Nacional Yoyogi, que acolheu os Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964, um momento de viragem para os japoneses, em que sentiram que finalmente tinham passado os tempos de guerra e a sua reconstrução bem conseguida os havia permitido fazer parte das mais modernas economias. A arquitectura dos edifícios que ainda aqui encontramos, cortesia do arquitecto Kenzo Tange, é notável. O Ginásio Nacional Yoyogi é fantástico nas formas que toma, lembrando uma concha ou, quem sabe onde a imaginação nos leva, porque não a crista de um cabelo mantido a gel.
A ponte que nos leva da estação
de Harajuku ao parque do Meiji-jingu ou ao parque Yoyogi é onde os meninos e
as meninas do cosplay se costumam encontrar. Não
vimos nenhum ajuntamento em especial, mas vimos, sim, muita gente estranha aqui
perto, principalmente na Takeshita-dori. Esta estreita rua acolhe lojas estranhíssimas, desde roupa
e acessórios
esquisitos até gelados
em formato de pizza que são
depois enrolados de forma a fazerem um cone. À
entrada, anunciando os produtos, estão
indivíduos
(nem sempre dá para
entender qual o género
dos ditos) vestidos e produzidos das formas mais bizarras. Tóquio é reconhecida também pela
excentricidade das suas gentes, as quais se orgulham de sair para a rua tal e
qual os seus personagens preferidos. Toda uma cultura à parte para quem não está minimamente por
dentro do universo manga e anime.
Deixando a Takeshita-dori e atravessando a Rua Takeshita fica todo um mundo de lojas trendy por descobrir e, sobretudo, o Design Festa. Este é um edifício absolutamente esquisito (mais um), cheio de tubos no seu exterior, uma espécie de aranha, nada mais do que o cartão de visita para a criatividade que se experimenta dentro das suas portas. São diversas salas que podem ser reservadas pelos artistas para expor as suas obras e ao meio, num pátio, existe um café com comida ligeira.
Ainda em Harajuku fica o Museu Ukiyo-e Ota Memorial Art. O
Ukiyo-e é uma
arte de pintura japonesa em blocos de madeira e as suas obras ficaram
conhecidas como pinturas do mundo flutuante. Esta arte é lindíssima
e sou uma apaixonada por ela (mais textos sobre o
assunto aqui). Retrata imagens da vida do dia a dia, de personagens do
kabuki, samurais, dos distritos do prazer, paisagens como as celebradas
pinturas da onda e do monte Fuji do mais do que celebrado Hokusai, em exibição num qualquer
museu ocidental perto de si (pois é,
se se quer apreciar de perto estas obras japonesas o melhor é ir ao British em
Londres ou ao Met em Nova Iorque). Voltando ao Museu Ota, este consegue exibir
de três em três meses apenas uma ínfima parte da sua
colecção. Nós tivemos a
oportunidade de assistir a uma exposição
dedicada ao tema "Espectros, fantasmas e feiticeiros".
Teria preferido uma coisa mais delicada, mas toda aquela panóplia de monstros
também não
caiu nada mal.
E, para algo totalmente diferente, temos a Omote-sando. Edifícios com as marcas mais inacessíveis ao comum dos mortais, desenhados pelos deuses da arquitectura. Desde logo o Omote-sando Hills, um centro comercial obra de Tadao Ando. Depois, do outro lado da rua, o Louis Vuitton de Aoki Jun, tendo por vizinha uma igreja - os extremos juntos. E o Tod's de Ito Toyo. Mais abaixo o Comme dês Garçons de Kawakubo Rei e, cereja no topo do bolo, a Prada de Herzog & de Meuron. Pelo meio destes, muito edifício e loja para os quais os nossos sentidos têm de estar muito atentos.
Subindo de volta a Omote-sando, seguimos depois pela Meiji-dori rumo a Shibuya. A Meiji-dori continua com lojas e mais lojas, mas agora um pouco mais populares, como de surf, street wear e montanha. Não é má ideia deixarmo-nos perder pelas suas ruas interiores, mas acabámos sem tempo para o fazer.
Shibuya é mais um distrito louco de Tóquio. Muita confusão, muita juventude, muita loja estranha, muita confusão. A Shibuya Crossing, uma intersecção de ruas desenhada a zebra das listas brancas da passadeira, é um exemplo vivo do pulsar da cidade. Por mais que já se tivesse visto em filme, é uma experiência única e arrebatadora. O melhor é atravessar a rua na diagonal como os tokyoites e depois subir ao Starbucks e ficar a ver o cenário junto a uma das suas janelas como os estrangeiros. A qualquer hora do dia, são milhares de pessoas constantemente para lá e para cá, um movimento belíssimo num cenário de neons.
Saídas
de Shibuya o destino era Daykanyama e Ebisu. Até
lá caminhámos pelo bairro dos
hotéis do
amor, mais uma vez cada um mais estranho do que outro, não só
pelo conceito, mas também
pelos edifícios
em si. Rico, muito rico.
Passámos
por ruas absolutamente calmas, estreitas, quase uma aldeia dentro da grande
metrópole.
Daykanyama não
é tão pop assim. Chegámos já de noite, má hora para as
fotografias. Terá que
ficar guardado na mente. Uma loja da Saturdays Surf NYC, onde provavelmente vimos o mais bonito shortjohn de sempre, com um terraço com uma vista de
um fim de tarde a fazer lembrar Amã
- que associação
estranha, seria do cansaço
de um dia todo na rua a caminhar?
Mas Daykanyama ficará para sempre na minha memória pelo T-site, uma mega loja de livros (e também música e vídeo) com uma (mais uma) arquitectura fabulosa. São três edifícios "caixa" ligados entre si, todo um conceito melhor explicado aqui. Estilo é a palavra de ordem.
Daqui a Ebisu é
só seguir
em frente. Com tantos restaurantes na rua a dificuldade é escolher um. Deu para perceber que
alguns não estão para receber
estrangeiros. Quando entrámos
na izakaya que tinha meros dois lugares ao balcão
entendemos o porquê.
Simplesmente não
há menu sem
ser em japonês,
e dá trabalho
entender o que o estrangeiro quer. Na verdade, também dá
trabalho ao estrangeiro fazer-se entender nos seus desejos, mas o lost
in translation continua a ser uma experiência
das melhores para lembrar. Ficámos
uns minutos à toa,
a decidir se era melhor olhar para os pratos dos vizinhos ou tentar decifrar as
letras, já que
eu tenho a mania de que até
leio hiragana e katakana. Logo um senhor japonês veio em nosso socorro oferecendo
ajuda. Disse-nos que este era bom, aquele também
e aquele-outro idem. Resultado: salmão
grelhado (que eu me recuso a comer em casa), feijão
verde seco (único
verde com o qual não
posso) e o sashimi da ordem (por mim amado em qualquer lado do globo). A mana não conseguiu deixar
de galar os pratos dos vizinhos. Como conclusão,
obrigado pela ajuda, mas tínhamo-nos
safado melhor com a velha técnica
do olhar para o lado e apontar.
A noite acabou com a visita à
Torre do Ebisu Garden Place para ver as vistas da Tóquio nocturna.