A presença do Muro marcou Berlim de forma inegável. Actualmente parte das áreas por onde passava o Muro são alguns dos principais pontos turísticos da cidade.
Porém, a presença do Muro e a sua história é oferecida de formas diferentes. Se a East Side Gallery, em Friedrichshain, com o muro pintado por artistas, nos dá uma leitura leve, artística e mesmo divertida, não nos remetendo para o drama das quase três décadas de encarceramento da população da Berlim Oriental, já o Memorial da Bernauer Strasse, no bairro de Prenzlauer Berg, transporta-nos para o sofrimento e a barbárie daqueles tempos.
Na East Side Gallery, um troço de muro de 1,3 Km paralelo ao rio Spree, podemos ver a arte urbana desenvolvida por diversos artistas do mundo na sequência da queda do Muro.
A cor está presente e a temática expressa está intimamente relacionada com a história.
Um dos murais mais famosos é o beijo do líder soviético Brezhnev ao líder da RDA, Honecker, obra, de 1990, de Dmitri Vrubel designada My God, Help Me To Survive This Deadly Love.
Este graffiti reproduz o beijo icónico entre os dois líderes em 1979, aquando da celebração dos 30 anos da criação da RDA.
O mural do francês Thierry Noir é também considerado um dos mais icónicos. Noir foi, em 1984, o primeiro artista a pintar o Muro e aparece, inclusivamente, no filme de Wim Wenders Asas do Desejo, de 1987.
O Trabant, carro icónico da formação comunista da Alemanha Oriental, a rebentar pelo muro, obra de Birgit Kinder, é outra das pinturas mais conhecidas.
Mas muitas outras são fascinantes. Pena o estado de conservação que já obrigou a novas repinturas, processo polémico na medida em que nalguns casos não foram os artistas originais que as refizeram. Após esse restauro, algumas das pinturas estão actualmente protegidas por gradeamentos, o que retira muito do encantamento do espaço.
Noutras partes da cidade é também possível ver vestígios do Muro, como na área envolvente à Potzdamer Platz.
Mas é na Bernauer Strasse onde mais se sente o Muro como ele foi.
A Bernauer Strasse foi uma das ruas em que um lado fazia parte de Berlim Ocidental e o outro de Berlim Oriental.
A intervenção museológica ali feita é extraordinária. O Gedenkstätte Berliner Mauer, para além de um centro de documentação, de um fantástico centro interpretativo, inclui um percurso interpretativo ao longo de toda a rua (cerca de 1,4km) com elementos explicativos que nos permitem perceber a evolução da construção do Muro, a transformação ao longo dos anos daquela parte da cidade com a construção de um muro ainda mais intransponível devido à cegueira crescente de quem mandava, assim como entrar em algumas histórias pessoais de quem tentou atravessar o Muro.
Por vezes percorrendo Berlim damos por nós a questionar a que Berlim pertencia aquele território. Marcas subtis no pavimento ajudam a responder.
Porém, na Bernauer Strasse, através de uma instalação extraordinária e de grande sensibilidade é perceptível com nitidez como era feita a divisão do território. Ao mesmo tempo em que em alguns troços permanece a presença do Muro, na maioria da extensão da rua foi colocada uma instalação semelhante às cofragens dos muros no lugar onde este passava. Estes elementos dão-nos a noção de barreira, mas simultaneamente oferecem a transparência e possibilidade de atravessamento que o Muro durante décadas não permitiu.
Não há como não nos revoltarmos, chocarmos e emocionarmos ao termos acesso aos relatos de quem viveu esta situação na primeira pessoa. Seja por estar impedidos da natural liberdade, por familiares estarem impedidos ou por os vizinhos do outro lado da rua estarem.
Choca saber que de um lado da rua alguém tomasse livremente banhos de sol no seu jardim ladeado pelo muro e no outro uma multidão estivesse na fila para aquisição do racionamento definido nas lojas do povo, como mostram os registos fotográficos do centro de interpretação.
Impressiona também que o Muro tenha dividido o sistema de transportes, contribuindo para que algumas estações de metro tenham virado estações fantasmas, porque remetiam para território oriental. É o caso da estação Nord-bahnhof S-Bahn, que dá acesso à Bernauer Strasse. O metro passava, mas não parava nestas estações altamente patrulhavas por guardas de fronteira da RDA.
Mas não há como não nos emocionarmos com imagens, algumas implantadas nas empenas dos edifícios, como a do soldado a saltar a barreira de arame farpado ou também com os registos da queda do Muro e termos vontade de ter estado naquele momento histórico junto das pessoas que sofreram e lutaram anos pela queda daquela vergonha da humanidade.
Como não compreender que após a declaração da queda do Muro, muitos insistissem saltar o mesmo em vez de passarem por partes já derrubadas. Provavelmente naquele momento, para muitos, foi a concretização do acto de transgressão desejado durante anos a fio.
Por outro lado, como não fazer um sorriso irónico e pensar que quem lidera o mundo é patético. Sobretudo, quando nos primeiros metros após o Checkpoint Charlie (que virou uma palhaçada turística), onde antes, de 1961 a 1989, a partir daquele ponto até Vladivostok o controlo era totalmente soviético e hoje está instalado um McDonald's, um dos maiores símbolos do mundo capitalista.
É nesse momento que me questiono, porque razão a humanidade não aprende com os erros do passado.