A viagem foi, como não podia deixar de ser, uma seca insuportável. Quatro horas de espera no aeroporto de Miami, depois de 9 horas dentro de um avião da Iberia com lotação a 1/5 (o mesmo é dizer uma fila para cada passageiro se deitar à vontadinha), não faziam imaginar mais 8 horas até La Paz num outro avião com cadeiras estreitíssimas, muito menos que Sofia viajasse espremida no meio de duas gordas. Para mim tanto me faz a companhia e as características do avião, é sempre uma grande maçada e desconforto. Ainda para mais, ultimamente tenho sofrido um súbito e inexplicável medo de voar perto das nuvens. Claro que para isso não ajudou que a descida para o aeroporto de Sucre ficasse num vale rodeado de uma montanha inacreditavelmente próxima, numa intimidade que o cansaço me levava a não desejar, acompanhada de uma turbulência assustadora.
Nos breves momentos de espera em El Alto (La Paz) tinha saído um pouco à rua e pude sentir os 10 graus de temperatura e os montes nevados à volta. Agora, em Sucre, faziam “apenas” 27 graus, com um sol fortíssimo, que se sente ainda mais por estarmos a 2790m de altitude.
Chegámos ainda antes do almoço e decidimo-nos por um pequeno reconhecimento pelas ruas da cidade. Praças cheias de gente, ruas cheias de gente, vida de cidade. O mercado cheio de cores. Respeitosamente, pedimos para tirar uma foto a uma das senhoras da fruta. Resposta: 5 dólares. Um aviso para o que se seguiria (mais cobranças, virar de cara à mínima sensação da máquina fotográfica).
Segunda-feira era dia de os museus se encontrarem fechados e havia alguns que gostaríamos de visitar, como a Casa da Liberdade e o Convento de San Felipe Neri. Teria de ficar para amanhã.
À frente do Convento Neri, a Igreja de la Merced, que por fora não será a eleita entre as inúmeras igrejas da cidade, tem, no entanto, uma vista fabulosa de toda a cidade de Sucre e seus arredores. Daqui se constata bem a geografia característica da cidade, encravada num vale, o traçado direito das suas ruas, os edifícios coloniais ainda presentes e, principalmente, o branco do casario contrastando com o ocre dos telhados, as cores dominantes de Sucre. O terraço da Igreja é, só por si, merecedor de uma visita.
Original, com montinhos carregados de telha a adorná-lo. Aqui podemos relaxar, deitarmo-nos um pouco.
Bem precisava. Por esta altura a tarde ainda não ia muito avançada mas sentia que não podia mais. Apesar de a altitude não ser assim tão exagerada, talvez a sua aliança com a duração da viagem de avião e o jet-lag me tenham deixado KO, com uma das piores dores de cabeça da minha vida. Resultado: cama às 19:00h, sem jantar nem nada.
A Sofia contou o resto: à noite, como de dia, as ruas enchem-se da mesma multidão, um corrupio para lá e para cá. O jantar foi ainda mais barato que o almoço e tivemos a primeira percepção de que tal como pudéramos escolher o melhor hotel da cidade – o super agradável Parador Santa Maria la Real, com os seus páteos e quartos coloniais – iríamos poder escolher qualquer restaurante. Refeições para duas pessoas a 5 euros num local da moda? Só mesmo na Bolívia.
Sucre é a capital constitucional e judicial da Bolívia, enquanto que La Paz é a capital administrativa do país. Se isso na prática tem alguns resultados positivos ou não, não faço a mínima ideia. O que sei é que por Sucre se vêem mensagens em tarjas em muitos edifícios com a inscrição “Sucre plena” e por La Paz veria mais tarde outras inscrições contrarias exigindo a manutenção dos poderes naquela que nós temos ideia ser a cidade mais importante da Bolívia.
Disputas de poder à parte, Sucre tem cerca de 250 mil habitantes e historicamente tem um valor sentimental para os bolivianos, uma vez que foi aqui que a independência da Bolívia foi proclamada em 1825, na Casa da Liberdade. Bolívia tomou o nome de Simon Bolívar, o grande libertador da América do Sul, primeiro presidente do país, e Sucre tomou o nome de António José de Sucre, general também decisivo na constituição do novo país e seu segundo presidente.
Em 1991 a Unesco inscreveu Sucre na lista do património mundial e muitos defendem que esta é a cidade mais bonita da Bolívia. O que é certo é que se vê, efectivamente, que foram realizados esforços para a manter cuidada e bem conservada e os páteos dos seus edifícios (cada um deles tem, parece que quase obrigatoriamente, um páteo) são encantadores e convidam a que, da rua, não se deixe de lhes dar uma espreitadela.
Sucre é, assim, um bom exemplo de conservação de uma cidade colonial na América do Sul, num esforço muito assinalável num país que apesar de pretender manter bem viva a sua história, tradições e cultura, terá, todavia, escolhas bem difíceis ao traçar as suas prioridades.