Depois de uma noite bem arrumadinhas dentro do saco cama, levantámo-nos às 5:00 da madrugada, noite cerrada, frio mais do cerrado, para encarar os geysers. A sua acção é melhor apreendida pela manhã cedo, onde os seus vapores se perdem no ar matinal tentando fazer frente ao sol. Como bónus por termos saido da cama tão cedo tivemos o nascer do sol em directo.
Os geysers que visitámos tomam o sugestivo nome de “Sol de Mañana” e estão a cerca de 1 hora de carro desde a Lagoa Colorada e a 4850m de altitude. São umas crateras e fumarolas donde saem disparados uns vapores quentíssimos (com o gelo cortante que se fazia sentir é difícil acreditar que algo seja quente por aqui) a alturas que chegam a atingir os 50 metros. Se o frio por aqui é insuportável (nem calças de polar, camisolas de polar, luvas de polar, gorro de polar e blusão de polar com corta vento nos safam), os odores que irrompem pela terra não lhes ficam muito atrás.
O mais surreal por aqui é que a uns minutos mais de distância de carro encontramos umas águas termais onde nos podemos vingar do frio. Se a coragem para me despir por inteiro (fato-de-banho à parte) não apareceu, os pés, esses, foram aliviadamente depositados nas águas quentíssimas e ricas em minerais de uma pequena piscina nas Termas de Polques, com os omnipresentes flamingos como testemunhas.
E por falar em surrealismo, em rota para o próximo destino passámos por um local conhecido como “Roca de Dali”, onde umas pedras com estranhas formas no meio de um deserto nos remetem, efectivamente, para um cenário retirado de uma pintura do pintor catalão. Terá Dali andado por aqui a modelar as rochas e dispô-las a seu bel-prazer num deserto dos Andes?
Entretanto, a paisagem do Altiplano Boliviano continuava soberba, com desertos intermináveis sem se passar por qualquer povoado (pudera, tão inóspito e insuportável será viver a esta altitude). As cores da terra e das montanhas ganham aqui um colorido único, talvez por se encontrarem tão próximas do sol e das nuvens.
À medida que nos íamos aproximando do vulcão Licancabur, cujo topo alcança os 5868m, a paisagem dos Andes ia-se tornando ainda mais brutal, com as montanhas bem altas pintalgadas de neve. O Licancabur tem a seus pés a Lagoa Verde, cuja tonalidade de verde quase esmeralda (devido ao magnésio existente no fundo das suas águas) se pode tornar mais ou menos intensa consoante o vento sopra a favor desse fenómeno ou não. Por sorte conseguimos ver parte de um verde irreal em parte da lagoa. Não em toda a sua dimensão, o que seria sorte a mais, mas uma decente amostra. E por sorte, também, conseguimos apanhar um muito fotogénico reflexo do Licancabur nas águas verdes da lagoa. A lagoa, como espelho, nem sempre fica assim, como pudemos observar pelo desaparecimento num ápice do reflexo das montanhas na água, para logo voltar a aparecer minutos depois.
Chegadas à Lagoa Verde e ao Licancabur, metade Bolívia, metade Chile, com a Argentina ali à espreita à esquerda, havia que retornar a Uyuni, a algo cansativas 6 horas de distância, com uma paragem para almoço em Villa Mar, situada à beira de um riacho. O curioso por estas paragens é que a qualquer pequena aldeia do Altiplano não poderá faltar um campo de futebol com balizas. Para além deste equipamento, Villa Mar dispõe também de uma quadra de basquete onde 3 miúdos simpaticamente requereram a companhia das 2 forasteiras para compor o jogo.
Antes da chegada a Uyuni parámos ainda em San Cristobal, considerada uma aldeia modelo, com uma pitoresca igreja de estilo colonial bem distinto.
San Cristobal tem algumas semelhanças com a nossa Aldeia da Luz. Não que compare o Alentejo com o Altiplano Boliviano. Também não fica perto de nenhuma barragem nem viu a sua original aldeia ser afogada por esta. San Cristobal fica, isso sim, próxima a uma mina e deu jeito ao consórcio canadiano que a explora que San Cristobal fosse transferida para uma localização a uns kms de distância da original.
A curiosidade maior é terem mudado por inteiro a igreja colonial, carregando-a e montando-a peça a peça. De resto, foram construídas novas casas, as quais possuem um ar moderno que não encontramos em muitos mais povoados das redondezas. Idem para posto médicos, escolas e, como não podia faltar, equipamentos desportivos.
Os canadianos têm controlado, assim, esta zona pela actividade que vêm desenvolvendo na dita mina donde desde os anos 80 têm sido extraídos prata, zinco e chumbo. Há quem compare a importância dos minérios aqui existentes com aqueles que outrora existiram no Cerro Rico, em Potosi. Talvez por isso, e para que o acesso a este local não seja tão difícil, existe hoje uma estrada – patrocinada precisamente pelo consórcio canadiano que detém os direitos sobre as minas – que com boa vontade (para os nossos padrões) poderemos considerar boazinha. De terra batida, sim, mas larga o suficiente para que possa ser considerada segura acelerando-se a quase 100 km / hora. Com isso, desde há poucos anos o tour que sai de Uyuni pelos salares, vulcões e lagoas passou a durar 3 dias e 2 noites, e não os 4 dias e 3 noites anteriores à abertura deste estradão.
Depois de muitos kms, cerca de 1000, percorridos em 3 dias por paisagens deslumbrantes e únicas, muito pó e algum cansaço, seguiu-se a chegada a Uyuni e sua torre pelas 17:30 e uma seca até às 20:00, hora da saída do nosso autocarro para La Paz. Aqui deu-se a primeira contrariedade da viagem: sabendo que nos esperaria uma viagem de 11 / 12 horas num autocarro bum bum maioritariamente em terra batida, reservámos com 1 mês de antecedência o muito publicitado “bus turístico” que anunciava evitar o desconforto maior da turbulência inevitável nas estradas da Bolívia. Qual não foi o nosso espanto quando descobrimos que nem reserva na internet, nem telefone desde Uyuni, nem dinheiro adiantado, nem bilhetes com lugar marcado na mão seriam suficientes para fazermos a nossa viagem, uma vez que a empresa havia vendido esses mesmos lugares a outras pessoas e que seriam essas a viajar no nosso lugar. Detalhe: o autocarro estava completo e a proposta da empresa de transportes era passarmos mais um dia em Uyuni e seguirmos viagem dai a 24h. Perante proposta tão desonesta face aos curtos dias de viagem, sorte que o bom senso acabou por imperar e ainda que por pressão nossa, qual país do 1.º mundo respeitando os compromissos previamente assumidos, o dinheiro acabou por nos ser devolvido e oferecidos 2 bilhetes numa outra empresa similar que partiria à mesma hora. Não sei se ficámos a ganhar, pois metade da viagem, enquanto durou a terra batida e o atravessar de riachos estreitíssimos, foi péssima, e a dificuldade para adormecer mais do que muita.
O certo é que esta constituiu o adeus a Uyuni, seu salar, vulcões, lagoas, flamingos e geysers. Adeus Altiplano.