domingo, outubro 14, 2007

14 de Setembro – Salar de Uyuni



Não muito cedo, estupidamente tarde até para quem se propõe fazer um tour de 3 dias (2 noites) percorrendo cerca de um milhar de km de estrada, saímos para a viagem de jipe 4x4 pelo Salar de Uyuni, lagoas, flamingos, geysers, vulcões, enfim, tudo o que a mãe natureza nos daria direito a ver pelo Altiplano boliviano até bem junto da fronteira com o Chile.
Estes tours, bastante procurados, saem todos os dias de manhã e a melhor opção, dada a grande oferta, é mesmo contratá-los numa agência directamente em Uyuni. Depois é só distribuir pelos jipes necessários os viajantes em grupos de 6.
A companhia que nos calhou, para além do motorista e sua mulher cozinheira, constava de duas irlandesas, um francês e uma boliviana. Das irlandesas quarentonas quase não se ouviu palavra durante todos os dias da viagem. O francês apenas sabia dizer “ah, oui”. Quanto à boliviana, foi uma sorte apanhar com alguém que vive a realidade do país para nos pôr ao corrente da situação – turística, certamente, mas também histórica, politica e social da Bolívia.

A primeira paragem deu-se num cemitério de trens, à entrada de Uyuni. Como havia referido no post anterior, Uyuni é um importante ponto de intersecção de comboios daí que possa fazer sentido este amontoado de velhas carruagens já sem uso estacionadas à sua porta. De questionar, todavia, o interesse de incluir esta paragem quando o que se espera conhecer tem tudo apenas que ver com natureza.



Uns quantos kms depois chegámos a Colchani, onde em troca de uma breve explicação e demonstração do processo de tratamento e armazenamento do sal fomos convidadas a oferecer uma “propina” de uns quantos centavos de boliviano ao improvisado guia local. Preço ajustado – para baixo – à informação.



Logo em seguida, parámos para sentir o primeiro cenário de sal infinito com as pirâmides de sal e um pouco mais à frente com um hotel inteiramente feito de sal – as paredes, mesas, assentos e tudo mais que possamos imaginar.


Seguimos, então, para a ilha Incahuasi e no trajecto tivemos a verdadeira realidade da dimensão do salar, um verdadeiro deserto branco.
São 10582 km2 que fazem do Salar de Uyuni o maior do mundo, a 3653m de altitude.
Quando aqui há uns meses colocámos de lado a opção Peru para as férias de Verão, foi o Salar de Uyuni, principalmente, que nos motivou para a alternativa da vizinha Bolívia (nada despicienda foi a leitura das partes do livro de Gonçalo Cadilhe dedicadas ao salar que deixou a mana verdadeiramente impressionada). Estando agora por aqui, sentindo todo este infinito mágico à nossa volta, só nos podemos sentir iluminadas por esta opção.
Há muitos milhares de anos, toda esta zona formava um só lago gigantesco (o Lago Minchin) cujas águas viriam a evaporar e secar e redundar em dois lagos (Poopó e Uru Uru) e dois salares (Uyuni e Coipasa).



São km e km de uma improvisada estrada branca percorridos em jipe a alta velocidade que nos faz sentir, muitas das vezes, estarmos autenticamente a voar.
O branco intenso e imenso do sal confundiria qualquer um que se aventurasse a percorrer estes caminhos por sua iniciativa. A única solução para não acontecerem enganos na direcção que se quer tomar é fixar uma das inúmeras elevações dos Andes que vão rodeando o salar, como o monte e vulcão Tunupa com o seu pico a 5432m de altitude. Diz certa lenda que foi o leite saído do peito de uma mulher chamada Tunupa que formou este salar.
A ilha Incahuasi, no meio do Salar de Uyuni, é uma estranha e mágica formação da natureza. Parece irreal que no meio de tanto branco de sal surja de repente uma rocha elevada, com uma dimensão percorrida nuns bons 40 minutos, cheia de cactos centenários, alguns dos quais com mais de 10m de altura.


É um contraste de elementos da natureza e de cores surpreendente – ao branco debaixo dos nossos pés e ao azul do céu sobre nós, junta-se aqui o castanho forte da terra desta ilha.





À beira da ilha, naquilo que seria a água, em substituição do sal, se estivéssemos a falar do conceito de ilha tradicional, ocupámos o nosso tempo a imaginar as possibilidades de fotos surreais que todos aqueles que se aventuram por aquelas passagens com uma máquina fotográfica não deixam de fazer. Quer dizer, todos aqueles menos os do nosso grupo. Ou seja, limitámo-nos a imaginar situações em que apenas uma de nós poderia aparecer na foto a representar algo de estrambólico, e não aquelas fotos tradicionais tiradas no local com uma trupe de 3, 4 ou 5 elementos imaginariamente às cavalitas um dos outros. Ou seja, teve de ser o chapéu e os óculos da mana a suportar todo o seu peso.


O fim do dia veio cedo. Chegámos a San Juan do Rosário, aldeola no meio do nada (só por esta vez consideraremos os Andes como nada), ainda a tempo de ver o por do sol.


O jantar veio às 19:00 logo seguido do aviso de que o gerador com a luz não demoraria muito a voltar a ser desligado. Ficámos os 6 instalados numa casa de um piso com 3 quartos ao longo de uma sala corrida ocupada apenas com a mesa e cadeiras para as nossas refeições. Tudo muito humilde mas bem adequado para a viagem que fazíamos. A casa de banho (com banho quente apenas a pedido e em troca de umas moedas pelo esforço de ligar o esquentador), por exemplo, ficava num outro bloco à saída da rua do nosso. Uma sorte, no entanto, ter de sair com um frio gélido num breu cerrado e dar de caras com um céu imensamente estrelado. Nem nos melhores sonhos imaginei que pudessem existir tantas estrelas e tão grandes. Soa a cliché mas é mesmo assim: um privilégio no meio da ausência de tantas coisas que nós, europeus, tomamos como garantidas.