A viagem desde Uyuni foi horrível. Saímos pouco depois das 20:00 e só lá para as 2:00 da madrugada, quando o asfalto chegou, o bus “turístico” deixou de abanar por todos os lados. Abanava, digamos, só metade. O barulho intenso do motor, esse, continuava. Se dormi umas 3 horas foi muito.
Chegámos ao Hotel Rosário às 6:30 e, claro, o quarto ainda não estava pronto. As poucas horas de sono haviam sido passadas a sonhar não tanto com o descanso mas mais com um banho que, relembro, era coisa que não víamos ia fazer 3 dias. Não nos restou outra solução a não ser (bem) aproveitar o tempo explorando o lobby do hotel – internet, livros acerca da Bolívia e muita informação sobre costumes e lugares para se estar e visitar.
Por volta das 7:30 saímos para caminhar um pouco pelo “Prado” (como se designa o conjunto de avenidas principais do centro de La Paz) com a cidade ainda a amanhecer e sem o movimento louco que veríamos ao longo de todo o dia.
Subimos ao Parque Montículo e, apesar do céu algo encoberto, descobrimos uma cidade que vive do seu centro num vale "cá em baixo" – “apenas” a 3593m sobre o nível do mar – com os seus “barrios” encavalitados nas montanhas que o circundam. Alguém afirmou um dia que a favela era a legitima expressão da arquitectura brasileira mas, observando toda a envolvente do curto centro de La Paz não podemos guardar na memória outra imagem desta que não um intenso e infinito aglomerado de casas de tijolo ocre por pintar.
Com o avançar da manhã vemos que toda a gente está nas ruas, ou caminhando ou vendendo alguma coisa. As cholitas, habituadas certamente à curiosidade dos forasteiros, sentem automaticamente a presença da máquina fotográfica e viram a cara para fugir à foto. Mas nem todas o conseguem.
O centro da cidade, com prédios recentes construídos em altura convivendo com uns poucos exemplares de casas coloniais, não tem os seus edifícios muito bem conservados. A excepção é a Calle Jaen, uma pequena e pitoresca rua de casas coloniais, muitas delas transformadas em museus. Acabámos por não visitar nenhum destes.
Para além do interessante e original Museu da Coca, visitámos a Igreja e Convento de São Francisco, incluindo a subida à sua torre. Lá de cima é ainda mais esmagador assistir-se ao movimento da cidade. Uma quantidade enorme de gente junta-se na pequena praça à frente da Igreja. Dir-nos-iam depois que assim é por este ser um ponto de encontro. Acontece que a maior parte das pessoas que aí se encontram não parece esperar por ninguém, antes dá a ideia de deambularem ou apenas quedarem-se por ali, sem pretextos, tão simples quanto isso.
Outro ponto de encontro na cidade é a Plaza Murillo, com gente e pombos de sobra para testemunhar o local onde se encontra a catedral, o palácio presidencial e o legislativo.
E os mercados, esses locais por excelência donde tudo se vê e tudo se sente, no mais fidedigno retrato de uma cidade?
O da Hechiceria, a céu aberto, são duas ruas cheias de lojas de artesanato: Liñares e Sagarnaga. A maioria das lojas repetem-se na oferta de objectos para turista comprar, mas algumas (poucas) conseguem oferecer algumas peças interessantes e lindíssimas.
Existem algumas bancas que vendem uns estranhos objectos, ervas, mezinhas, oferendas a Pachamama, fetos de llamas embalsamados, coisas esquisitíssimas para pessoas nada dadas a feitiçarias ou tão só misticismos.
Do mercado Lanza, de comida, parece que achei mais piada ao colorido do seu correspondente em Sucre.
Interessante de verificar que na Bolívia as vendedoras não usam pregões nem aumentam o tom de voz para se fazerem notar aos clientes. Uma diferença cultural abissal em relação ao oriente e, também, ao que vemos nos nossos mercados (alô Ribeira!). As cholitas deixam-se ficar atrás das suas minúsculas bancas, sentadas, muito discretas, durante todo o dia. Sim, porque por volta das 8:00 da manhã já estão no seu estamine e é vê-las precisamente no mesmo local e posição para lá das 20:00 do mesmo dia.
Uma situação engraçada deu-se já no final do dia quando caminhávamos alegremente pelas ruas conversando normalmente. Um rapaz, vencendo a timidez incentivado pela sua namorada boliviana, ao reconhecer o nosso idioma abordou-nos perguntando se éramos portuguesas. Ele também o é, trasmontano há um ano em La Paz, emocionado por, pela 2.ª vez, dar de caras com portugueses nas ruas paceñas. Perguntei o que viera fazer para aqui mas só então me lembrei que este é o tipo de pergunta que me aborreceu e que nunca compreendi que me fizessem durante os meses que antecederam a minha viagem até à Bolívia. Ora, qual a surpresa de vir conhecer ou até permanecer num país tão belo, interessante, multifacetado e curioso como este?