Depois do pedido (5 bolivianos = 0,50 euros) para nos ligarem o esquentador, tomámos uma banhoca quentinha no anexo da casa – um luxo que não teríamos nos próximos dois dias. Saímos de San Juan em direcção ao Salar de Chiguana, ali bem perto, com a montanha do vulcão Ollague como ponto de referência para mais uma estrada improvisada como uma linha recta infinita. Este salar não é tão grande nem tem tanto sal como o de Uyuni mas, ainda assim, é expressivo o bastante para nos continuar a deslumbrar.
Seguimos, desde San Juan, kms e kms no nosso jipe a planar no sal a par com o comboio que se dirigia para Calama, no Chile. Até que, de repente, o comboio continuou e nós atolámos. Incrível como é que um 4x4 consegue atolar, ainda para mais num misto de lama com sal. Mas foi o que nos aconteceu, uma vez que tocou ao nosso motorista (e a nós) o azar de tentar percorrer umas linhas sobre um branco nada consistente. Para azar do nosso companheiro francês, ele era o único homem do grupo e, assim, o único que era suposto empurrar o jipe (ao motorista competia, obviamente, tentar manobrar o veiculo no sentido de o retirar daquela situação inesperada). Fora do carro, as 2 irlandesas ficaram na delas. A boliviana ainda mostrou algum interesse em ajudar. Mas quando as 2 portuguesas arregaçaram as mangas, dispostas realmente a empurrar o carro, logo a cozinheira colocou ordem nas coisas: isso é coisa para homens. Ah, que chatice ficar parada de braços cruzados no meio de (mais) um deserto de sal com uma montanha vulcão linda e um sol colorido. Ah, como é bom um pouco de machismo de vez em quando.
No entanto, para alguma coisa havia servido termos sido o primeiro grupo a sair manhã cedo de San Juan. Logo apareceram 1, 2, 3 jipes com uma quantidade suficiente de homens para nos fazer retomar caminho.
Saídas dos salares, entraríamos nas lagoas. Lagoas com cores para todos os gostos onde os flamingos reinam quase em exclusivo.
Primeiro, a Lagoa Canãpa. A respiração suspende-se. Como pode existir um lugar no mundo tão perfeito assim? Todos os seus elementos parecem ter sido escolhidos a dedo com o único objectivo de montar um cenário irrepreensível: os montes dos Andes, os desenhos das nuvens no céu, os flamingos brincando na água e, para completar o quadro, o reflexo de todos eles no azul intenso da Lagoa.
Segundo, a Lagoa Hedionda, a 4532m de altitude. A Lagoa Cañapa era o quê? Um cenário da perfeição? Sim. Então esta o que será? Sem palavras para descrever este local perdido no mundo. Apenas consigo dizer que foi aqui que para mim o tempo parou e me emocionei ao sentir que este fora o local mais plácido e belo em que alguma vez estivera.
A acompanhar toda esta beleza da natureza, impressiona igualmente a velocidade e quantidade de vezes que a paisagem ao nosso redor vai mudando. Em poucos kms assistimos a uma dramática passagem de cenário de uns vales cuja água foi evaporando com o passar dos (muitos) anos, para umas lagoas de cujas águas os flamingos são donos e senhores, para uma vegetação rasteira e colorida a lembrar um quadro de Van Gogh para, por fim, um autêntico deserto onde só se vê terra por todos os lados.
Em comum todas estas muitas paisagens têm as montanhas dos Andes.
Até que chegamos à muito fotografada “Árvore de Pedra”, no Deserto de Siloli, uma estranha formação rochosa de origem vulcânica que parece que foi ali estrategicamente plantada com o único propósito de que não cessemos de nos surpreender.
Quase ao fim da tarde chegámos à Lagoa Colorada, na Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaros, onde dormiríamos num refúgio a 4278m de altitude.
Fomos recebidos por uma vicunha maluquinha apaixonada por bolachas. O mais curioso é que, supostamente, as vicunhas diferem das lamas e das alpacas por não serem bichos que se deixem domesticar. Toda a regra terá a sua excepção e esta ficou bem marcada ao vermos a vicunha a correr dentro de casa procurando surripiar as bolachinhas que se encontravam em cima das mesas.
Caminhámos lentamente até ao mirador para ver os flamingos. Parece repetitivo: montanhas, lagoas e flamingos. Mas nunca o sentimos assim. Repetitiva só a surpresa. Aqui as águas possuem uma cor incrível e inexplicável. Ou melhor, a explicação para a cor acastanhada e vermelho sangue encontramo-la nos pigmentos de algas que pululam no fundo das suas águas, ao lado de minerais como o bórax que se encontram à beira da lagoa, mais parecendo, vistos de longe, pequenos glaciares.
Este local é frio, muito frio. Foi necessária muita coragem para sair à noite para contemplar as estrelas. Mas valeu a pena o gelo no rosto e no corpo para ficar com a certeza de que aqui, sim, as estrelas não falham.