terça-feira, setembro 04, 2007

Costa Vicentina - Sagres

Este é o meu cantinho de eleição em Portugal continental.
Onde…
…vale o esforço de acordar cedo para ver este nascer do sol
…vejo os aficionados do vento a riparem no Martinhal

…há areais sem fim quase só para mim
ainda por cima de uma beleza única
…toda a família pode surfar
seja no Tonel,
na Cordoama,
na Ponta Ruiva
ou no Amado

…posso aproveitar a tranquilidade das águas da Mareta
…à noite como as maravilhas que este senhor pescou
…posso estar no lugar donde saíram os nossos descobridores
…observo as íngremes falésias do Cabo de S. Vicente
…fujo do vento no Beliche
…é fácil ser feliz.

Um Banco no Cais



Em semana de Red Bull Air Race no Porto, em que ambas as margens do Douro ficaram atulhadas com 600 mil pessoas a olhar para o céu, não me sai da imagem o casalinho que uma semana antes pacatamente contemplava a tranquilidade das águas do rio com a Ribeira e os Clérigos ali bem encavalitados.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Pelo Gerês - Espigueiros

Já na Serra do Soajo ficam as povoações com o mesmo nome – Soajo (concelho de Arcos de Valdevez) – e Lindoso (concelho de Ponte da Barca), esta última na fronteira com a Serra Amarela.
Ainda que Soajo tenha diversas casas de pedra recuperadas e uma agradável praça principal onde se situa o seu Pelourinho (para além do seu passado histórico de sempre haver reconhecido o rei de Portugal como seu líder, ao contrário de outras localidades que preferiam a liderança espanhola), e Lindoso possua igualmente como ponto alto o seu Castelo, ambas as povoações ganham grande relevo pela sua “colecção” de espigueiros.



Os espigueiros predominam sobretudo no norte de Portugal e servem para secar o milho, protegendo-o de um duplo perigo: intempéries e roedores. Daí o seu desenho rectangular alongado com fendas laterais, para arejar o milho (que é colhido no Outono e secado no Inverno), numa estrutura de pedra elevada para evitar os ratinhos. No topo possuem, normalmente, uma cruz para que o divino possa proteger os cereais. Por tudo isso, a mim fazem-me lembrar os túmulos que os romanos utilizavam para proteger os seus mortos.
Independentemente de algumas moradias disporem dos seus próprios espigueiros, a maioria destes exemplares estão instalados nas eiras comunitárias, reforçando o intenso espírito de comunidade muito presente nesta zona do país (atente-se, a este propósito, o forno comunitário de Tourém, na parte trasmontana do Gerês).



No caso do Lindoso são cerca de 50, bem junto ao Castelo, datados dos séculos XVII e XVIII, muitos deles ainda utilizados pelos seus habitantes.


No Soajo a eira comunitária tem 24 espigueiros, o mais antigo datado de 1782.



O certo é que, tanto no Soajo como no Lindoso, os espigueiros encontram-se pitorescamente dispostos, daqui resultando um autêntico museu destas formas.

Pelo Gerês - Júnias

A povoação de Pitões das Júnias pertence, tal como a Ponte da Misarela, ao concelho de Montalegre. Aqui e ali possui alguns edifícios bem conservados mas o destaque vai para a sua localização isolada. Olha-se por todo os lados e a rodeá-la só encontramos a paisagem monotonamente encantadora da Serra do Gerês, mais concretamente das terras do Barroso.




Mais isolado ainda e quase que escondido fica o Mosteiro de Santa Maria das Júnias. Este é um local bem improvável para darmos de caras com tal monumento, mas é isso que acontece se seguirmos (de carro) uns 2 km além do cemitério da povoação. Este mosteiro beneditino, talvez pelo local distante e ermo em que foi implantado, conserva ainda a sua configuração e ainda que possamos desejar que estivesse melhor cuidado e recuperado, não deixa de ser uma verdadeira surpresa que tenha chegado até aos nossos dias com as paredes e telhado da igreja intactos e que as ruínas adjacentes nos dêem uma leitura do que terão sido os seus claustros e serviços de apoio. Estima-se que 1147 tenha sido a data da fundação deste mosteiro, bem juntinho ao Ribeiro do Campesinho.



Aliado à vertente histórico-cultural, vale igualmente a pena caminhar pelas imediações do Mosteiro, num percurso fácil mas a espaços cansativo, até ao miradouro da Cascata de Pitões. A água que jorra em abundância pelas paredes da montanha compensa os inúmeros degraus de um recente passadiço em madeira que nos guia até ao local.

Pelo Gerês - A Ponte

Já no concelho de Montalegre, ou seja, na parte trasmontana do Parque, e passando Sidrós, encontramos a Ponte da Misarela após uma caminhada de cerca de 1km a partir do miradouro.



Vista cá bem de cima, é impossível não nos perguntarmos como conseguiram os nossos antepassados construir esta ponte medieval sobre o Rio Rabagão.



O arco parece mesmo obra do diabo, daí não ser estranho as muitas e variadas lendas que estão associadas a esta ponte. No entanto, não nos podemos deixar enganar pela apenas aparente fragilidade do arco e da ponte de pedra, ela que é também parte da história por ter presenciado aspectos das Invasões Francesas, uma vez que foi por aqui que o General Soult retirou em 1809.


Passemos, então, a ponte e apreciemos a altura que o seu arco dista do rio, ao mesmo tempo que não esquecemos que o vale fica, também ele, lá bem em baixo.

Pelo Gerês - O Restaurante

Em Brufe, aldeola do concelho de Terras de Bouro que dista uns poucos km em subida desde a barragem de Vilarinho das Furnas (no lugar onde se encontrava a aldeia que ficou submersa para a construção dessa obra), já na Serra Amarela, encontramos um dos locais mais improváveis para acolher um restaurante simultaneamente magnifico no que respeita à sua qualidade gastronómica e à arquitectura do seu edifício.
Debruçado nos socalcos sobre o vale do Rio Homem, e utilizando como materiais o granito, a madeira e o vidro, o Restaurante “O Abocanhadohttp://www.abocanhado.com/ não podia estar melhor integrado na paisagem que o circunda, cortesia dos arquitectos António Portugal e Manuel Maria Reis (curiosamente os mesmos que foram responsáveis pela Casa da Cerca, em Almada, de que tratava post anterior), e interior com mobiliário de Siza Vieira, obra de 2003 que mereceu alguns prémios internacionais de arquitectura.
O que mais deslumbra por aqui é a pacatez da vida das poucas casas da aldeia, também de pedra e granito, e das omnipresentes vaquinhas que seguem pastando junto aos espigueiros e ao sofisticado edifício do O Abocanhado.
O seu menu, como não podia deixar de ser, procura aproveitar também as tradições do lugar, especialmente no que à carne barrosã diz respeito.

Pelo Gerês - Caminhadas

Existem “n” actividades disponíveis para se fazer no Gerês, umas mais radicais e sofisticadas do que outras, mas visita ao Parque não fica completa sem as singelas caminhadas.
A nossa escolha recaiu no Trilho Cidade da Calcedónia, na expectativa de que em próximas visitas se possa ir realizando as demais caminhadas. A experiência, há que confessá-lo, não foi totalmente agradável. Apesar de este ser um dos trilhos oficiais, isto é, constantes do plano da Câmara Municipal de Terras do Bouro, a sua sinalização e condições do terreno não chegam ao limite do aceitável. A caminhada tornou-se, pois, perigosa e, assim, acabamos por ter direito à nossa actividade radical.
Foram cerca de 10km, em 5 horas de subida extenuante e descida que exigia toda a atenção por este trilho pedestre de pequena rota (PR). O grau de dificuldade vinha descrito como moderado mas, vejo agora, outros locais há que o caracterizam como de elevada dificuldade. Tivéssemo-nos documentado melhor previamente e nunca a mamã se veria metida nestas andanças. Mas sobrevivemos todas e valeu bem a pena a jornada.
O início e fim deste trilho circular é realizado em Covide e, para além do contacto privilegiado com a fauna e flora locais, tem com bónus suplementar o alcance do sitio arqueológico denominado “Fraga da Cidade” ou Calcedónia, lá bem no alto, no morro que teve em tempos a função de castro defensivo.

Por aqui o granito domina e, à medida que vamos alcançando o topo do monte, as rochas soltas vão-nos aparecendo com mais e mais frequência, com formas deveras curiosas, um cenário ideal para o desenvolvimento de um daqueles divertidos jogos que puxam à imaginação na escolha do
melhor objecto para se associar àquelas formas rochosas singulares.
Para leigos, nunca é fácil apercebermo-nos de quais as aves que vemos sobrevoar as nossas cabeças, mas por aqui existem diversas espécies como o falcão peregrino, a cotovia, o cuco, melro das rocha e melro-azul e a águia-de-asa-redonda. Diz que também existem por aqui lobos, mas felizmente não nos deparamos com nenhum. O que abunda é, sim, fetos. E torga. Aliás, foi a esta espécie de urze que Adolfo Rocha foi buscar o nome de Torga. Miguel Torga era natural de Trás-os-Montes e, amante da natureza, calcorreou estas paisagens fora. Em sua homenagem, a C.M. de Terras do Bouro designa um conjunto de trilhos pedestres como “na senda de Miguel Torga”.
Voltando ao duro trilho da Calcedónia, este acaba em beleza no Poço Azul, um recanto com um riacho com água fresquinha e, como não podia deixar de ser, clara e límpida, irresistível para se beber numa conchinha feita com as mãos.

Pelo Gerês - Cascatas

Nos 4 dias que passámos no Gerês calhou-nos levar com as 4 estações do ano. Com direito a fim de tarde e noite de dilúvio. Azar? Se atendermos a que seguíamos em pleno Julho, não parece existir dúvidas de que o será. Assim pensámos. Mas… que tal a ideia de numa só deslocação ao único Parque Nacional português conseguirmos ficar ao mesmo tempo com a imagem de como é a sua paisagem no Verão e no Inverno? Foi o que nos tocou, particularmente no que diz respeito às suas cascatas.
Se nos primeiros dias apenas vislumbrámos uns, poucos, fios de água pela Serra do Gerês afora, já no dia seguinte à grande chuvada podia observar-se abundantes quedas de água por todos os cantos.



A diferença entre a água plácida e calma da Portela do Homem no “dia de Verão” e o tormentoso correr da mesma água no “dia de Inverno”, então, era abissal. Indiscutivelmente, a preferência vai para o primeiro dia. A água proveniente do Rio Homem é por aqui distribuída em patamares, cada um formando uma piscina natural, possibilitando que aqueles que se encontram em melhor forma física e desejam alguma privacidade encontrem o seu cantinho de sonho. A água é absolutamente transparente. E fria.



Outra cascata, a do Arado, apesar de na sua cota inferior não produzir a mesma tranquilidade da da Portela do Homem, deslumbra-nos pela sua altura e força da sua água que cai veloz sobre uma pequena piscina natural. Subindo pelo vale acima, dizem (porque não o fizemos), encontraremos mais e mais cascatas e mais e mais locais que nos dão a sensação de estarmos sozinhos num mundo aparte.



Aqui perto fica o Miradouro da Pedra Bela, ponto privilegiado para assistirmos a parte da beleza esmagadora da Serra do Gerês juntamente com uma das várias barragens que por aqui foram criadas, neste caso a da Caniçada, com Rio Caldo e Caldas do Gerês também lá no fundo.

Pelo Gerês

Nestas férias de “Verão” aproveitámos uns dias para visitar o Gerês, do qual apenas retínhamos uma curta passagem de atravessamento Galiza – Braga.
Já sabíamos que 4 dias seriam escassos para um conhecimento mais profundo, daí que a parte da Peneda tenha sido relegada para uma futura visita.

Alguns detalhes geográfico-administrativos:

A Peneda-Gerês é o único Parque Nacional no território de Portugal;
Tem uma área total de cerca de 72 000 hectares;
Abrange os distritos de Viana do Castelo (concelhos de Melgaço, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca), Braga (concelho de Terras de Bouro) e Vila Real (concelho de Montalegre), os 2 primeiros no Minho e o último já em Trás-os-Montes;
Engloba as serras do Gerês, Soajo, Amarela e Peneda;

Eis, em seguida, alguns dos pontos altos da jornada:

sexta-feira, agosto 10, 2007

Almada Cerca Lisboa

O melhor de Almada é a vista para Lisboa?



A Casa da Cerca, centro de arte contemporânea e seus jardins, em Almada Velha, acima do Cais do Ginjal, confirma-o.
Mas se assim é, há que admitir que este é o lugar para se estar.
Contemplando Lisboa, é verdade, com as Torres das Amoreiras e o Panteão em destaque na outra margem.
Mas assistindo, também, ao vai e vem dos carros na Ponte, com o seu barulho característico sempre presente como música de fundo.
Aos barcos que atravessam o Tejo.
Aos miúdos que mergulham nas suas águas fazendo por ignorar que uns poucos km mais adiante existem águas do mar mais apropriadas.
Mas para nós, que vemos tudo isto num lugar privilegiado da plateia, cá de cima, tudo é mais do que apropriado.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Férias


Eu de férias, segundo a Ritinha.
O desenho transmite liberdade, leveza e felicidade.
Sentimentos que se esperam sempre mas sobretudo em período de férias.

quinta-feira, julho 05, 2007

E Em Portugal

Aproveitando a boleia, para as 7 maravilhas de Portugal arriscaria Castelo de Óbidos, Convento de Cristo, Mosteiros da Batalha, Alcobaça e Jerónimos, Palácio Nacional da Pena e Torre de Belém.
Bem sei que são um bocadinho previsíveis, principalmente no que toca à inclusão de Conventos e Castelos, mas creio que esta culpa será de quem escolheu as 21 finalistas sem procurar arriscar noutras arquitecturas menos consensuais para o grande público (o Palácio de Mateus, em Vila Real, poderá ser uma excepção mas não tive até à data oportunidade para o conhecer; a Fortaleza de Sagres, remetendo para o imaginário da época que mais marcou o nosso país poderá ser outra excepção mas acho aquele espaço construído tão pavoroso que não me consigo disso abstrair para me dedicar em exclusivo ao dito imaginário e à sua implantação fantástica).
Posto isto, e sem esquecer o quanto me agrada a Torre de Belém e o Palácio da Pena (a escala e estética de ambos faz-nos imaginar que possuímos um brinquedo), de todas as minhas escolhias destaco o Convento de Cristo de Tomar. Certo e sabido que tem a famosíssima janela manuelina, a renovada Charola da Igreja, claustros magníficos e, como se estes não fossem já suficientes, toda uma história ao seu serviço desde a Ordem dos Templários à Ordem de Cristo que aqui tinha a sua sede e que sob a batuta do seu mestre Infante D. Henrique haveria de empreender a nossa epopeia das descobertas. Mas, o que me faz decisivamente optar pelo Convento de Cristo são alguns elementos que estão para além dele mas que dele fazem parte inerente. Desde logo a sua localização, lá no alto espreitando-se Tomar e o Nabão, envolvido pelas muralhas do Castelo e pela Mata dos Sete Montes. Por aqui desenvolve-se um relativamente extenso aqueduto, de cerca de 6km, que com boa vontade (dos poderes públicos) podia ainda hoje continuar a desempenhar as suas originárias funções de abastecimento de água ao Convento de Cristo. O mais surpreendente é que este aqueduto, cuja construção foi iniciada em 1593 no reinado de D. Filipe I, alcança uma monumentalidade que diria quase escondida na zona do vale de Pegões (nome por que também é conhecido o aqueduto), possuindo na totalidade 180 arcos.
Em todo o caso, muito património a descobrir pelo nosso país afora.

Maravilhas No Mundo

Em época de votações para as novas 7 maravilhas do mundo, vou com o rebanho e indico em seguida as minhas escolhas.
Apesar de ter tido oportunidade de conhecer in loco 7 das 21 finalistas – Cristo Redentor, Coliseu de Roma, Torre Eiffel, Hagia Sophia, Kremlin / St Basil, Estátua da Liberdade e Alhambra – só esta última entraria na minha lista final.
Assim, ao Alhambra acrescentaria Angkor, Grande Muralha da China, Machu Picchu, Petra, Pirâmides de Gize e Taj Mahal, cheia de esperança de que em breve as possa vir a conhecer sem ser apenas através do cartão postal.
Curiosamente, pensei que neste Verão iria consegui-lo no que ao Machu Picchu diz respeito. Com viagem de avião já marcada para a vizinha Bolívia (a parte que mais dói no meio disto tudo – as intermináveis horas de voo e os intermináveis euros a voar), mal podia imaginar que 3 meses de antecedência seriam insuficientes para reservar o trilho dos Incas até a uma das mais que prováveis novas 7 maravilhas. Felizmente que esta é apenas uma lista infinitamente ínfima e muitos mais locais fantásticos do nosso globo temos a visitar, muitas das vezes bem pertinho das maravilhas “oficiais”.
Do Alhambra – o único da minha lista de que terei histórias vividas para contar – só tenho um senão: o tempo que fui adiando para o visitar. Bem sei que logo na primeira vez que fui até à sua vizinha Serra Nevada o tentei visitar. Era domingo e as gentes incontáveis que tiveram a mesma ideia obrigaram a uma imediata mudança de planos. Os anos foram passando e a minha pouca confiança em vencer os cerca de 30km de asfalto nevado que separam a montanha do Palácio pareciam constituir razão suficiente para não o visitar. Até que finalmente me enchi de coragem mas, ajudada pelo dia mau que afastava a mana do snowboard, ganhava uma parceira para a viagem. O dia mau representava muita neve e vento na Serra e muita chuva cá em baixo, em Granada e no Alhambra. Condições longe do ideal para um passeio que se quer memorável. O certo é que com chuva ou sem chuva esta cidade amuralhada, iniciada no século XIII, com Palácios que, de outra forma, só vemos nos filmes é de visita obrigatória. Os seus palácios luxuosos, encantadores na sua decoração mourisca preciosa e minuciosa, têm à sua altura os luxuriantes jardins.
Pouco mais se pode pedir do que um dia bem passado no Alhambra, de todas as maravilhas finalistas a que mais próximo se encontra de nós, quer em distância quer em influência.

quarta-feira, julho 04, 2007

Rituais de Luz

Se o reaproveitar dos equipamentos que outrora desempenharam uma função decisiva e insubstituível para a vida de uma cidade se revela de elementar bom senso e respeito pela história, transformando-os, por exemplo, em espaços museológicos, aproveitar ainda esses mesmos locais para aí se apresentar exposições, então, é conseguir quase o pleno no sentido de aliar o antes e o depois, permitindo uma nova vida a maquinarias que a merecem.
Vem isto a propósito da exposição “Rituais de Luz”, de Branislav Mihajlovic, que decorre até ao próximo sábado na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, parte do Museu da Água que a EPAL nos oferece.
Já tinha tido a oportunidade de conhecer o espaço em si, perto de Santa Apolónia, com acesso, precisamente, pela Calçada dos Barbadinhos, paredes meias com um bloco de apartamentos do arquitecto Manuel Salgado, numa zona da cidade que não prima pela boa conservação dos seus edifícios mas, ao mesmo tempo, uma zona da cidade pitoresca, com vistas fabulosas para o nosso Tejo. Da Estação Elevatória, por entre as suas janelas de vidro rasgadas a toda a altura, o azul do céu cai numa perfeita harmonia no azul do rio, com a companhia da cor do sol que só na nossa cidade, e em particular nesta zona oriental, é possível observar.
Por entre as máquinas a vapor e as caldeiras que funcionaram até 1928 e ocupam esta Estação Elevatória desde 1880, com o objectivo originário de elevar as águas vindas do rio Alviela para o reservatório da Verónica e a Cisterna do Monte, com isso aumentando o volume de água a fornecer à cidade, convivem nesta altura os quadros de Branislav Mihajlovic (http://www.branislavmihajlovic.com/), sérvio radicado em Portugal que, informa o folheto da exposição, se terá também apaixonado pela luz da cidade. Todas as suas obras aqui expostas encontram-se plenamente integradas neste, à partida, pouco ortodoxo espaço para o efeito. Entre algumas obras cândidas figurando bancos de jardim, camas e cadeiras (de hospitais?) surgem outras mais duras, como as que remetem para a Guerra Civil de Espanha ou as que representam rostos expressivos.
Destaque absoluto, no entanto, para “Biblioteca” e “Colunas (Fragmentos)”. O primeiro, conjunto empilhado de livros – mesmo – sobre cujas pinceladas produzem como resultado um jogo estético maravilhoso. O segundo, através da utilização de fragmentos – mesmo – de pedras bem envolvidas na pintura que nos permitem uma visão real das colunas do que imaginamos ser um antigo templo romano.
A não perder.

terça-feira, junho 26, 2007

Fado no Eléctrico

Domingo foi dia de Fado no Eléctrico 28.
O programa, incluído nas Festas de Lisboa, consiste em percorrer de eléctrico o trajecto mais emblemático da cidade ao som da música nacional, interpretada por diversos fadistas (cinco) e dois músicos, que se encontram espalhados pelo transporte.
Enquanto percorremos as colinas e observamos a cidade, somos guiados pelo fado, que alimenta a nossa alma. Assim foi quando se cantou:

No castelo ponho o cotovelo
Em Alfama descanso o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar

À Ribeira encosto a cabeça
A almofada da cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo.

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios sãos as colinas, varina
Pregão que me traz à porta ternura

Cidade a ponto-luz bordada
Toalha à beira-mar estendida
Lisboa menina e moça e amada
Cidade amor da minha vida

No Terreiro eu passo por ti
Mas na Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha sorri
És mulher da rua.

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que sei inventar
A aguardente de vinho e medronho
Que me faz cantar.

Lisboa do amor deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça e amada
Cidade mulher da minha vida.
Ontem a razão de se cantar o fado, ao contrário do que a música diz,

Há para o sofrimento
Um bom remédio afinal
É cantar e num momento
Ninguém se lembra do mal
Não custa mesmo nada
Tentem fazer como eu
Uma guitarra afinada
Um voz bem timbrada
E tudo esqueceu

refrão:
Quando a tristeza me invade
Canto o fado
Se me atormenta a saudade
Canto o fado
Haja ciúme á vontade
Canto o fado
Por uma esperança perdida
Não passe na vida
Por um mau bocado
Se acaso a sorte o esqueceu
É fazer como eu
Deixe andar cante o fado
Não é que não me interesse
Por quem a dor não resiste
Mas a gente que parece
Que gosta até de andar triste
Tem sempre um ar fatal
A que ninguém o obriga
E nesta vida afinal
Vendo bem nada vale
Mais do que uma cantiga
não era para espantar os males, mas antes para celebrar a alma da cidade.
Viva Lisboa!

quarta-feira, junho 20, 2007

Mina de São Domingos

No Centro de Artes de Sines estava patente, em meados de Abril, uma exposição denominada "Minas de São Domingos – Olhares sobre um lugar", reunindo trabalhos de fotografia, pintura e som de António Cunha, Helena Lousinha e Jean-Pierre dos Santos, mostrando-nos, assim, os olhares destes artistas sobre todo o complexo da Mina.
Esta exposição fez-me recordar a minha única visita à Mina, faz agora praticamente 2 anos.
Devo confessar desde já que a vontade de andar em pleno Verão alentejano num passeio exploratório pela região em busca de umas ruínas de uma antiga mina não era muita. Provavelmente nunca terei estado num local onde o sol fosse tão abrasivo e um simples passo na terra fosse tão maçador e fatigante (estariam seguramente uns 44 graus). Mas a energia e convicção da mana é sempre motivo bastante para me por a caminho.
A acrescer à influência da mana, deve também referir-se que o meu gosto pelo património industrial já vinha a crescer, muito também por força do trabalho desempenhado pelos meus colegas historiadores, arquitectos e arqueólogos do meu antigo local de trabalho, onde os dias eram dedicados à protecção, salvaguarda e valorização do nosso património cultural. Hoje, posso afirmar, olho para as Minas de São Domingos, para a Central Tejo e para os Gasómetros da Matinha com o mesmo interesse e deslumbre com que olho para as Ruínas de Conímbriga, para o Pavilhão Atlântico ou para o Mosteiro dos Jerónimos, para referir apenas alguns exemplos

Dito isto, a Mina de São Domingos, fica situada no concelho de Mértola, no Alentejo profundo, e encontra-se em vias de classificação como imóvel de interesse público pelo Ministério da Cultura.
Alguns achados arqueológicos na zona da mina permitem-nos calcular que a actividade mineira tenha já sido parte da vida dos romanos neste local, exploração esta que terão abandonado cerca de 397 a.c.
O fim do abandono das minas deu-se apenas em 1854, data do seu achamento (para utilizar a palavra politicamente correcta recentemente escolhida a propósito do descobrimento do Brasil), após prospecções pela região na sequência do decreto que determinou o fim do monopólio régio sobre a exploração mineira.
No entanto, o início da sua actividade apenas ocorreu em 1857.
A exploração de minério, sobretudo cobre (estima-se que tenham sido retirados cerca de 25 milhões de toneladas de cobre durante a vida activa da mina), acontecia não só a nível subterrâneo mas também a céu aberto. Para o efeito foi construída uma rede de galerias e túneis que entravam pela rocha e que tinham cerca de 2 m de largura por 4 m de altura (e, mais tarde, 4m por 6m); para o labor a céu aberto foram efectuadas escavações até aos 62m, utilizando-se uma linha-férrea particular de cerca de 18km para a extracção (ligando a mina ao Pomarão – porto do Guadiana). Existiam 27 poços verticais e 7 açudes que utilizavam a água da Ribeira de Chanca.

Para assegurar o bom funcionamento deste empreendimento mineiro (o primeiro no país) e fazer face às necessidades básicas dos seus trabalhadores (a sua chegada à região fez subir o número de habitantes de poucas dezenas para quase 10000 ao longo das novas aldeias e vilas operárias que foram criadas no novo complexo industrial) foram criadas diversas infra-estruturas: edifícios e maquinaria para a exploração mineira (armazéns, oficinas, laboratórios, escritórios, caminhos de ferro) e casas para alojar não só os operários como também os técnicos superiores e directores da mina.
Ou seja, para além dos bairros operários, compostos por casas em banda com apenas o piso térreo, havia igualmente lugar para as casas não tão modestas, com relvados à inglesa, para as chefias.
A par das habitações foram ainda criadas infra-estruturas comunitárias como o quartel militar e de polícia, hospital, farmácia, estação de correio e telegrafo, mercado, biblioteca, igreja e cemitério, enfim, tudo o que uma verdadeira povoação tem.

A actividade mineira foi sofrendo diversas crises ao longo dos anos, e nem a exploração a céu aberto nem a posterior produção de enxofre em altos fornos, destinado principalmente à CUF no Barreiro, foram suficientes para evitar o declínio e encerramento da Mina de São Domingos em 1965.

Hoje, após o saque indiscriminado da mina, o termo mais exacto para a descrever é mesmo o de ruína. Esta encontra-se completamente ao abandono, a não ser que excluamos as inúmeras cegonhas que teimam em construir e guardar os seus ninhos no cimo dos poços e das chaminés que outrora permitiam a marcha viva da mina.

Os edifícios descascados, paredes incompletas sem tecto, fazem-nos crer estarmos perante uma cidade arrasada por uma guerra. Mas não. O desleixo, incúria e falta de vontade de nos legar o património de uma indústria que foi toda uma vida de uma região é que nos deixou este cenário violento.


As casas dos antigos operários, todas em fila e tipicamente caiadas em branco, apesar de denotarem ainda alguma vida, deixam-nos a certeza de que esta será apenas um resquício do que terá sido a azáfama das famílias que aqui se estabeleceram um dia na esperança de um futuro melhor.


Melhor sorte teve o palacete que antes era ocupado pela sede da empresa britânica que administrava as minas. Foi transformado numa unidade hoteleira – a Estalagem São Domingos, um 5 estrelas pleno de conforto no Alentejo profundo, cujo projecto arquitectónico, quer exterior quer interior, tem sido objecto de elogios. Para quem não está interessado ou não pode pernoitar na Estalagem, vale a pena, ainda assim, um passeio pela praia fluvial à sua frente, a da Tapada Grande, considerada pela DECO como uma das melhores do país.


O cenário mais impressionante fica, no entanto, por conta da lagoa artificialmente criada para que fosse realizada a decantação das escorrências da já desactivada mina. A cor da sua água é irreal, tal é a sua acidez. São tons azulados sobrepostos a laranjas, misturados com o avermelhado da terra.


Esta água é tão ácida tão ácida que é utilizada para lá depositar os animais mortos, evitando assim que estes fiquem num estado de putrefacção a céu aberto.
Se imaginarmos tudo o que de mau e perigoso estas águas poderão comportar, a imagem de abandono e desolação da Mina aumenta ainda mais.
Mas a contradição está precisamente aqui. No saber que há um tempo que não volta mais, esgotados que estão os recursos naturais; na dificuldade em não deixar deteriorar irreversivelmente um espaço que há não muitos anos possuía vitalidade; na tentativa até agora falhada de preservar a memória de algo que fez parte do quotidiano do nosso país.
Face a todos estes aspectos negativos, estar perante aquele complexo em ruína permite-nos, ainda assim, sentir ainda presente o dia a dia dos milhares que por ali passaram as suas duras vidas e sentir que somos também nós parte na história. Em resumo, uma experiência deveras enriquecedora.

quarta-feira, junho 13, 2007

Centro de Artes de Sines

O Centro de Artes de Sines, a par do Centro das Artes Casa das Mudas, na Calheta, é provavelmente um dos edifícios que mais tem dado que falar no que diz respeito à sua arquitectura. Em comum, para além dos elogios e dos prémios que vêm recebendo (e de ambos terem sido seleccionados para o prémio de arquitectura contemporânea “Mies van der Rohe”) têm ainda o propósito de fazer chegar a cultura a lugares que haviam estado afastados desse circuito.
Da Casa das Mudas da Calheta, do arquitecto Paulo David, já aqui se falou em post anterior.
Passemos, então, para o Centro de Artes de Sines, obra dos irmãos Aires Mateus.



Inaugurado no Verão de 2005, os arquitectos tiveram a intenção de que o edifício fizesse parte da cidade e funcionasse como porta do seu centro histórico.
O local onde foi implantado expressa não só o início do caminho medieval que abre a cidade à baia (através da Rua Cândido dos Reis) como também a via que delimita a cidade histórica da cidade moderna (Rua Marquês de Pombal). Aliás, a rua que divide os dois corpos do Centro de Artes (a Rua Cândido dos Reis) foi integrada com tal sucesso no projecto que pode dizer-se que, hoje, não o poderíamos conceber de outra forma.



A plena integração destas duas épocas da cidade é melhor apreendida por um breve passeio pelas imediações do Centro das Artes, ora vizinho de prédios residenciais comuns a qualquer cidade portuguesa (parte nova) e mais adiante velhos edifícios nem sempre bem conservados (parte velha). Igualmente, a diferença de vivências da cidade encontra-se bem vincada na espécie de vila, nas traseiras do Centro de Artes, com casas de um piso, pitorescamente decoradas na sua entrada com vasos de plantas e tanques de lavar a roupa.



Com este Centro das Artes de Sines pretendeu-se conjugar várias valências num só espaço, como o sejam o acolhimento do centro de exposições, biblioteca, auditório e arquivo municipal, como forma de atrair mais pessoas, quer em número como em diversidade de interesses. Quando por lá passei, em Abril, éramos as únicas no espaço dedicado ao centro de exposições (o facto de ser dia de semana servirá como desculpa?) mas a biblioteca estava, efectivamente, bem composta, quer por jovens quer menos jovens, muito por força da disponibilidade de jornais e revistas.






A arquitectura do edifício, em si, faz-nos recordar um pouco o Centro Cultural de Belém, pela cor dos materiais usados no revestimento do seu exterior. Como o referido anteriormente, ao nível do solo o equipamento é formado por dois corpos atravessados pela Rua Cândido dos Reis, cujos espaços estão interligados e acabam por formar um só corpo ao nível do sub-solo.
Existiu a preocupação, por parte dos seus arquitectos, de permitir que o interior do edifício fosse iluminado naturalmente, o que é conseguido através da colocação de vidros nas fachadas. Curiosa a forma adoptada de introdução destes vidros que nos vai possibilitando desde o interior sentir o pulsar do dia a dia de quem lá fora vai atravessando a artéria que corta os dois corpos.
Tudo muito bonito, sim senhor, espaçoso e permitindo uma boa orientação no que ao centro de exposições diz respeito. Todavia, não pode deixar de referir-se o balde (literal) de água fria que foi verificar que quando chove (era o caso) a água escorre desde a porta principal até cá abaixo, aninhando-se junto às obras em exposição, não restando outra solução às zelosas funcionárias que não lançar mão do tradicional balde (o tal) para fazer face ao seu mais cómodo armazenamento. Erro de projecto? Erro de execução? Enfim… se até o Calatrava tem processos em cima pelas constantes escorregadelas dos cidadãos que teimam em atravessar a sua ponte em Bilbao em dias de chuva…

terça-feira, junho 12, 2007

Refeição Completa

Que mais pedir de um pedaço de terra banhado pelo mais belo que o Atlântico tem para nos oferecer, pleno de paisagens de beleza asfixiante, falésias escarpadas, declives verdejantes, casas pitorescamente empoleiradas; natureza – sobretudo – mas também cultura; um turismo para todos os gostos, seja de passeios de barco, automóvel, carros de cesto ou, muito simplesmente, a pé; caminhadas na cidade, junto ao mar ou na montanha?
Será pedir muito que a sua oferta gastronómica esteja à altura? Poderíamos até abusar da sorte se o pedíssemos, mas não é necessário – ela é real.
Alguns exemplos:
Iniciemos o pequeno-almoço acompanhando os costumeiros chá, café ou leite com fruta em abundância, com a banana da madeira à cabeça.
Ao almoço, se nos encontrarmos na zona velha do Funchal, perto do Mercado dos Lavradores, será uma perda inestimável não parar no Jaquet. O casal de irmãos que nos recebe só cozinha e serve peixe, mas isso não quer dizer que seja restrito aos apreciadores do dito. Nas paredes vêem-se inúmeras mensagens e recados deixados pelos anteriores comensais e num deles pode ler-se qualquer coisa do género “não gostava de peixe mas depois desta refeição mudei de ideias”. Simpáticas balelas, pensou esta escriba que se recusa a comer qualquer peixe quando a tal não é obrigada pela sua mãe. Mas como não existia mesmo outra saída para aguentar o resto da tarde sem ser de barriga vazia, um mito caiu: o da impossibilidade de apreciar peixe, ainda por cima espada e logo frito. Uma inesquecível delícia a que não é alheio o esmerado tempero.
A meio da tarde, e para adoçar a boca, não calha nada mal um rebuçado de funcho. Para o lanche, esse, uma boa opção será o típico bolo de mel (digo será porque, infelizmente, a minha esquisitice não se fica pelo peixe).
Ao jantar é difícil escapar à carne, designadamente, às famosas espetadas em pau de louro no tão elogiado “As Vides” no Estreito de Câmara de Lobos. No entanto, antes de nos lançarmos numas centenas de gramas da melhor e mais saborosa carne do país, uns pedaços de bolo do caco ajudam a entreter a (curta) espera.
E já que estamos para estes lados, nada melhor do que acabar a noite num dos bares de Câmara de Lobos, como fazem os funchalenses, tomando um copo de poncho (pequenino, uma vez que há que voltar a conduzir para o Funchal).
E com este pequeno enunciado de um dia gastronomicamente perfeito cometo um sem número de injustiças: deixar de fora diversos pontos onde uma refeição será igualmente especial e inesquecível. Abro, no entanto, espaço para mais dois deles – o Jango, também na cidade velha do Funchal, e o restaurante da Fajã dos Padres.

quarta-feira, junho 06, 2007

Ponta São Lourenço

A tão desejada e há muitos anos ansiada volta à Madeira estava envolta em muita expectativa para descobrir uma Madeira quase totalmente desconhecida, plena de paisagens fantásticas e exuberantes.
Essas expectativas não saíram frustradas.
No entanto, o tempo nublado e a chuva frustraram-nos a maior parte das fotografias. Dá para imaginar o que é que isso significa para mim, que quase não consigo conceber uma viagem sem um constante disparar da máquina fotográfica?

Mas como não há bem que sempre dure, também não há mal que nunca acabe.
Vai daí, chegadas à Ponta de São Lourenço obtivemos, enfim, um cenário quase em grande que pôde ser deixado em foto para mais tarde recordar.



Para estes lados da Ponta de São Lourenço pensámos fazer uma das nossas sonhadas caminhadas mas no turismo desaconselharam-nos por alguma perigosidade em parte do troço. Não tivemos, assim, oportunidade de o verificar in loco.
Situada no concelho do Caniçal, esta é uma península onde se encontra o ponto mais oriental da ilha da Madeira, 9 km de comprimento e 2 km de largura, já incluídos os seus dois ilhéus, o Ilhéu da Cevada e o Ilhéu da Ponta de São Lourenço. Daqui se avistam nitidamente quer as ilhas Desertas quer a ilha do Porto Santo e se realiza o quão perto ficam da principal ilha do arquipélago.
Ao contrário da paisagem mais comum no resto da ilha, por aqui não existe a mesma vegetação luxuriante e a cor escura e algo avermelhada da terra não nos deixa dúvidas de que estamos numa ilha efectivamente de origem vulcânica.
Ainda que do lado da belíssima enseada de Baia de Abra a terra não esteja exageradamente distante em altura do mar, as falésias do outro lado, essas, e à semelhança dos outros cantos da ilha, continuam enormes e assustadoramente belas.

sexta-feira, maio 25, 2007

Um Cantinho Especial

Apesar de a Ilha da Madeira não ser muito extensa, existirão certamente recantos em número considerável onde nos possamos sentir únicos. Únicos no sentido literal e únicos pela sorte de existirem locais onde o tempo parece não ter passado.
A Fajã dos Padres será um deles.
Perto do Cabo Girão, seguimos em direcção à freguesia da Quinta Grande e, mais pergunta menos pergunta, havemos de dar com o local. O acesso à Fajã dos Padres, colocado de lado o barco e o helicóptero, é efectuado através de um elevador instalado no topo da falésia a cerca de 250 metros de altitude. Coisa pouca, se compararmos com os 580 metros do Cabo Girão. A este propósito, não confundir o teleférico para as Fajãs do Cabo Girão (o do Rancho, aberto desde 2003) com o elevador para a Fajã dos Padres (mais antigo).



A viagem de cerca de 4 minutos neste elevador, uma estrutura que parece algo arcaica e monstruosa, tem tudo para ser uma experiência apelativa e inesquecível. Funciona como um miradouro com uma considerável altura, com vista para a imensidão do Atlântico, as falésias que nos rodeiam e a pequena fajã bem lá em baixo. No nosso caso, para além destes factores, tornou-se igualmente marcante por termos ficado presas dentro da dita caixa monstruosa, uma vez que a sua porta teimava em não abrir. Como o manobrador da geringonça já nos tinha avisado que os cabos precisavam de descansar cerca de 5 minutos entre cada viagem, logo começamos a especular sobre o que de mal teríamos feito para não conseguirmos sair dali para fora. Benditos telemóveis que nos põem em contacto imediato com quem sabe das coisas e nos recomenda calma até que o elevador assente convenientemente seguindo os seus tempos.
No entanto, este inconveniente levemente assustador foi francamente ultrapassado logo à saída do elevador que nos trancou. Iniciando mais uma descida, agora pelos nossos próprios pés, vimo-nos imediatamente rodeadas de plantações de vinha, banana, manga, abacate (do qual trouxemos um delicioso exemplar esquecido no chão) e também, ainda que sem a mesma abundância, papaia, figo, maracujá e outros frutos tropicais.



Bem sei que estava a chuviscar um pouco, mas dá para imaginar o que é encontrarmo-nos numa língua de terra, espremida entre o mar e a enorme falésia, com plantações que quase nos cobrem o corpo, caminhando sob as videiras em direcção aos 3 ou 4 casebres que compõem o povoado, retornar e dirigir-nos ao calhau para sentir o mar ainda mais de perto e apenas nos cruzarmos com o Sr. Eng.º, o dono da Quinta que havia ido ao encontro do elevador para tomar conta da ocorrência levemente assustadora?
Descrevo o paraíso? Não, mas a existir não deve ficar muito longe daqui.
Este pedaço de terra, para além da exploração da agricultura e da vinha, funciona como estância turística (alojamento num dos casebres referidos) e possui um restaurante que é presença nos roteiros gastronómicos do nosso país. Parece algo estranho que uma cozinha instalada no fim do mundo possa ser referência, precisamente pelas dificuldades que terá no acesso aos melhores produtos. Ok! Como dizia o reclame “prova e verás”. Só para me ficar na batata, direi que há muito que não comia batatas tão saborosas.
Concluindo a descrição do local que mais lamentaria não conhecer na Madeira, falta referir que a Fajã dos Padres deve o seu nome aos padres da Companhia de Jesus que aqui se instalaram durante mais de um século, tendo sido eles os responsáveis pela introdução do vinho Malvasia. Este vinho típico da Madeira (os outros famosos são o Bual, Verdelho e Sercial) tem aqui na Fajã as suas melhores uvas.
Uma nota mais: durante o Inverno, a Fajã recebe ondas de qualidade, daí que mereça vir até aqui acompanhada de prancha de surf.
Até por isso, e com ou sem elevador, a mana diz que era capaz de viver num sítio destes. Pudera!



http://www.fajadospadres.com/

quarta-feira, maio 23, 2007

Pico do Areeiro – Pico Ruivo

O tempo na ilha é mesmo estranho. Muda de repente, mesmo que após olharmos para o céu fiquemos com a certeza de que não, desta vez não existe qualquer possibilidade do tempo nos pregar uma partida.
Vem isto a propósito do nosso desafio de “escalarmos” até ao Pico Ruivo (1862m) desde o Pico do Areeiro (1818m), em pleno maciço montanhoso central da ilha da Madeira.



Assim, no dia de Páscoa preparamos o equipamento (botas, camisola de polar, impermeável, lanterna e farnel), deixámos a mãe no Pico do Areeiro juntamente com umas revistas e despedimo-nos para até daí umas 3 – 4 horas.
O tempo que se fazia sentir e o sol pareciam estar a nosso favor e saímos do Pico do Areeiro com uma simples t-shirt.



A descida, de cerca de 15 minutos, até ao miradouro do Ninho da Manta está ao alcance da maioria das pessoas que vêm até ao Pico do Areeiro (o pior é a subida mas como a distância não é muita…). Neste poiso, onde se crê que a ave de rapina de mesmo nome nidificava, a vista para a Fajã da Nogueira (direcção Balcões) deve ser fabulosa. Digo deve porque no momento em que lá estivemos só se avistaram nuvens, ou melhor, um nublado tão cerrado que transformou a paisagem num intenso e impenetrável manto branco. Em contrapartida, para o lado esquerdo, direcção Curral das Freiras, conseguimos ter certeza de que a vista desafogada de nuvens é esmagadora, um cenário de verde luxuriante. Digamos que tivemos 50% de sorte, mais ainda se pensarmos que a possibilidade de encontrarmos um nevoeiro cerrado por estas bandas é enorme.






Continuando a caminhada, e dedicando-nos exclusivamente a olhar o visual do nosso lado esquerdo, por entre a monotonia (atenção que nem sempre a monotonia é negativa!) basáltica e inundada de urzal, e após sairmos do túnel do Pico Gato, chegamos à conclusão de que seremos forçadas a contornar o Pico das Torres (1851m) e não a atalhar pelo túnel deste Pico que nos permitiria uma passagem rápida e mais directa da montanha rumo ao nosso objectivo final, uma vez que aquela área se encontrava em manutenção. Uma estafa e uns km a mais. Esta intensa subida pela escadaria escavada na rocha do Pico das Torres só é comparável (dizem) à parte final da chegada ao Pico Ruivo. Só dá vontade é de recolher para uma pausa retemperadora numa das grutas escavadas nos tufos vulcânicos que vamos encontrando pelo caminho. Mas o pior é que não estiveram muito longe de serem por nós utilizadas como abrigo, não do cansaço, mas antes da chuva. Pois é, o tempo havia mudado por completo e neste momento já nem o lado esquerdo tinha visibilidade. Para ser mais concreta, nem o esquerdo, nem o direito, nem um palmo à frente. O nevoeiro cerrado era tanto que apenas a chuva inclemente lhe fazia frente.

Alcançado o Pico das Torres dêmos com uma excursão de caminhantes alemães, com guia, e foi aqui que realizámos, enfim, que as nossas previsões de 3 – 4 horas para chegar ao Pico Ruivo e retornar ao Pico do Areeiro estavam completamente furadas. Culpa do túnel fechado para manutenção? Não só, ainda que isso nos pudesse ter poupado mais de meia hora por trajecto. A questão é que havíamos caído no erro de basear as nossas contas dos 6km em 3 – 4 horas como se este fosse um percurso circular, à semelhança do Rabaçal e dos Balcões. Esquecêramo-nos, porém, que nestes dois não há forma (ou é rara e arriscada) de retornar sem ser voltando pelo mesmo caminho, daí que as indicações de km e tempo sejam para a ida e a volta. Já no que respeita ao percurso entre os picos mais altos da ilha não acontece assim. Do Pico Ruivo pode seguir-se para a Achada do Teixeira e depois tomar a estrada.

Sabemos agora que o mais inteligente é fazer uma só direcção do percurso e ter um carro que nos transporte de novo para o Funchal (ou onde estivermos alojados). Com ou sem viagem organizada. Aí, sim, as nossas contas iniciais bateriam certo.
Erro primário, portanto; resultado óbvio, como consequência: meia volta no Pico das Torres, após cerca de 1h 20m, a pouco menos de meio caminho para o objectivo final do Pico Ruivo.
Ainda assim, um sabor a troféu, afinal de contas o Pico das Torres é o 2.º mais alto da ilha. E, servindo de consolo, o temporal que se abateu sobre as nossas cabeças e corpo, deixando-nos absolutamente encharcadas, pouco nos permitiria usufruir da paisagem e da própria caminhada.
Moral da história? O retorno à Madeira é mesmo um imperativo. A todas as caminhadas que julgávamos nos iriam ficar a faltar juntou-se a mais emblemática de todas elas.